Lisboa  - A magistrada que trabalhava com o procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) Orlando Figueira e que com ele assinou os dois despachos de arquivamento dos processos-crimes que envolviam o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, fez declarações incriminatórias para o colega, assumindo que discordou da forma como os inquéritos foram encerrados.

Fonte: Publico

Isso mesmo resulta do despacho que acusa de corrupção Manuel Vicente, então presidente da Sonangol, e o procurador português, a quem o governante angolano terá pago mais de 763 mil euros para arquivar dois inquéritos, no início de 2012.


A então procuradora-adjunta Teresa Sanchez, então subordinada de Orlando Figueira, e uma das testemunhas de acusação, começou por explicar, quando foi ouvida pelo Ministério Público, que dispunha de autonomia reduzida, já que a decisão final sobre os despachos a proferir em cada investigação era sempre do titular da mesma, o procurador da República, Orlando Figueira. No entanto, a magistrada – actualmente também procuradora da República, a segunda das três categorias existentes no Ministério Público – relata uma actuação diferenciada do superior hierárquico nos processos que envolviam Angola.

“Contrariamente ao que sucedia nos restantes inquéritos, naqueles que envolviam personalidades e entidades angolanas, porque assim entendia, o arguido Orlando Figueira mantinha um acompanhamento muito intenso dos mesmos, não delegando tarefas e elaborando pessoalmente os despachos que depois apresentava a Teresa Sanchez, para que os assinasse também”, lê-se na acusação, quanto ao que disse a procuradora.

Decidia mesmo nas férias

Nos restantes a regra era ser Teresa Sanches a preparar os despachos, que após a aprovação de Orlando Figueira, eram assinados por ambos.

A acusação refere ainda, que para não perder o controlo desses processos, os mesmos eram decididos por Orlando Figueira mesmo durante as férias judiciais. Relata-se uma situação em que Teresa Sanchez assinou um despacho num dos inquéritos que envolviam Manuel Vicente, solicitando uma série de documentação ao advogado do angolano, Paulo Blanco, – também acusado de corrupção, branqueamento e falsificação de documento. O defensor representava naquele inquérito uma sociedade anónima, a Portmill, que segundo a acusação era usada por Manuel Vicente “no desenvolvimento dos seus negócios privados”. “Ao ter tomado conhecimento posterior do despacho proferido por Teresa Sanchez, o arguido Orlando Figueira mostrou-se desagradado com o mesmo, tendo referido que as diligências mencionadas nesse despacho não tinham qualquer utilidade e que não deveriam ter sido determinadas”, assinala a acusação.


O Ministério Público diz que a magistrada não concordou com o primeiro despacho de arquivamento que visava Manuel Vicente, a 12 de Janeiro de 2012, cerca de duas semanas antes do então presidente da perolífera angolana ter sido nomeado ministro.


Em causa nesse processo estavam suspeitas de branqueamento de capitais, na sequência da compra por parte de Manuel Vicente de um apartamento no empreendimento Estoril Sol Residence, em Abril de 2011, por 3,8 milhões de euros.

O inquérito tivera origem numa comunicação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que detectara que o fundo de investimento que vendeu os apartamentos não tinha cumprido as comunicações obrigatórias ao nível da prevenção de branqueamento de capitais apesar de alguns dos compradores dos imóveis de luxo serem altos dirigentes angolanos, consideradas pessoas politicamente expostas ao abrigo daquela legislação.


Para arquivar o processo relativo a Vicente, o procurador teve que separar a investigação quanto a este suspeito e autonomizá-la. Esta decisão e o arquivamento, sete dias depois, tiveram a concordância da então directora do DCIAP, Cândida Almeida, mas não de Teresa Sanchez. “A procuradora-adjunta Teresa Sanchez não concordou com a extracção de certidão do inquérito (…) e posterior arquivamento do inquérito originado por essa certidão por considerar que, assim sendo, teriam de ser arquivados os factos referentes a outros intervenientes que se encontrassem nas mesmas circunstâncias e apresentassem as mesmas justificações”, diz a acusação.


No segundo processo relacionado com a Portmill, o próprio Orlando Figueira faz em Dezembro de 2011 um pedido de cooperação às entidades angolanas pedindo dados sobre a estrutura accionista e a identidade dos sócios, além da inquirição do presidente do conselho da administração. No entanto, depois de um requerimento apresentado por Paulo Blanco e de alguns documentos entregues por este, Orlando Figueira decide, a 15 de Fevereiro de 2012, arquivar o caso e considerar “desnecessárias as diligências” pedidas às autoridades angolanas. “A procuradora-adjunta Teresa Sanchez manifestou perante o arguido Orlando Figueira o seu total desacordo com o despacho de arquivamento por ter sido proferido de forma tão prematura”, refere a acusação.

Contactado pelo PÚBLICO, o advogado de Orlando Figueira, Paulo Sá e Cunha, não quis fazer comentários sobre o processo.