Luanda - Mais de 20 crianças até aos três anos estão ‘presas’ no estabelecimento prisional feminino de Viana. A lei permite que mães-reclusas cuidem dos filhos até a essa idade. Depois, são entregues a familiares. Outras são encaminhadas para centros de acolhimento. Muitas delas nasceram atrás das grades e têm a cadeia como o primeiro lar. Bento Bembe, secretário de Estado para os Direitos Humanos, defende a criação de uma solução para os filhos das reclusas, pois entende que estarem nas cadeias pode ser prejudicial para os mesmos.

Fonte: NG
Um total de 22 crianças, até aos três anos de idade, algumas recém-nascidas, tem o estabelecimento penitenciário feminino de Viana, em Luanda, como primeiro lar. É lá onde aprendem a dar os primeiros passos, nascem os primeiros dentinhos, dizem as primeiras palavrinhas e aprendem a descobrir o mundo ao seu redor. Não estão presas, mas vivem como tal. Dividem as celas com as mães que são reclusas e que pagam pelos ‘pecados’ que cometeram.

Neste estabelecimento, onde se encontram 230 mulheres em prisão preventiva, o NG conversou com quatro das 21 mães-reclusas. Algumas deram a luz ‘atrás das grades’ e vivem aprisionadas com os filhos. E contam, na primeira pessoa, como é cuidar dos filhos dentro de uma cadeia. Recentemente, uma das reclusas deu à luz a gémeos.

A rotina começa logo cedo às primeiras horas. Ao acordar, cuidam da higiene pessoal e dos filhos. Preparam-nos, não para uma saída ou para a ida à escola, mas para os deixarem no infantário da prisão, onde ficam durante o dia. Enquanto as crianças ficam na creche, as mães dedicam-se a várias tarefas e ofícios dentro da cadeia. Só depois da jornada laboral, ao cair da noite, é que voltam a ficar com os filhos. As crianças passam a noite nas celas com as mães.

Diferente do que se pensa, o ambiente prisional com grades e arames contrasta com a realidade que é a creche, onde as crianças passam o dia. Aqui são livres: gritam, aprendem a desenhar, a pintar, a cantar e a fazer o que fazem as outras crianças inseridas numa creche normal. Para elas, não falta nada: têm as quatro alimentações obrigatórias, leite, sumos, fraldas descartáveis e outros alimentos. Aos finais de semana, brincam livremente no recinto prisional com as mães e visitantes.

Durante os minutos que o NG teve com algumas mães, todas concordam que os filhos são bem tratados. Manuela Maria (nome fictício) quando chegou ao estabelecimento prisional, transferida da cadeia do Bengo, para cumprir a pena de um ano a que foi condenada por falsificação de documentos, estava no sexto mês de gestação. Teve os últimos acompanhamentos pré-natais até ao momento de ter o bebé na cadeia.

Por não possuir as condições necessárias para o serviço de parto, as reclusas são encaminhadas aos hospitais públicos. Mas levam consigo enfermeiras do posto médico da prisão e agentes prisionais que fazem a guarda durante a ‘estadia’ na maternidade para acautelar eventuais fugas.

Com uma bebé de apenas três semanas de vida, Manuela Maria, de 41 anos, cumpre os últimos meses da pena. No ‘peito’, já apertam as saudades e a vontade de ver o outro filho que deixou sob os cuidados de uma amiga depois do “desprezo” da família após a sua condenação. Natural do Bengo, órfã de pai e mãe, tem a certeza do que quer fazer: voltar para a sua província e “não se meter mais em problemas, trabalhar e cuidar dos filhos”.

Actualmente com um ano e seis meses de idade, o pequeno Gabriel era apenas um feto na barriga de Isabel Francisco, quando a mãe foi condenada. A reclusa rejeita falar sobre os motivos que a atiraram para a cadeia. Apenas deixa escapar que o que a fez parar aqui “é ser muito alterada”. Com 32 anos, e a caminho do segundo ano da pena que cumpre, Isabel Francisco vê na cadeia a oportunidade de aprender a ser “flexível”. Trabalha como responsável do infantário e cozinheira. Garante que, apesar do barulho das crianças, é divertido trabalhar lá. “Ajuda-me a distrair, a passar o tempo e não pensar muito nas minhas filhas”. A reclusa tem outras duas filhas. “Cuidando dos outros, tenho a certeza de que Deus também está a cuidar das minhas filhas”, diz.

Homicídios, tráfico de drogas, furto e burla são os crimes mais frequentes, que levam mulheres angolanas para a cadeia. De 42 anos, natural de Malanje e mãe de três filhos, Ana Jorgina comercializava estupefacientes para garantir o ‘pão’ da família. Foi apanhada pela polícia, grávida e depois condenada. Deu à luz a uma menina, que agora está com um ano e seis meses. Já cumpriu a pena efectiva e pode ser solta a qualquer momento. Assim que chegar o momento de ver o sol, longe dali, e os ares da liberdade nas ruas, quer ficar longe da ‘má vida’ e arranjar um negócio para uma vida dígna.

Acusada de furtar uma carteira com dinheiro num dos supermercados da capital, lá se vai mais de um ano que Fátima Ngueve vê o sol nascer aos quadrados. Quando entrou, a gravidez ia no último mês. E já se passam um ano e oito meses de prisão preventiva. Enquanto espera por uma sentença, acompanha o crescimento do filho na cadeia e dos outros três que teve antes de ser presa fora por telefone. Está separada do marido e foi abandonada pela família.

Manuela Maria, Ana Jorgina, Fátima Ngueve e Isabel Francisco têm em comum a vontade de regenera-se, trabalhar e cuidar dos filhos.

Com psicólogos

A partir do momento em que passam a integrar a lista de reclusas da cadeia de Viana, as reclusas passam a ser acompanhadas por uma equipa de psicólogos.

Delfina de Oliveira é uma das psicólogas que acompanham as reclusas. Sabe que, às vezes, é difícil controlar psicologicamente alguns comportamentos das reclusas, principalmente as toxicodependentes. “Mas não é um número muito elevado”, acrescenta. Para ela, é mais difícil trabalhar com as que não aceitam o crime e rejeitam o acompanhamento psicológico.

Situação prejudicial

Numa entrevista à Angop, em 2011, o secretário de Estado para os Direitos Humanos, António Bento Bembe, defendia a necessidade de o Estado realizar um estudo com vista a encontrar uma solução para as reclusas que se encontram nas cadeias com os filhos, explicando que pode ser “prejudicial” para a educação dos mesmos. “É preciso que haja serviços próprios adequados que se devem ocupar dos filhos das reclusas durante o tempo que cumprem a pena, pois as mesmas necessitam de estudar e merecem outros cuidados que as unidades penitenciárias não possuem”, argumentou. Desde essa altura, até hoje, esse estudo não foi elaborado.

Outras realidades

Nos Estados Unidos cerca de duas mil crianças nascem nas cadeias. Até 1950, eram mantidas nas cadeias com as mães. Mas devido ao aumento da população carcerária feminina, em mais de 800 porcento e aos elevados custos que o programa acarretava, cerca de 24 mil dólares que passou a ser insuportável para o Estado foi cancelado.

Actualmente, existem programas muito concorridos e os estudos apontam que 33 por cento das mulheres separadas dos filhos voltam a cometer crimes, comparativamente a apenas 9 por cento das que criam os filhos enquanto cumprem a pena.

Em Angola o NG tentou obter os custos relativos ao cuidado das crianças na cadeia de Viana, mas não obteve sucesso. Tendo o porta-voz dos Serviços Prisionais, Menezes Cassoma, prometido esclarecer nos próximos dias.