Luanda - Fugido, escondido, com a "cabeça a prémio", Adolfo Maria sobreviveu três longos anos em Luanda. Acossado por alguns que com ele tinham lutado no MPLA, foi revivendo a sua história e a do país. Uma vivência que agora chega ao teatro

Fonte: TVI24

Sobe ao palco, em estreia por estes dias, "Um pássaro é mais do que a sua jaula". Na Casa do Coreto, em Carnide, Lisboa, Guilherme Mendonça encena a peça que escreveu, a partir da vida e "de um período de reclusão de um ativista político". Num diálogo consigo próprio, interpretado por Paulo Pinto.

 

Ele foi uma espécie de Robinson Crusoe naquela situação. Depois de lutar pela independência de Angola, em 1976 foi perseguido pela fação de Agostinho Neto. Tinha ordem de prisão e conseguiu esconder-se. Como conseguiu resistir durante aquele tempo, mostra-nos um homem com uma história de vida tão importante", conta à TVI24, Guilherme Mendonça, encenador de 46 anos, nascido em Moçambique.

Via a sua mulher passar na rua, sem lhe poder falar


Nesses três longos anos, Adolfo Maria foi clandestino em Luanda. Num dos esconderijos até via a mulher passar na rua, sem que lhe pudesse falar ou tocar, sem ela saber que ele ali estava tão perto. Sobreviveu com disciplina. Levantava-se cedo, fazia ioga, lia e escrevia. Toda essa aventura, contou-a no livro "Angola, sonho e pesadelo", que a TVI24 deu a conhecer há dois anos.

 

O livro foi o ponto de partida para conceber o drama que está agora em cena. Tal como as conversas com o protagonista da vida real, Adolfo Maria.

 

É uma pessoa muito incomum. Com 81 anos tem uma saúde física e mental como se tivesse apenas 30. É muito virado para o futuro, sempre com ideias novas. Acho que terá a ver também com aquele período de reclusão, que ultrapassou com disciplina e uma certa ordem mental", salienta o encenador.

Barba e cabelo como "um louco qualquer"


Três anos de reclusão forjaram Adolfo Maria. Ficou com problemas de visão. E como conta numa das conversas com encenador e ator, deixou crescer a barba e o cabelo por "razões de segurança". Para quando saísse à rua e "passasse na baixa, dissessem 'ali vai mais um louco qualquer'".

 

O cárcere a que teve de se submeter em 1976. Antes, já tinha estado preso em Luanda. Pela PIDE, a polícia política do Portugal colonial, em 1959. Depois, surgiu-lhe o exílio na luta nacionalista. Primeiro, na Argélia, em 1962, onde dois anos mais tarde criou o Centro de Estudos Angolanos. Depois, acrescentou-se, no Congo, a outros companheiros do MPLA, onde dirigiu a rádio Angola Combatente.


Essas coisas do seu passado, o seu percurso de vida, reviveu-o quando esteve três anos escondido. Desde a sua infância, numa Angola socialmente muito pequena, até à sua grande dedicação por uma causa. No fundo, a evocação do seu passado, enquanto nacionalista, é o retrato fiel da história recente de Angola", salienta Guilherme Mendonça.

 

Em setembro de 1978, Adolfo Maria saiu finalmente da "jaula". Viria para Portugal um ano depois.

 

Começou a haver uma pressão da comunidade internacional por causa dos direitos humanos em Angola e o presidente Agostinho Neto decretou uma amnistia. Fez então chegar uma carta à mulher, dizendo-lhe que estava vivo. E não morto, como muitos pensavam", conta Guilherme Mendonça.

 

Sobreviveu, três anos enclausurado. Continua a viver e o que passou está agora em palco, em "Um pássaro é mais do que a sua jaula". Para ver nesta e na próxima semana, de quinta a sábado, às 21:30 e às 17:00, dos domingos. Na Casa do Coreto, em Carnide, Lisboa.