Lisboa - José Eduardo dos Santos confirmou hoje que não será o cabeça de lista do MPLA nas eleições legislativas de Agosto. Pela Constituição angolana, isso quer dizer que se o partido vencer as eleições, o novo presidente de Angola será o general João Lourenço e o vice-presidente Bornito de Sousa.

Fonte: Expresso

Angola, o começo da mudança

É uma mudança histórica. Ao fim de 38 anos na liderança do grande país africano, José Eduardo dos Santos deixa o Palácio de onde dirigiu Angola durante uma sangrenta guerra civil, que acabou por vencer, lançando depois as bases de crescimento de uma pequena mas riquíssima elite suportada pelos elevados preços do petróleo. Servindo-se depois da Sonangol e, mais tarde, do Fundo Soberano que entregou ao seu filho Filomeno dos Santos, o presidente incentivou a internacionalização da economia angolana, que passou preferencialmente pela tomada de participações no mercado português em bancos, empresas de energia e telecomunicações e, nos últimos anos, no setor de comunicação social


A quebra das cotações do ouro negro nos últimos três anos trouxeram á superfície todas as fragilidades de um modelo assente quase exclusivamente numa única fonte de receitas. As tensões internas aumentaram, quer dentro do MPLA, quer a nível social, e a escolha da sua filha, Isabel dos Santos, para presidir à Sonangol não foi claramente uma decisão bem aceite por muitos setores ligados ao partido do governo. Para fugir ao garrote financeiro, estabeleceu relações económicas com Pequim, colocando o país numa situação de forte dependência de Pequim. Por duas vezes chamou o Fundo Monetário Internacional e por duas vezes prescindiu dos seus serviços e das suas imposições.

 

Pelo meio, ao longo dos 38 anos em que reinou, José Eduardo dos Santos promoveu e desfez os seus potenciais sucessores, o último dos quais, o ex-presidente Manuel Vicente, foi completamente cilindrado por manobras de bastidores que o fizeram passar de homem com uma forte reputação técnica internacional pelo seu desempenho à frente da Sonangol para o principal responsável pela situação de pré-falência da petrolífera angolana.

 

José Eduardo dos Santos sempre foi exímio no tabuleiro político interno, mas soube igualmente tornar-se o interlocutor indispensável para todos os países com interesse em investir e fazer comércio com Angola – a tal ponto que sempre que se colocou a questão da sua sucessão, o desejo dos investidores internacionais foi sempre o de que continuasse no cargo.


Por tudo isto não vai ser fácil substituir José Eduardo dos Santos. É verdade que se trata de uma transição suave – ele continuará como presidente do MPLA pelo menos até 2019. Mas as dificuldades económicas e financeiras vão persistir, assim como o descontentamento social e da elite angolana. Por isso, o perfil e trajecto de João Lourenço fazem dele provavelmente a pessoa ideal para suceder a Eduardo dos Santos: não levanta anti-corpos nem junto dos militares nem do partido, e mesmo a oposição vê nele muito mais um agregador do que um divisor.


Como é que a História julgará José Eduardo dos Santos? Essa é a pergunta que só terá resposta daqui a quatro ou cinco décadas, quando a distância permitir perceber as múltiplas nuances do seu longo reinado. Mas todos os aspetos positivos serão valorizados se Angola fizer uma transição suave e se for aprofundada a frágil democracia que se vive no país – e toda a análise lhe será desfavorável se Angola mergulhar numa convulsão política, económica e social. O tempo se encarregará de dar a resposta.