Luanda - Eram apenas 19 horas consumidas do primeiro dia do ano, motivo de orgulho e grande curiosidade para todos. Como milagre, todos queriam ver fechar-se aquela primeira parcela temporal do ano com satisfação e desejo de vida nova. É porque o ano anterior fora consumido com muitas trevas, sacrifício e incertezas de um amanhã que só os dias tinham a chave de revelar tais veredictos que ainda o poder da consciência humana, por limites cuja razão somos alheios não tivera pressagiado.

Fonte: Club-k.net

Agruparam-se os vilões, de todos os lados vinham, desde a Sapa ao CIR; do Catuio ao Kalongulu; todos alegres e curiosos em ver o anoitecer de um ano que muitos desconheciam; talvez se esperasse uma noite vermelha, pois, surpresas são sempre inesperadas. Havia movimento em tudo, apesar daquela escuridão que posta em comparação com o abismo que separa Lázaro do seu rico talvez haja semelhança, se a metafísica humana é capaz de reproduzir correctamente os pensamentos religiosos e portanto, bíblicos.


E assim nascia um novo ambiente lá na lanchonete que não é só pelo nome, mas é mesmo de Sucesso. Paravam jovens, crianças e adultos/idosos que acorriam ao som da música cuja qualidade só quem estava presente pode descrever. Abundaram a estrada, as ruas, becos e o átrio daquele restrito recinto ao qual o Ano Novo conferira poderes de agregar centenas de “kurtidores” que deveras estavam ali cada um a seu desejo: para um namorisco, uma bebida atordoante, uma apreciação do movimento, encontro surpreendente, uma compra qualquer... tudo era bom para se fazer naquele espaço que além de agradar estava a cativar.


Não faltando gritarias onde há gritos, eis chegada a hora 19, uma hora que Caimbambo jamais esquecerá, mesmo tente fingir no olhar húmido e limpo de fé por amnésia, mas ainda Agostinho Neto forçará que eles possam “criar com os olhos secos” as lembranças tristes daquele episódio que só o Caimbambo podia viver. Se houve briga, os motivos são desnecessários, mas coube apenas perceber, pois na verdade “o fim justificou os meios” como pregava o mestre Maquiavel. Só isto importou saber pela surpresa: Vissila foi morta a tiro. Era de esperar que se tratasse de meliantes que quisessem inaugurar o ano com uma vítima resistente ao furto ou então algo semelhante. O pior foi o contrário que depois tocou as nossas portas do ouvido: o assassino é um agente de segurança. É mesmo isto, um agente de segurança. Era suposto saber que fosse um agente que no fôlego das festanças se descontraísse e esquecesse da sua missão por ocasião da dispensa. Engano seu, se foi isso que pensou: o agente estava em prevenção, ou melhor em serviço, ou mesmo ainda, um elemento das FAA que fora enviado para garantir asseguramento nestas festividades e concomitantemente... confundiu a missão, se quisermos ser objectivos. E para acudir ou criar a confusão, acho que tenha achado melhor resolver não pela força da razão, mas pela razão da força que só ele tem: A ARMA.


Nascera outro filme. É outro filme sim, porque Caimbambo já teve mortes como tem tido sempre, mas esta morte é outra e peculiar por 3 simples razões como revela kota Benguela, também abatido pelo sucedido, quando em surdina ia cochichar com mana Joaninha, pra evitar que um policial em frente do Hiace tomasse conta do recado: primeiro é disparar num dia de festa, depois num local público e finalmente por alguém que devia assegurar, mas segurou na arma e matou (de propósito), pois quem lança arma contra um público é de bel-prazer (embora se suspeite que tenha sido orientado pelo seu chefe, visto que é proibido disparar sem autorização). Para nós é conveniente dizer que esse assassinato é de propósito, porque a expressão “voluntário” seja reservada lá para os juízes da jurisprudência jurídica que ainda não sabemos como vão fechar este Outro Filme que Caimbambo realizou, embora de noite e à uma escuridão negra, ainda não faltaram cores através da iluminotécnica das estrelas longínquas. E em gesto de “missão cumprida” o corpo foi abandonado por quem lá o pôs, jazindo à sua sorte como tivera feito o caçador mitológico de Atenas aos lobos: fiquem aqui abandonados, eu só vinha matar e não tratar.


Acorreram pessoas para constatar o facto inacreditável, pois até hoje o cepticismo de que aquilo ocorrera mesmo no Caimbambo silencioso ainda reina em muitos até depois de realizado o funeral.


Populares decidiram (diz-se assim porque são povos que nunca assim decidiram) levar o corpo a quem lá o pôs. É, pois com justa razão. Razão que só eles tinham e ninguém podia retirá-la deles, evitando que se corra o risco de posse ilegal de razão, um crime que ainda o Direito Penal não processou em seus softwares nem mesmo nos famigerados “macrosófticos” hardwares do Tribunal Penal Internacional da Haia. Unidos, os populares (mas já com intenções acrescidas) pegaram em tudo que podiam, até o que estivesse guardado para não ver seu dono sair “kurtir” o Ano Novo. Eram materiais que acabariam com a história da polícia (talvez sobrariam contos orais através de vestígios ou passasse simplesmente em mito tal existência). Em cortejo como aquelas romarias do Santuário da mamã Muxima em Luanda ou entâo à Nossa Senhora de Fátima em Portugal, iam todos caminhando para devolver o cadáver a seu dono (trazer outros se possível e... se tornar também donos).


Uns chorando, outros bebendo, alguns cantando, lá no meio um casal abraçado ainda em beijos, vê-se no fundo da fila uma senhora toda embriagada urinando sem qualquer estilo de pudor (é sorte que a noite cobre muitas coisas), todos com um único objectivo: levar o corpo da Vissila a quem matou lá no Comando e também fazer o que se pode para mostrar que não é só a polícia que faz justiça por mãos próprias, afinal a lei pode cair em desuso quando quem orienta o cumprimento for o primeiro a apartar-se dela, ou mesmo, são os exemplos que nos ensinam.


Na vanguarda, o comando viu na noite a estrada enegrecer pela sombra escura dos que marchavam para se vingar por quem manchou as celebrações de Ano Novo. Afinal de contas os aforistas esqueceram-se de uma grande máxima transversal: quem tem arma em terra de desmobilizados e desarmados não é só rei, é deus que tudo pode, menos dar a vida ou criar uma pessoa com a palavra, a não ser que o faça por conjugação, já que a bipartição não traduz sociedade, característica de que o homem indispensa e é seu representante oficial.


Os Agentes de segurança pegaram todos em armas. Marcaram barreira. Abriram fogo. O primeiro tiro fora ouvido às 19:39 para que o último fosse dado às 21:42. Foi esse intervalo de guerra sem inimigo, disparos sem respostas e combate contra o mesmo combatente. E um Caimbambo que nunca conhecera Fogo de Artifício há anos, na madrugada daquele dia, felizmente no João Mulato se acenderam as bengalas, o que mostrou que se estava num outro ano. E confusos, os primeiros tiros pareciam continuação do Fogo de Artifício! Puro engano: afinal era guerra!


Por razões de que maior parte da juventude terá nascido depois da guerra de 27 anos e os que tivessem nascido antes ainda viveram o 4 de Abril amarrados às costas da mamã ou no infantário, nada perceberam de imediato, ainda sorriam para as munições de “Fogo de Artifício”. Instantes depois, ardeu um pânico em toda vila, as meninas que brincavam “jó” acorreram para o interior das casas (coitada da Martinha que não se sabia o paradeiro). Eram horas em que cada pai se convencia que só lhe sobravam os filhos que estavam em casa, pois, quem não estivesse sabia-se com certeza que voltaria, mas tem de ser buscado na morgue; era essa a concepção. Para além da intenção de dispersar aquela multidão que energicamente conseguira alcançar a unidade policial para tentar açambarcar e desmoronar tudo, parecia mais uma retaliação. Já não se entendia quem era vítima, apesar dos populares já tidos vítimas lá no Sucesso ainda se tornassem outras vez vítima, o que só a Matemática consegue explicar (vítima ao quadrado). Em suma, a vítima legítima e inata, nunca passará para agressor em parte alguma. Em fuga eram perseguidos os populares, ouviam-se passos naquela noite de pessoas passando a correr de ténis, de repente uma bota também passando e segundos depois um tiro, um grito seguidamente.

Quem ousasse abrir a porta ou a janela para ver, ia ver só!

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Por: Felisberto Ndunduma Sakutchtcha