Luanda - Por anos a fio, o General João Maria de Sousa se disse tolhido na luta contra a corrupção porque lhe faltariam o instrumento principal: as provas.

Fonte: Correio Angolense

Por anos a fio, a Procuradoria Geral da República sustentou que a corrupção prosperava em Angola porque ninguém lhe apresentava provas irrefutáveis contra os corruptos e seus corruptores.


Tudo desculpas para justificar a conivência com a corrupção. E os últimos tempos não têm favorecido nada a estratégia da avestruz, há muito adoptada pelo General João Maria de Sousa. Hoje, já não há areia suficiente onde a avestruz possa enterrar a sua cabeça, para fingir que nada vê, nada ouve. Enumeremos, apenas, uns poucos casos que atestam que a inacção da PGR e do seu titular se deve a tudo, mas menos à falta de provas.


Isabel dos Santos dedicou, quase exclusivamente, os seus primeiros dias na Sonangol à denúncias contra os seus antecessores. Em comunicados ou conferências de imprensa, a senhora Isabel dos Santos afirmou, repetidamente, que a situação de falência em que encontrou a maior empresa pública do País se deveu à gestão danosa praticada pelos seus antecessores, nomeadamente Manuel Vicente e Lemos Maria. Em linguagem terra-a-terra, aquela que o nosso povo usa para se comunicar sem ruídos, a primogénita do Presidente da República imputou aos seus antecessores práticas que configuram roubo, saque, sabotagem, etc. etc. Depois das reiteradas denúncias da senhora Isabel, Manuel Vicente e Maria de Lemos passaram e outros passaram a ser vistos como ladrões, assaltantes, saqueadores, bandidos, que deveriam ser imediatamente julgados e engaiolados pelos graves crimes cometidos contra a propriedade colectiva.


Depois das graves e reiteradas denúncias, a Procuradoria Geral da República moveu alguma palha? Que seja do conhecimento público, João Maria de Sousa e seus pares deixaram-se estar quietinhos. Sendo filha de quem é, não há o mais pequeno risco de a senhora Isabel dos Santos ser uma desbocada, que falou irresponsavelmente. É, aliás, de todo improvável que ela fizesse tais denúncias sem o prévio consentimento – se não mesmo encorajamento – do seu progenitor.


Estamos, assim, perante um enigma: por que razão a PGR não secundou as denúncias da senhora Isabel dos Santos, feitas publicamente, com a abertura das competentes investigações contra os denunciados? O facto de Manuel Vicente ser Vice-Presidente e, por isso, gozar de imunidades, coloca-o acima da lei? A resposta não pode ser encontrada por esse caminho. É na condição de Vice-Presidente que Isabel dos Santos colocou sobre os ombros de Manuel Vicente crimes como má gestão, desvios de dinheiro público e outros. Crimes que, em países sérios (e não num simulacro como o nosso) são invariavelmente punidos com pesadas penas de prisão.


Temos, então, que a PGR não seguiu o rasto das denúncias da senhora Isabel dos Santos por manifesta falta de vontade ou de vocação para combater os grandes malfeitores.


No Brasil está em curso a chamada Lava Jacto, a maior cruzada judicial contra a corrupção naquele país. Sucede, porém, que as principais empresas envolvidas no consórcio da corrupção espalharam as suas impressões digitais por muitos países. Na América Latina, países como a Colômbia, Chile, Uruguai e outros contactaram imediatamente as autoridades judiciais brasileiras para saber o que empresas como a Odebrecht, Queiroz Galvão e outras tinham feito nos seus territórios. E, juntos, esses países construíram uma coligação contra o crime. A Odebrecht e suas parceiras estão a ser condenadas a pesadas multas pecuniárias. Nos Estados Unidos, a Odebrecht foi obrigada a pagar 50 biliões de dólares de multa por haver branqueado dinheiro. Em África, um país, Moçambique, já pediu às autoridades judiciais brasileiras informações sobre a sua “quota” na Lava Jacto. O Governo de Maputo prometeu revelar publicamente os nomes de quem aceitou ser corrompido e em quanto para favorecer a construtora brasileira.

A indiferença com que a PGR olha para a operação Lava Jacto não decorre da improbabilidade de ela ter estendido os seus tentáculos a Angola. Decorre, sim, da probabilidade de dignitários deste país ao mais elevado nível estarem envolvidos até ao “tutano”. Levado até às últimas consequências, o “departamento” angolano da Lava Jacto iria, fatalmente, desembocar em nomes e endereços de gente graúda, aparentemente insuspeita

Estranhamente, ou talvez não, as autoridades judiciais angolanas não mostram, pelo menos publicamente, o menor interesse ao que se passa no Brasil. Contrariamente ao que fizeram outros países, Angola não solicitou, até agora, das autoridades judiciais brasileiras informações sobre se há ou não cidadãos seus beneficiados pelo vasto esquema de corrupção engendrado por quase todas as grandes empresas brasileiras que operam em Angola. Não há, neste país, ingénuo algum capaz de acreditar que todos os dignitários angolanos resistiram aos acenos de corrupção feitos pelas empresas brasileiras. Em determinado momento deste país, a Odebrecht, por exemplo, esteve envolvida em quase tudo: construção da barragem de Kapanda, limpeza e saneamento de Luanda, extracção de diamantes na Lunda Norte, Biocom, em Malange, e muito mais. Na Operação Lava Jacto apurou-se, por exemplo, que durante os governos de Lula e Dilma Rousseff no Brasil, à Odebrecht em Angola foram atribuídos 42 contratos, que consumiram qualquer coisa como 2 biliões e 600 milhões de dólares. Num país em que a “gasosa” é uma instituição, não é minimamente crível que as autoridades angolanas tivessem anuído a todo esse ascendente da Odebrecht sem volumosas contrapartidas financeiras a alguns dos seus principais titulares. É preciso ser mentecapto para acreditar que os nossos dignitários rechaçaram os pagamentos feitos debaixo da mesa. A indiferença com que a PGR olha para a operação Lava Jacto não decorre da improbabilidade de ela ter estendido os seus tentáculos a Angola. Decorre, sim, da probabilidade de dignitários deste país ao mais elevado nível estarem envolvidos até ao “tutano”. Levado até às últimas consequências, o “departamento” angolano da Lava Jacto iria, fatalmente, desembocar em nomes e endereços de gente graúda, aparentemente insuspeita. É isso: o que atemoriza o General é a improbabilidade de alguém, um só exemplar, lá de cima sair ileso das chamas da labareda.


Se a PGR tem dúvidas, só tem de fazer a única coisa razoável nestas circunstâncias: pedir à sua homóloga brasileira informações sobre a componente angolana da Lava Jacto.

As autoridades helvéticas acabam de anunciar o congelamento de 150 milhões de dólares depositados em bancos daquele país por angolanos. Para não variar, mais uma vez está envolvido o nome do bancário Álvaro Sobrinho. Trata-se de dinheiro que foi roubado aos cofres públicos angolanos para enriquecer meia dúzia de Xico-espertos. Além das inúmeras pendengas judiciais em que está envolvido em Portugal, Álvaro Sobrinho é, agora, também investigado nas Ilhas Maurícias por actividades ilícitas.


Estranhamente – ou talvez não – em Angola, onde tudo começou, Álvaro Sobrinho nunca foi incomodado por quem quer que fosse. O “rapaz” levou o Banco Espírito Santo Angola à bancarrota, por via de milionários empréstimos a si próprio e a pessoas escolhidas a dedo pelo sistema e isso jamais lhe custou uma única convocatória à Procuradoria Geral da República. A importância do BESA no sistema financeiro angolano era de tal monta que, quando se anunciou a sua falência, o Presidente da República acionou uma garantia do Estado de quase 5 mil milhões de dólares para colar alguns cacos.


Álvaro Sobrinho, o homem que esteve por detrás de toda essa engenharia, passeia-se pelo mundo fora usufruindo a bel prazer o dinheiro que subtraiu aos angolanos. A tudo isso, a Procuradoria Geral da República responde com indiferença. Por que será? O próprio General João Maria de Sousa seria um dos beneficiários da farra em que Álvaro Sobrinho transformou o BESA? É, apenas, uma hipótese académica.

Já se sabe que ao General João Maria de Sousa arrepia a pele e o seu estômago se revolve à menor menção ao nome do jornalista Rafael Marques de Morais. Mas, o PGR tem de saber separar os seus “azeites” dos factos: goste ou não dele, o facto é que nos últimos tempos Rafael Marques de Morais tem fornecido, em quantidades industriais, as provas de que João Maria de Sousa diz carecer para empreender uma cruzada séria contra a corrupção em Angola.


Em sucessivos textos sustentados em documentos oficiais, nomeadamente decretos e despachos do Presidente da República, Rafael Marques de Morais tem vindo a mostrar que, por exemplo, o filho varão de José Eduardo dos Santos transformou o Fundo Soberano de Angola (FSDA) num covil de ladrões compulsivos. Com a aberta cobertura do Presidente da República, José Filomeno dos Santos e o seu comparsa e guia Jean-Claude de Morais fizeram do FSDA um instrumento de assalto ao dinheiro público. Seja por via da construção de um porto de águas profundas em Cabinda, seja por via de investimentos nunca bem explicados em domínios tão díspares como hotelaria, agricultura e outros, o FSDA é, hoje, o maior assaltante dos cofres públicos. E o que faz o PGR perante o “oceano” de provas materiais que RMM lhe proporciona? Cala-se; omite-se.


Também com enorme suporte documental, Rafael Marques de Morais tem vindo a mostrar como Isabel dos Santos vai, aos poucos, mas com passos seguros, transferindo a Sonangol para o imenso universo das suas empresas particulares. Também nesse caso, o General João Maria faz o que melhor sabe: assobia para o lado, fingindo não ver ou ouvir a roubalheira praticada à luz do dia pela primogénita do Presidente da República.


Ao Procurador Geral da República é infinitamente mais fácil e cómodo perseguir os mais fracos. Prova disso é o excesso de pilha galinhas nas cadeias do país. Tempo e vontade é que não lhe faltam quando está em presença de raia miúda, a “cabuenha”. É por causa do peixe miúdo que o sistema prisional do país excedeu a sua lotação. Mas ao “nosso” General falta coragem e pachorra para perseguir o peixe grosso, aquele que provoca danos dolorosos e irreversíveis ao país.


Em suma: já não podendo esconder-se por detrás da falsa argumentação da falta de provas, o que explica a inacção do PGR?


Três hipóteses, apenas hipóteses: tem medo de perder o cargo, falta de vontade e preparação, ou é um dos maiores beneficiários da corrupção generalizada. Com toda a certeza, ele sabe onde pôr os dedos sem o risco de os queimar.


Este é assunto a que o Correio Angolense dará sequência na próxima semana.