Angolanas e angolanos:

Os povos de Angola, nossos antepassados, legaram-nos um território, um acervo identitário de costumes e valores numa diversidade de línguas e culturas, e uma rica história. Fomos invadidos, explorados e aculturados durante séculos. Resistimos tenazmente e vencemos muitas batalhas políticas, militares e culturais.

Em 1975, Angola ganhou uma bandeira, um hino e uma data de independência, mas não ganhou a paz, porque a independência veio sem democracia e é a democracia que sustenta a paz! A independência veio sem unidade, porque a unidade nacional não se proclama nem se impõe, constrói-se. E constrói-se, não na hegemonia, mas no diálogo e na diversidade.

O ponto de partida da unidade nacional é a discussão aberta, por todos, de uma Constituição para todos. Neste exercício, não há governo nem oposição, não há ricos nem pobres; não há vencedores nem vencidos. Há igualdade entre filhos da mesma Pátria, todos revestidos de igual legitimidade para exercer o poder constituinte.
Houve lutas, ofensas, abusos e até o fratricídio. Entre a ditadura e a resistência, entre mortos e feridos, os angolanos venceram, e criaram as bases para a construção da Nação. Hoje, todos juntos,
Reconhecendo as nossas raízes seculares, forjadas pela luta e labor de distintos povos; Reconhecendo as nossas distintas origens, culturas e vivências;

Afirmando-nos herdeiros iguais das terras de Angola e das lutas contra todas as formas de dominação e exclusão;
Apelando à sabedoria das lições da nossa história comum e de todas as culturas que nos enriquecem;
Invocando a memória dos nossos antepassados;

Revestidos de uma cultura de tolerância e profundamente comprometidos com a reconciliação, a igualdade, a justiça e o desenvolvimento;

Decididos a construir uma nova forma de convivência, fundada na igualdade, no compromisso, na fraternidade e na unidade da nossa diversidade;
Preocupados com o legado para as futuras gerações;
Preparados para instituir, como nosso principal instrumento de acção, um Estado Democrático de Direito, para servir o cidadão, e por ele fiscalizado, para garantir o exercício igual dos direitos universais, políticos, económicos e culturais dos angolanos, e para realizar as nossas aspirações colectivas;

Tendo como objectivo a construção da Nação angolana, num país livre, democrático e reconciliado consigo mesmo, comprometido com a justiça que produz a paz, a inclusão e o desenvolvimento harmonioso de Angola e dos angolanos;
Em nome da União Nacional para a Independência Total de Angola - UNITA – e no exercício da nossa soberania,
Cumpre-me apresentar aos angolanos as propostas da UNITA para a Constituição da III República.
Propomos uma Constituição para o futuro, que resolve os graves problemas do presente e assegura a paz social, a estabilidade governativa e a prosperidade para todos.

Chegou a hora de Angola romper definitivamente com a cultura da exclusão política e social, que herdou tanto do colonialismo português, como da primeira e da segunda República. O instrumento de ruptura dessa cultura é a Constituição da III República.

Propomos uma Constituição que dá poder aos governados para controlarem os governantes; que dá poder ao cidadão para controlar o Estado, transformando-o num instrumento dialogante ao serviço de todos, em especial dos mais vulneráveis. Uma Constituição que consagra a terra como propriedade originária do povo angolano.

Na III República, os ricos não podem mais continuar a explorar os pobres. A riqueza de Angola, produzida todos os dias pelos trabalhadores angolanos, será direccionada para comprar a educação e a prosperidade para o seu povo.

Propomos que o salário mínimo seja garantido a todos, em todo o país, e seja suficiente para satisfazer as necessidades vitais básicas dos angolanos e suas famílias, com actualizações periódicas que lhe preservem o poder aquisitivo. Propomos que todos os patrões privados paguem o décimo terceiro mês e que aqueles que recebem pensões tenham também o décimo terceiro mês. Na III República, a todos são garantidas férias pagas; a todos os que trabalham de noite ou mais do que oito horas por dia, é garantida a remuneração por trabalho extraordinário, mediante acordo ou convenção colectiva de trabalho;
O Estado deverá proteger também o trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas;

O Estado deverá estruturar o financiamento de um sistema nacional de segurança social unificado e descentralizado, para proteger os cidadãos na doença, na velhice, na invalidez, na viuvez e na orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. Esta é a proposta da UNITA.

A obrigação mais importante para o Estado da III República está na educação. Acreditamos que a defesa da liberdade de um povo começa na sua educação. A promoção da saúde pública começa na educação. A independência política de um povo e o exercício sábio da soberania estão intimamente ligados ao desenvolvimento tecnológico e científico, garantidos pelos sistemas de educação.

E é aqui onde Angola deverá fazer mais uma ruptura com o passado. A III República não pode manter em Angola um ensino medíocre, de terceira classe, para impedir que os angolanos natos e pobres, que são a maioria, tenham acesso ao verdadeiro conhecimento e sejam mantidos afastados dos grandes centros do poder. Esta política poderá transformar Angola num novo tipo de colónia, em que os filhos de Nzinga Mbandi, Ekuiki e Ngola Kiluange acabarão por ter o estatuto que os índios nas Américas! Nós propomos que este curso de acções seja travado e invertido já agora! Só a transformação e a modernização dos sistemas de ensino e de produção, da Administração Pública e das estruturas económicas e sociais irá garantir a independência, proteger e valorizar o angolano, preservar os eco sistemas e assegurar a equidade no desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional.

Prezados compatriotas:

No domínio das liberdades, Angola também precisa de mudanças. Na III República, a soberania pertence ao povo. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da Constituição e da lei; Tem de acabar a prática de se exigir a filiação partidária para se obterem bolsas, empregos, créditos ou para o exercício de cargos públicos. Temos de reduzir a burocracia para servir melhor o cidadão. Nas instâncias judiciais, cabe ao Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem não possuir recursos. De igual modo, são gratuitos para os reconhecidamente pobres, o registo civil de nascimento, o registo de casamento e a certidão de óbito.

A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei. O Estado deve organizar-se para que no prazo máximo de 48 horas o detido seja julgado. O prazo máximo da prisão preventiva é de quinze dias.

Angola não pode entrar para a III República praticando a intolerância política e a censura na comunicação social. Através das providências de “habeas corpus” e do mandado de segurança, accionados por qualquer cidadão, Partido Político ou Associação cívica, os angolanos poderão proteger-se contra os abusos de extremistas ou fanáticos, estejam eles fardados ou trajados a civis, ou ainda agentes do poder público;

E se alguém atentar contra o património público, contra a moralidade administrativa, contra o meio ambiente, contra o património histórico e cultural, ou contra o regime democrático, qualquer cidadão é parte legítima para propor acção popular em defesa do bem comum. Vamos propor que seja assim na III República. Vamos acabar com as fintas e os truques bolchevistas para construir uma Nação civilizada, que respeita a ordem democrática.

Vamos proteger também os direitos do consumidor e a liberdade de criação cultural. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor.

A regulação da comunicação social pública é competência de um órgão constitucional independente, que tem autonomia operacional, administrativa e financeira, a Alta Autoridade Para a Comunicação Social. Destacamos, de entre as suas competências:
a) Garantir a independência estrutural e funcional dos órgãos públicos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, assegurar nelas a expressão e confronto das diversas correntes de opinião;
b) Atribuir licenças para o exercício da actividade de rádio e televisão, bem como arbitrar os conflitos suscitados entre os titulares do direito de antena, na rádio e na televisão, quanto à elaboração dos respectivos planos gerais de utilização;
c) Emitir parecer prévio, público e fundamentado, sobre a nomeação e destituição dos directores que tenham a seu cargo as áreas da programação e informação, assim como dos respectivos directores-adjuntos e subdirectores, dos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas ou a entidades directa ou indirectamente sujeitas ao seu controlo económico;
d) Confirmar a ocorrência de alteração profunda na linha de orientação dos órgãos de comunicação social, em caso de invocação da cláusula de consciência dos jornalistas;
e) Propor à Assembleia Nacional ou ao Poder executivo as medidas legislativas ou regulamentares que repute necessárias à observância dos princípios constitucionais relativos à comunicação social ou à prossecução das suas atribuições;
f) Consagrar o equilíbrio no uso das línguas nacionais e da língua portuguesa aquando dos conteúdos informativos;

Convidamos a classe jornalística a estudar atentamente esta proposta, porque estamos convencidos que ela oferece uma alternativa segura tanto para o desenvolvimento da classe jornalística como da democracia institucional.

Angolanas e angolanos:

A Segunda Parte desta proposta estabelece os princípios gerais que orientam o exercício do poder político pelos cidadãos e define a organização político-administrativa da República. Para além da eleição, são consagrados o plebiscito, o referendo a iniciativa popular e a revogação de mandatos para serem utilizados como instrumentos de controlo dos Poderes legislativos e executivos pelos cidadãos. Por meio deles, os cidadãos podem aprovar, ractificar, vetar e controlar políticas públicas e outros actos institucionais e normativos, bem assim como revogar o mandato do Presidente da República, sem ingerência dos poderes representativos ou delegados.

Passo a indicar os seguintes princípios estruturantes da organização político-administrativa da República:

O Estado é unitário e descentralizado: é unitário, na medida em que, sob o ponto de vista constitucional, pressupõe uma só fonte de poder constituinte e uma só Constituição (em cuja revisão não participam os entes territoriais menores). É descentralizado, porque, na sua organização e funcionamento, e para a prossecução dos seus fins, elege o princípio da descentralização, a dois níveis: no primeiro nível, o Estado unitário efectua uma descentralização político-administrativa de carácter periférico ou parcial, criando dois entes territoriais autónomos, a Região Autónoma de Cabinda e a Região Metropolitana de Luanda. No segundo nível, o Estado unitário efectua uma descentralização administrativa, com base nos princípios da subsidiariedade e do gradualismo, criando as autarquias.

Assim, o território da III República divide-se em entidades autónomas, Províncias, Municípios, Comunas, Bairros e Aldeias;

Os governos autónomos descentralizados gozam de autonomia política, administrativa e financeira e regem-se pelos princípios da solidariedade, subsidiariedade, equidade inter-territorial, integração e da cidadania participativa. Em caso algum o exercício da autonomia permitirá a secessão do território nacional.

As autarquias constituem o poder local, no quadro do qual os cidadãos administram interesses comunitários de forma autónoma no interesse da unidade e do desenvolvimento nacionais. Os limites territoriais das autarquias não se confundem com a actual divisão político-administrativa do território nacional.

A III República reconhece o poder tradicional real, de origem hereditária, sua identidade histórica, política e cultural, como fundamentos da angolanidade e factores de estabilidade social e de enriquecimento cultural. Por isso, enquadro-o como poder apartidário, instituto integrador do Direito consuetudinário e do direito positivo e parceiro institucional do Estado lá onde se manifesta. Constituem os Conselhos de Anciãos, órgãos consultivos do poder autárquico.
A criação das autarquias obedece aos princípios do gradualismo, da legalidade, da diferenciação, da participação e do Estado democrático de direito. Os órgãos do poder autárquico compreendem esferas do poder legislativo e do poder executivo, ambos exercidos a nível municipal. O poder legislativo autárquico é exercido por uma Assembleia Legislativa pluripartidária, dotada de poderes deliberativos. O poder executivo autárquico é exercido por um órgão colegial pluripartidário, a Câmara Municipal, responsável perante a Assembleia Legislativa.

Os Deputados à Assembleia Legislativa são eleitos a partir de listas plurinominais por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos recenseados na área da respectiva autarquia e nela residentes há pelo menos um ano, segundo o sistema da representação proporcional.

O Presidente da Câmara Municipal e os vereadores são eleitos na mesma eleição que escolhe os Deputados à Assembleia Legislativa. A eleição dos Deputados e dos vereadores realiza-se em todo o País no segundo domingo de Agosto do ano do término do mandato de seu antecessor, ocorrendo a posse na última segunda-feira de Setembro do mesmo ano.
As candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias são apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, nos termos da lei. Os partidos políticos têm a faculdade de apresentar ou não candidaturas para todas as autarquias. A não participação dos partidos políticos em outras eleições não prejudica a sua participação nas eleições autárquicas.

A proposta da UNITA especifica o regime de competências das autarquias, o número de deputados e vereadores a eleger, os requisitos da constituição e destituição do poder autárquico e o seu funcionamento.
É consagrado o instituto do “Bloqueio,” ou “veto das minorias,” no quadro do exercício do direito democrático de oposição, a fim de conferir maior legitimidade democrática ao processo legislativo.

Ninguém pode exercer o poder político do povo em funções executivas de âmbito nacional, regional ou local por mais de dois mandatos consecutivos, ou por mais de dez anos, ou vitaliciamente.

Para a tomada de posse nos cargos de Presidente da República, Governador, Presidentes das Câmaras Municipais e de Vereadores, ou para serem eleitos para cargos judiciais ou jurisdicionais, os candidatos que exerçam funções executivas, de direcção ou de mando nos órgãos dos Partidos Políticos, devem renunciar previamente aos respectivos mandatos e funções.

Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas acções e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.

Os sistemas eleitorais, o processo de candidaturas, o modo de eleição e de funcionamento dos órgãos intervenientes devem garantir a representatividade das minorias, promover a unidade nacional, a consensualidade e o contínuo aperfeiçoamento da democracia;

A organização de eleições é função jurisdicional especializada, da competência exclusiva do Supremo Tribunal Eleitoral, que inclui, nomeadamente:
a) a aprovação, publicação e difusão de instrumentos normativos regulamentares;
b) o desenvolvimento da cultura democrática e eleitoral dos cidadãos;
c) o recenseamento eleitoral;
d) a elaboração e manutenção da cartografia eleitoral;
e) o desenvolvimento, manutenção e gestão da infra-estrutura humana e de serviços de apoio logístico e tecnológico;
f) o financiamento e fiscalização das campanhas eleitorais;
g) o julgamento das agressões e infracções às liberdades, ao ambiente e ao processo democrático;
h) a planificação, execução, direcção e controlo das operações de votação e apuramento;
i) o anúncio e publicação dos resultados; e
j) a resolução de conflitos, nos termos da Constituição.

Prezados compatriotas:

Elegemos a descentralização político-administrativa para Cabinda porque estamos convencidos que só ela responde, de maneira definitiva, à complexidade dos problemas históricos que assola aquele enclave físico. Só ela permite maior agilidade, maior participação democrática e eficiência na administração territorial e na consolidação da paz política e social.

O fundamento para investir Cabinda na natureza jurídica de entidade dotada de autonomia político-administrativa com órgãos de governo próprios, estão descritos no Art. 271º. Este artigo estabelece também que a consagrada autonomia exerce-se no quadro da Constituição, circunscreve-se na unicidade e na indivisibilidade do poder de soberania dos povos de Angola, não ofende o exercício dessa soberania pelo Estado unitário de Angola e proíbe a secessão.

Elegemos também o princípio da descentralização político-administrativa para resolver a complexidade de problemas sociais atípicos que enfrenta a capital do país. Angola precisa de garantir a governabilidade da sua bela capital. Mais de 30% da população do país vive asfixiada, sem qualidade de vida, num perímetro inferior a 100 quilómetros, cuja infra-estrutura apresenta-se além de reparação. Não resolveremos os problemas de Luanda com remendos, nem com conferências, nem atribuindo à sua governadora a categoria de Ministra, com ou sem pasta. Não chega.

Luanda precisa definitivamente de um Estatuto especial. E este estatuto especial consiste no alargamento das fronteiras actuais da cidade capital para se consagrar um novo ente territorial, a Região Metropolitana de Luanda, dotado de personalidade jurídica própria, a quem a República transfere competências políticas, legislativas e administrativas.

Propomos que a Região Metropolitana de Luanda abranja a parcela do território de Angola com a superfície de trinta e cinco mil duzentos e setenta e três quilómetros quadrados, envolvendo a cidade capital, banhada a oeste pelo oceano Atlântico e limitada a Norte pelo Rio Logi, a Sul pelo Rio Longa e a Leste pela Província do Kwanza Norte.

A Região Metropolitana de Luanda organiza-se e rege-se pelos seus Estatutos constituintes e leis próprias que adoptar, observados os princípios do Estado democrático de direito, do pluralismo político e os valores sociais da paz, trabalho, justiça e prosperidade, nos termos desta Constituição.

A Região Metropolitana de Luanda pode, mediante lei complementar, instituir cidades-satélite e outras unidades administrativas periféricas, constituídas por agrupamentos de autarquias ou outras unidades territoriais, para integrar a organização, o planeamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Esta é a proposta da UNITA!

Angolanas e angolanos:

Do ponto de vista institucional, o País regrediu de tal forma, que o sistema de governo para a III República precisa ainda de realizar a missão histórica de instituir, na prática, o regime de separação dos poderes e de garantir a responsabilidade política dos detentores de cargos públicos.

Por isso, não elegemos o semi-presidencialismo, como o fizéramos para a II República, porque, na vigência da II República, tal sistema foi desvirtuado, não serviu a realidade político social e não cumpriu a sua missão histórica. De facto, o semi-presidencialismo constitucional da II República, foi e é um sistema de concentração de poderes, com procedimentos próprios de formação e de funcionamento, muito significativamente desviados dos procedimentos democráticos. A supremacia cristalizada do poder Executivo e a sua natureza bicéfala apresentam-se como factores de instabilidade incompatíveis com o nível de desenvolvimento democrático e institucional de Angola.

Não elegemos o sistema parlamentar, porque reconhecemos que ele corresponde melhor aos países de níveis culturais mais elevados, possuidores de territórios não muito extensos e sem graves e prementes problemas de ordem administrativa. Não elegemos também o “presidencialismo do presidente,” em que este órgão tem poderes de dissolver o Governo ou a Assembleia Nacional e não partilha as funções políticas importantes do Estado.

Propomos, para Angola, um sistema de governo próprio para a nossa realidade presente e futura, que radica na separação de poderes, no equilíbrio de competências e no controlo recíproco. Um sistema que garante, pela sua estruturação e pelo seu funcionamento, a estabilidade governativa, a responsabilidade política e o desenvolvimento da democracia institucional.

Nesse sistema, cada órgão constitucional a quem é atribuído o núcleo essencial de uma função do Estado, contém-se nos limites das competências que lhe são constitucionalmente atribuídas. Visto que cabe ao povo o exercício do poder político, então, as funções políticas stricto sensu são repartidas entre os dois únicos órgãos que são eleitos directamente pelo povo, entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional.

Com base nessa partilha, quer o Presidente, quer a Assembleia, têm competências em relação a outros órgãos e entre si. O Presidente negoceia os Tratados, e a Assembleia aprova-os. O Presidente procura os créditos externos e dirige a política externa, ao passo que à Assembleia compete autorizar previamente a ausência do Presidente da República do território nacional. O Presidente confere indultos e comuta penas, ao passo que a Assembleia concede amnistias e perdões genéricos; o Presidente elabora o plano, as grandes linhas de governação e os orçamentos, a Assembleia aprova-os, autoriza as operações financeiras externas e fiscaliza a sua execução. O Presidente comanda as Forças Armadas, cujo efectivo é previamente fixado e aprovado pela Assembleia.

Cabe ainda à Assembleia Nacional aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares; aprovar a fixação e modificação do efectivo das Forças Armadas; aprovar planos e programas nacionais, regionais e sectoriais de desenvolvimento; e aprovar a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública;

O sistema assegura o primado da centralidade da actividade legislativa na Assembleia Nacional; nesse respeito, a Assembleia Nacional tem reserva absoluta de competência legislativa para legislar sobre a organização da defesa nacional, a aprovação de planos e programas nacionais, regionais e sectoriais de desenvolvimento; o funcionamento e o reequipamento das Forças Armadas; o regime de finanças das entidades autónomas, o regime do sistema de informações e da segurança nacional; sobre a criação e modificação de autarquias, sobre o regime de eleições a todos os níveis e sobre o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e de todos os órgãos constitucionais.

Ao Presidente da República cabe promulgar as normas legislativas e executá-las. Por isso, sendo o Presidente da República o Poder executivo do Estado, precisa de legitimidade própria, que não pode derivar de uma eleição indirecta dos Deputados à Assembleia Nacional. São órgãos distintos. O Poder executivo do Estado, sendo um órgão igualmente soberano e distinto do legislativo, precisa da sua própria eleição directa pelo soberano, que é o povo angolano. Esta eleição realiza-se no primeiro domingo de Setembro, em primeira volta, e no último domingo de Setembro, em segunda volta, se houver, do ano em que termina o mandato presidencial vigente.

No plano dos controlos recíprocos há a relevar que certas iniciativas legislativas do Presidente da República só têm eficácia depois de aprovadas pela Assembleia Nacional. Assim, a Assembleia precisa de aprovar as autorizações legislativas ao Presidente; precisa de aprovar previamente a declaração dos estados de excepção pelo Presidente da República; precisa de aprovar também as nomeações dos Ministros, dos juízes, e dos representantes da República nas regiões autónomas.

Este é o sistema de controlos recíprocos entre os dois órgãos que se completam no exercício da soberania, em representação do soberano, que os elegeu directamente. Esta é a proposta da UNITA!

Cabe também à Assembleia Nacional fiscalizar o Presidente da República. A Assembleia aprova a criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública; autoriza as operações de crédito, fixa os subsídios e as regalias do Presidente da República e dos Ministros e pode suspender actos normativos do Presidente e dos Ministros, que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

No quadro do puro controlo político inter-orgânico, cumpre referir, de entre outros, os institutos da promulgação e do veto pelo Presidente da República; do instituto do veto e da ratificação pela Assembleia Nacional; o exercício do controlo externo inerente à fiscalização patrimonial, financeira, contabilística, orçamental e operacional da República, pelo Tribunal de Contas;

Por outro lado, atribui-se ao Poder Executivo a competência exclusiva para submeter a aprovação os Planos anuais e plurianuais e as leis de directrizes orçamentais e do Orçamento Geral do Estado. O Poder legislativo discute e aprova os planos e os orçamentos, mas não pode votar moções de censura ou de confiança para destituir o governo. Assim, garante a eficácia e a eficiência governativas, a homogeneidade da administração, com vantagens na execução de planos, programas e orçamentos.
Os governos provinciais actuam como órgãos desconcentrados do poder central, que visam assegurar, a nível provincial, a realização das funções do Estado e a coordenação institucional dos programas e dos entes descentralizados. Na execução das suas competências, os Governos Provinciais respondem perante o Presidente da República e não interferem no exercício do poder autárquico pelos órgãos competentes.
Este sistema, visto em conjunto com o modelo de descentralização proposto, adequa-se a extensão territorial do País e ao seu nível cultural.

Nesse sistema os poderes do Presidente da república são reduzidos e controlados do seguinte modo: (1) partilha as funções políticas com a Assembleia Nacional; (2) Partilha as funções executivas com os entes territoriais descentralizados; (3) Carece de autorização da AN para exercer certas competências de Chefe de Estado; (4) Carece de autorização da AN para nomear Ministros, Juízes e Embaixadores; (5) Precisa da autorização da AN para engajar o País em compromissos internacionais, financeiros e políticos; (6) O seu mandato pode ser revogado pelo povo em qualquer momento.

O Poder executivo do Estado tem competências muito importantes, que não se podem furtar ao instituto da responsabilidade política. Por isso, o Poder executivo deve apresentar as contas anuais da República ao órgão fiscalizador, e a este é conferida a competência de exercer o controlo externo das operações, do património, das finanças e das contas da República. Os cidadãos podem revogar o mandato do Presidente da República e os tribunais podem julgá-lo, cabendo a instauração de processos de acusação contra os membros do executivo à Assembleia Nacional, nos termos do Artigo 186º. Esta é a proposta da UNITA.

Para assegurar a eficácia do sistema de governo que propomos, precisamos de consagrar um órgão especializado, independente dos poderes executivo, legislativo e judicial, que exerce, no interesse da soberania dos povos de Angola, os poderes de fiscalização do património, orçamentos e programas da República e da boa gestão das finanças públicas pelos poderes públicos. Propomos que este órgão se denomine Tribunal de Contas.

Apesar de parecer familiar, alerto que a natureza, a estrutura, o funcionamento deste órgão em nada tem a ver com o Tribunal de Contas que a II República nos habituou. Trata-se de algo novo, com competências opinativas; judicativas; informativas; sancionadoras; e correctivas. Cabe-lhe, em especial:

a) Apurar a responsabilidade política, administrativa e civil, e indícios de responsabilidade penal, em todos os casos de gestão pública sob sua jurisdição;

b) Dirigir a implementação e garantir a eficácia dos sistemas de controlo interno mantidos pelas entidades sob sua jurisdição, incluindo os poderes executivos, legislativo e Judicial, e assegurar a sua integração nos sistemas gerais;

c) Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração directa e indirecta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público e as contas daqueles que causaram a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

d) Realizar, por iniciativa própria, de qualquer Comissão da Assembleia Nacional, de comissão técnica ou de inquérito, inspecções e auditorias nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judicial, e demais entidades;
e) Aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas na lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário público;

f) Estabelecer prazos para que o órgão ou entidade adopte as medidas necessárias ao exacto cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

Sujeita-se à jurisdição do Tribunal de Contas, e a ele prestará contas, qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gere ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a República responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

As decisões do Tribunal de Contas de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. Um relatório trimestral das suas actividades é enviado à Assembleia Nacional.

Relativamente ao poder judicial:

A Constituição eleva na prática o Poder Judicial ao nível de órgão real de soberania e garante a sua independência efectiva. Reforma as funções e competências da Procuradoria-geral da República e do Ministério Público; estabelecem-se novas políticas de ingresso e gestão de carreiras na magistratura e garante a independência estrutural e funcional do sistema.
O ingresso na carreira do Ministério Público faz-se mediante concurso público de provas e títulos, exigindo-se do licenciado em direito, no mínimo, três anos de actividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação. A Chefia do Ministério Público não tem subordinação a nenhum poder do Estado.

A III República precisa de centenas de excelentes juízes. No estatuto dos juízes, definem-se as garantias, as incompatibilidades e o regime de acesso à carreira, de nomeações, transferências e promoções. Os juízes são inamovíveis, vitalícios e irresponsáveis.

O Poder executivo não deve interferir na gestão administrativa, financeira ou deontológica dos recursos do poder judicial. Propomos a consagração do Conselho Nacional de Justiça como órgão superior de controlo da gestão administrativa, financeira, deontológica e técnica do Poder Judicial e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.

Temos também uma proposta para a sociedade e o Estado abordarem o flagelo da desintegração das famílias e da violência doméstica. Propomos a constituição do Tribunal de Família, como um fórum acessível, económico, equitativo, célere e especializado para a resolução de conflitos e ofensas que envolvem relações domésticas, protecção de menores, abuso de menores, violência doméstica, sucessões e delinquência juvenil.

A estrutura funcional do Tribunal de Família inclui Salas de Mediação, Conselhos de Família, Salas de Aconselhamento, Julgados itinerantes de paz e uma sala criminal para lidar com todos os casos de violência doméstica.

Ao Tribunal de Família é dada a possibilidade de utilizar a justiça itinerante para realizar as audiências e demais funções da actividade jurisdicional fora das suas instalações, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.

Os recursos humanos especializados que o Tribunal emprega ou contrata para as actividades de mediação, aconselhamento e para a sua sala criminal, fixa ou itinerante, incluem psicólogos, médicos, enfermeiros, conselheiros, técnicos de resolução de conflitos, mais velhos, todos de excelente reputação.

O Tribunal de família pode recorrer às autoridades tradicionais e delas obter o seu concurso como juízes de paz para dirimir conflitos familiares nas aldeias, bairros, comunidades e lá onde o respeito pela autoridade moral do poder da tradição e o direito consuetudinário se manifestam mais eficazes que o direito positivo na administração da justiça e na salvaguarda da dignidade da pessoa humana.

As salas criminais são estruturadas e dotadas de recursos humanos especializados de forma a garantir a segurança das vítimas; e fornecer apoio educativo, moral e jurídico a todos os envolvidos;
Propomos também a criação da Advocacia-Geral da República como instituição que, directamente ou através de órgão vinculado, representa a República, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos de lei complementar, exercer as actividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

Propomos ainda a criação da Advocacia Pública dos Cidadãos, uma instituição de direito público, a quem incumbe a protecção e tutela os direitos dos cidadãos angolanos residentes no país e no estrangeiro, a orientação jurídica e a defesa dos necessitados, em todas as fases do processo judicial.

Acabei de descrever, em linhas gerais, a natureza e as ligações funcionais do conjunto das principais instituições do poder público, o que chamamos sistema de governo.

Alguns peritos defendem que o nosso sistema de governo tem tanto elementos do presidencialismo, como tem do parlamentarismo e do semi-presidencialismo. Entendemos que o mais importante não é o chavão, nem o jargão ou os “ismos”. O mais importante é que o sistema sirva a nossa realidade objectiva; que as delimitações de competências sejam claras; que respeite os princípios da separação de poderes e da responsabilidade política; que a legitimidade dos poderes executivos e legislativos assente em eleições directas diferentes; e que nenhum desses poderes possa sobrepor-se ao outro.

Se alguém quiser chamá-lo de “regime presidencial”, irá concluir, ao estudar o sistema, que não se trata do “presidencialismo do Presidente.” É o presidencialismo de um poder legislativo tão soberano quanto os outros órgãos, que tem o primado da centralidade das funções política e legislativa do Estado, e que, por isso, não pode ser dissolvido. É o presidencialismo de um poder judicial reformado e elevado pela Constituição ao estatuto de órgão soberano real, igual, harmónico e independente. O sistema de governo que propomos radica no equilíbrio de competências e no controlo recíproco, e funciona tanto como um factor correctivo, que rompe com a cultura política prevalecente, como um factor harmonizador que institui e efectiva, de facto, o regime democrático em Angola.

Prezados compatriotas:

A segunda parte da proposta dispõe ainda sobre a Administração Pública, a Segurança Pública e as Forças Armadas.
A Administração Pública é directa e indirecta, e pode incluir entidades administrativas independentes, para garantir a competitividade e a eficácia do serviço público. A III República abandona o modelo burocrático e adopta o modelo da nova gestão pública, de modo a fortalecer a cultura da responsabilização, aproximando os serviços das populações e assegurando a participação dos cidadãos na sua gestão e controlo.

É garantido aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.

A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida pela Polícia para a preservação da ordem pública democrática e da integridade física das pessoas e do património.
A polícia angolana é definida como um instrumento do sistema da justiça, um agente de educação cívica ao serviço da civilidade, gerador do sentimento colectivo de segurança e tranquilidade públicas. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.

A prevenção dos crimes é feita com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
As Forças Armadas são republicanas e rigorosamente apartidárias, estando os seus elementos proibidos de aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política. Constituem um centro permanente de investigação científica e executam, através de institutos especializados, programas de investigação nos vários domínios do saber.

O serviço militar é regulado por lei, que fixa as formas, a natureza voluntária ou obrigatória, a duração e o conteúdo da respectiva prestação. O serviço militar inclui prestações específicas, em regime especial, nos sistemas de educação, produção, habitação, saúde, investigação científica e nos programas de combate à pobreza.
O serviço cívico pode ser estabelecido em substituição ou complemento do serviço militar e tornado obrigatório por lei para os cidadãos não sujeitos a deveres militares.

Angolanas e angolanos:

Na Terceira Parte, a Constituição impõe ao Estado, no âmbito económico e social, objectivos e metas de políticas públicas, de entre as quais:
• Erradicar a pobreza, a exclusão social e a discriminação económica;
• Promover o aumento do bem-estar social e económico da qualidade de vida dos cidadãos, em especial das camadas mais desfavorecidas da população, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável;
• Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal;
• Efectuar investimentos estratégicos, massivos e permanentes no capital humano, com destaque na nutrição das crianças e jovens, na educação, na saúde e na economia primária e secundária, consagrados como fundamentos estruturantes de uma economia auto-sustentável.
• Assegurar a plena utilização das forças produtivas, capacitando e transformando o capital humano na economia informal em forças produtivas competitivas da economia formal;
• Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior.
• Desenvolver capacidades internas para a criação de uma economia diversificada, robusta, integrada e auto-sustentável;
A Terceira parte da proposta define ainda o sistema financeiro nacional, o sistema de segurança social e os princípios e mecanismos de gestão e fiscalização orçamental. Propomos que os orçamentos da República sejam elaborados, aprovados e executados de acordo com o modelo orçamento-programa, num processo participativo de carácter contínuo e simultâneo, denominado ciclo orçamental. Propomos também que a programação de dispêndios do sector público seja avaliada nos aspectos físico e financeiro.

Na Quarta Parte, a Constituição dispõe sobre a fiscalização da constitucionalidade e as competências e limites de revisão constitucional.

Prezados compatriotas:

Estas são, em linhas gerais, as contribuições da UNITA para que, no exercício igual do poder constituinte, os angolanos de todas as origens, ricos e pobres, de todos os Partidos, todos revestidos de igual legitimidade, unidos na diversidade, em plena igualdade, como resultado de uma discussão aberta, possam elaborar e aprovar uma Constituição para todos.

Muito obrigado.

Fonte: UNITA