Luanda - Félix Fernandes, cidadão angolano, pedreiro de 41 anos de idade, residente em Portugal há mais de 20 anos, acusa o Consulado Geral de Angola em Lisboa, de se ter apropriado da sua residência naquele país, após a Embaixada ter auxiliado na resolução de um litígio sobre a mesma residência.

Fonte: Jornal Folha 8

O cidadão acusa o vice-cônsul para área jurídica do Consulado Geral de Angola em Lisboa, Horácio Uliengue, como sendo a figura que orquestrou a apropriação da sua residência, onde actualmente residem alguns funcionários do Consulado angolano, inclusive a secretária do mesmo, Magda Baptista.

Como tudo começou

Em 1998, Félix Fernandes contraiu um empréstimo bancário e comprou uma residência na margem sul de Lisboa. Em 1999, faleceu o se pai em Angola, o que forçou o regresso do mesmo após 15 anos de ausência, deixando e confiando a casa a um casal amigo de nacionalidade angolana.

Após ter enterrado o pai, permaneceu em Angola por quase um ano porque tinha de tratar alguns documentos que as autoridades portuguesas tinham solicitado para ser concedida a cidadania daquele país, sendo que é pai de um rapaz que nasceu em Portugal.

Enquanto em Angola, ligava ao casal amigo em Portugal, que o tranquilizava sobre a situação da sua residência.

De regresso a Portugal, Félix Fernandes saiu do aeroporto, dirigindo-se directamente à sua residência, onde se viu impossibilitado de abrir a porta com as chaves que tinha, e em contrapartida ter sido confrontado, a partir do interior da residência, por um casal português, que se apresentou como novo dono da habitação.

Indagado, o casal português indicou Félix Fernandes a agência imobiliária onde comprou a casa. A agência imobiliária confirmou a venda da residência mas recusou-se a revelar o nome de quem pôs a casa à venda, alegando confidencialidade.

No entanto, Félix Fernandes dirigiu-se ao banco, onde fizera o empréstimo bancário, e constatou que apesar de não ter tido nenhum problema com a mesma instituição, o seu nome, como proprietário da referida residência, fora mudado e substituído por João Filipe Ribeiro.

A princípio, o casal angolano, a quem Félix Fernandes confiou a sua residência e onde permaneceu nos primeiros dias após a chegada a Portugal, mostrou-se admirado com a situação, alegando que esteve de viagem de trabalho na Alemanha durante algum tempo.

O banco aconselhou Félix Fernandes a recorrer à polícia para saber verdadeiramente o que se passou. Daí dirigiu-se à Polícia Judiciária em Setúbal, onde fez a queixa. A Polícia mandou o processo para o Tribunal do Seixal, na zona onde Félix Fernandes residia.

Descapitalizado mas sendo titular dos benefícios da Segurança Social, Félix Fernandes solicitou um advogado público que lhe foi atribuído mas que infelizmente, depois de conhecer o processo, não o ajudou. De seguida, tendo reclamado na Ordem dos Advogados, foi-lhe atribuído uma advogada que também se mostrou desinteressada do caso.

Envolvimento da Embaixada Angolana

Sem auxílio da polícia e dos tribunais portugueses, Félix Fernandes dirigiu-se à Embaixada de Angola em Lisboa, em 2012, onde solicitou ajuda. A Embaixada encaminhou Félix Fernandes para o seu gabinete jurídico em Alcântara, onde foi entrevistado e solicitado a apresentar vários documentos, nomeadamente: a fotocópia da escritura da casa, registo criminal, cópia do seguro da casa, e outros documentos, inclusive uma cópia do certidão de nascimento para confirmar que tem um filho que nasceu em Portugal.

“Eles pegaram naquelas cópias mas não ajudavam absolutamente em nada,” disse Félix Fernandes, explicando que se dirigiu inúmeras vezes à mesma instituição afecta à Embaixada angolana mas que não era recebido e que por último solicitaram-lhe que escrevesse uma carta pedindo audiência ao vice-cônsul para a área jurídica, Horácio Uliengue, do Consulado Geral de Angola em Lisboa.

Lamentavelmente, o vice-cônsul, Horácio Uliengue, nunca o recebeu, tendo os funcionários revelado que o mesmo era uma pessoa muito ocupada e que, para o encontrar, o cidadão devia interpelá-lo na entrada do edifício, tão cedo ele chegasse ao Consulado.

Félix Fernandes acatou o conselho dos funcionários e conseguiu deparar-se com o vice-cônsul que, após três tentativas, apressadamente despachou-o, afirmando que não tinha tempo e que devia tratar do caso com a sua secretária, Magda Baptista.


Frustrado com a situação, Félix Fernandes dirigiu-se à sua residência ocupada, onde procurou melhor esclarecimento da situação mas foi agredido pelo casal português e outras pessoas que estavam presentes na residência, resultando em ferimentos e fractura de um dente.

Fernandes foi internado num hospital durante uma semana, onde foi operado, tendo-lhe sido colocada uma prótese para endireitar os dentes durante dois meses. Segundo o mesmo, a Embaixada angolana tomou conhecimento da sua agressão mas nenhum funcionário angolano o visitou para se inteirar do que de facto se passara.

Com receio de perderem o dinheiro investido, a situação fez com o casal português, que era o novo inquilino da sua residência, recorrer ao tribunal, onde confessaram terem comprado a casa de um casal angolano, que afinal não era proprietário da residência.

“O tribunal aceitou as desculpas ou as reclamações do casal português. Tirou o casal português do meu apartamento. Deu-lhe outro apartamento, ou seja, fizeram a justiça ao casal português e não me devolveram o meu apartamento. Fecharam a minha casa, dizendo que é um litígio… que a minha casa está em litígio. Eu fiquei sete ou oito meses atrás da polícia judiciária e os tribunais e o ministério público para ver se eles me explicassem direito que tipo de litígio havia ali, e eles não me explicavam directamente, mesmo vendo-me numa situação difícil,” lamentou Félix Fernandes.

Regresso ao Consulado de Angola e a burla

Recuperado, Félix Fernandes retornou ao Consulado Geral de Angola em Lisboa, onde a secretária do vice-cônsul Horácio Uliengue lhe entregou um documento (Nota 2945/CG/2013 de 06/07/2013), informando-o da inviabilidade de qualquer intervenção da Missão Consular em seu auxílio, em virtude de ter sido ultrapassado o prazo legal para quaisquer procedimentos processuais em torno do seu pedido.

“Importa referir que tendo havido já uma decisão jurídica transitada em julgado sobre a matéria que pretende litigar, qualquer processo judicial que pretenda desencadear será improcedente por caducidade do direito de acção”, lê-se na carta recebida a 10 de Outubro de 2013.

Adicionalmente, a secretária Magda Baptista informou Félix Fernandes que valia a pena regressar para Angola e que o Consulado Geral poderia conceder-lhe dois bilhetes de passagem de voo.

“No meu entender, o que aconteceu é que quando eu fui contactar o nosso Consulado de Angola, automaticamente os funcionários do gabinete jurídico do nosso Consulado foram logo ao tribunal e eles entenderam logo que havia uma injustiça ai naquele meio, e resolveram o problema do litígio. Eles resolveram o problema do litígio mas não me disseram nada, como dono da casa. Não queriam devolver-me a casa. Em conjunto com os funcionários do tribunal e a polícia que estava envolvido nisso, com as chaves da minha casa, eles foram ver a minha casa. Eles viram a minha casa e viram que estava bem localizada e é grande. São três quartos, duas casas de banho, uma sala vasta, uma varanda, a minha cozinha tem duas divisões”, conta.

Enquanto em Portugal, Félix Fernandes constatou que entre os funcionários do Consulado Angolano em Lisboa, que estão a residir em sua casa, consta Magda Baptista, que é a secretária do vice-cônsul, Horácio Uliengue.

De regresso a Angola em Maio de 2014

Sem saídas e vivendo em casas de amigos, Félix Fernandes decidiu regressar para Angola, a fim de tratar do assunto com as autoridades angolanas.

O mesmo dirigiu-se novamente ao Consulado Geral de Angola em Lisboa, onde após ter mencionado o seu plano, a secretária Magda Baptista afirmou que os bilhetes de passagem de voo já estavam cancelados.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras confiscou o Cartão de Residência do Félix Fernandes, justificando que o mesmo tem um problema no tribunal.
“Mas um problema que eu tenho no tribunal, não tem nada a ver com a minha documentação que eu já tenho há mais de 20 anos. Não tem absolutamente nada a ver com isso”, disse.

Consequentemente, a Segurança Social, que tinha que lhe atribuir um subsídio de remuneração ou subsidio de desemprego, cortou-lhe este privilégio na ausência do Cartão de Residência, deixando Félix Fernandes sem documentos e sem meios de subsistência.

Sem a ajuda da Embaixada Angolana e das autoridades portuguesas, Félix Fernandes regressou a Angola através da ajuda de um escritório das Nações Unidas, e foi acolhido em casa da sua Irmã, onde reside até hoje.

Desde Maio de 2014, Félix Fernandes foi aconselhado e dirigiu cartas à Casa Civil da Presidência da República, onde nunca teve resposta, ao Ministro da Justiça, onde o ministro Rui Mangueira afirmou não ter competência para resolver o caso, à Provedoria da Justiça que também afirmou não ter competência para resolver situações que acontecem fora de Angola, à Décima Comissão da Assembleia Nacional, e ao Ministro das Relações Exteriores (MIREX), Georges Chikoty.

No MIREX, Félix Fernandes foi encaminhado ao gabinete jurídico, próximo das instalações da Televisão Pública de Angola, onde em finais de 2014 reuniu com um Manuel Lemos, que fez a proposta para que o mesmo vendesse a sua residência ao governo angolano. Satisfeito, Félix Fernandes aceitou a proposta, desde que não o prejudicasse. Manuel Lemos prometeu voltar a contacta-lo após duas semanas, mas nunca o fez.

Sem solução, Félix Fernandes voltou ao gabinete do ministro Georges Chikoty, onde solicitou audiência, mas foi novamente encaminhado ao gabinete jurídico.
Surpreendentemente, o Ministério das Relações Exteriores marcou um encontro com o mesmo homem que não lhe quis receber em Lisboa, Portugal, o vice-cônsul pela área jurídica do Consulado Geral de Angola em Lisboa, Horácio Uliengue.

No seu entender, Félix Fernandes afirmou que a razão que fazia com que nenhuma instituição nacional interviesse no seu caso, era a influência do vice-cônsul Horácio Uliengue, que tentava abafar o caso em várias instituições, contando versões distorcidas do assunto.

No encontro, Félix Fernandes confrontou o vice-cônsul Horácio Uliengue, sobre o porquê que estão com a residência dele, ao que o mesmo respondeu que o caso não era pessoal porque o Governo é que estava na posse da sua casa.

A reunião terminou em exaltação de ânimos, e usando da sua posição, o vice-cônsul Horácio Uliengue chamou a polícia que deteve o cidadão Félix Fernandes.

É de realçar que, Félix Fernandes tinha sido posto em liberdade a 27 de Maio de 2016, após Francisco Morgado e Manuel Lemos, em conluio com o vice-cônsul Horácio Uliengue, tentarem em vão convencê-lo a assinar um documento com acusações falsas e que o incriminavam.

Tendo negado e na troca de palavras, os mesmos chamaram a polícia, alegando que Félix Fernandes fazia confusão nas mesmas instalações. O cidadão foi detido na esquadra do bairro Operário em Luanda, por uma semana, tendo sido posto em liberdade após ser ouvido pelo Procurador Francisco Martins, conforme consta num Mandado de Soltura em posse do jornal Folha 8.

Sem casa, sem emprego e sem meios de subsistência, Félix Fernandes pede justiça por parte das autoridades angolanas, podendo ser contactado através dos números: 00244934556026.