Lisboa  - O empresário e marido de Isabel dos Santos exige que França devolva a África obras de arte "pilhadas" durante o período colonial. Fez um vídeo sobre isso e explicou as suas motivações ao Observador.

Fonte: Observador


Sindika Dokolo abriu uma frente de contestação dirigida a França, país com o qual se diz “chocado”, confessou ao Observador. O empresário congolês – um dos maiores colecionadores de arte de África e marido de Isabel dos Santos, filha do presidente angolano – acusa o Estado francês de manter de forma “ilegítima” milhares de obras que terão sido “confiscadas” durante o período colonial e critica a recusa do país em restituir essas mesmas peças aos países de origem.


Um desses países, a República do Benim, motivou as duas mais recentes ações públicas de Sindika Dokolo. Primeiro, recusou o convite para participar numa importante exposição de arte africana em Paris, para a qual tinha sido convidado – e que já aceitara. E, no final da semana passada, usou o Twitter e o Instagram para divulgar um vídeo onde reforça essas mesmas críticas – “A minha reação à espoliação do património do Benim pela França”, escreveu o empresário, em solidariedade com o governo daquele país, assumiu.


Isabel dos Santos aliou-se prontamente ao marido na divulgação do vídeo e das críticas, ao qual acrescentou um comentário: “É inadmissível que nos dias de hoje se recuse a devolver ao nosso continente África o que é nosso! Obras dos nossos antepassados, a nossa cultura, a nossa história, a arte roubada, e hoje presa em museus na Europa que para os nossos filhos verem precisam de Vistos Schengen e de passagens de avião!…”, escreveu a empresária e filha de José Eduardo dos Santos, numa mensagem que também motivou várias reações, tanto de apoio como de crítica.


O vídeo surge depois de o empresário de origem congolesa ter sido convidado para participar numa importante exposição no Museu de Quai Branly – Jacques Chirac, o museu de referência da arte africana em França. Mas a posição francesa sobre os pedidos de restituição de património africano, que considera terem sido “pilhados” do país durante o período em que o Benim foi uma colónia francesa, fizeram-no mudar de ideias, como Sindika Dokolo explicou ao Observador.


“O comissário da exposição contactou-me e acordámos que eu emprestaria cinco obras da minha coleção” para a exposição sobre o Gabão que terá lugar em Outubro deste ano, num espaço de referência a poucos metros da Torre Eiffel, bem no centro de Paris. Mas, ao ter conhecimento de que França voltara a recusar o pedido formal do Benim – para a restituição de obras de arte e religiosas do final do século XIX que estiveram expostas naquele mesmo museu – Sindika Dokolo voltou atrás e informou o museu em Paris que não cederia qualquer obra, em solidariedade com o governo beninense.


“Era a primeira vez que iria emprestar obras neste valor”, conta. “Agora recuso-me a emprestar obras ao museu”, reforçou. Para Sindika Dokolo, o vídeo é assim uma forma de abrir o debate sobre as questões do património e da herança histórica. E, reforça, também para defender que “África não é só pobreza, Boko Haram, migrantes e elites corruptas”.

Um braço de ferro que dura e dura

A posição de França neste campo tem sido muito clara e foi reforçada numa recente carta enviada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Marc Ayrault, ao seu homólogo do Benim, em Dezembro de 2016. Uma declaração onde explica que os bens reclamados por aquele país africano “há muito, mais de um século, que entraram na esfera pública do Estado francês” e que, “cumprindo a legislação em vigor, estão sujeitos aos princípios da inalienabilidade e da apreensão. Em resultado disso, a sua devolução não é possível”, defende na carta citada pelo Le Monde.


À reação oficial francesa, Sindika Dokolo responde em tom indignado. “Fiquei chocado com duas coisas: primeiro, que justifiquem com tecnicalidades legais uma coisa que é ilegítima, pela forma como foram tiradas do contexto africano. Depois, esta falta de argumentos demonstra uma falta de responsabilidade histórica de França com África. Penso que isto diz muito do estado de espírito de França que quer ser amigo de França e depois tem esta atitude”, comentou o empresário, numa conversa por telefone, a partir de Londres, onde esteve este fim de semana para participar numa conferência.


Fiquei chocado com duas coisas: primeiro, que justifiquem com tecnicalidades legais uma coisa que é ilegítima, pela forma como foram tiradas do contexto africano. Depois, esta falta de argumentos demonstra uma falta de responsabilidade histórica de França com África”, acusa Sindika Dokolo.


O caso do Benim não é único. Há muito que Sindika Dokolo, através da fundação que sediou em Luanda, se envolveu numa campanha mundial com o objetivo de exigir a devolução da arte africana aos seus países de origem. “Obras que estiveram em museus africanos devem regressar a África. Há peças que desapareceram de África e que hoje circulam pelo mercado mundial, obviamente com base em mentiras para justificar como foram aí parar”, afirmou numa entrevista, em Julho de 2015, ao New York Times. Uma campanha que levou Sindika Dokolo a formar, através da fundação, uma rede de investigadores e negociantes de arte que correm o mundo em busca de arte africana roubada.


O próprio empresário, há cerca de um ano, tomou a iniciativa de devolver a Angola peças de arte clássica que tinham sido levadas para o Congo durante a guerra civil, entre 1975 e 2002. A entrega de duas máscaras e uma estátua tchokwe ao Museu do Dundo, na Lunda Norte, tiveram direito a cerimónia oficial, um concerto e a presença do rei tribal. Sindika Dokolo mantém ativa a campanha por mais países africanos, estando a trabalhar com deputados, governantes, galeristas e outros agentes envolvidos neste setor, no sentido de abrir debates e mudar a legislação nesses países.


Filho de pai congolês e de mãe dinamarquesa, Sindika Dokolo é dono de uma das mais importantes coleções de arte em África – estima-se que tenha mais de cinco mil peças – embora nunca tenha confirmado qualquer estimativa do seu valor. Uma das suas últimas iniciativas na Europa foi a compra da Casa Manoel de Oliveira, no Porto, que pretende transformar na sede europeia da sua fundação e no centro de atividades que vão para outras áreas além da política. Antes disso, cedera cerca de 70 peças da sua coleção, de cerca de 50 artistas, para expor no Porto. “You Love Me, You Love Me Not”, foi o nome que o próprio Sindika Dokolo escolheu para a exposição onde, acompanhado por Isabel dos Santos, recebeu a medalha de mérito da cidade.