Brasil - A revelação de que a Odebrecht corrompeu políticos em 12 países já provocou prisões e atos populares na América Latina, mas essa realidade parece utópica do outro lado do Atlântico. Em Angola, onde o grupo pagou US$ 50 milhões em propinas, a chance de alguém ser punido é tida como quase nula.

*Rafael Neves
Fonte: Metro Jornal Curitiba

“Não vai se investigar nada, porque as mais altas instâncias do país estão envolvidas. O Ministério Público, que teria esse papel, é mais um vetor da corrupção”, diz Rafael Marques de Morais, editor do Maka Angola, um dos poucos portais independentes do governo, cujo presidente, José Eduardo dos Santos, está no poder desde 1979.

 

Em fevereiro, a PGR (Procuradoria-Geral da República) firmou um acordo de cooperação com 10 países na esteira do caso Odebrecht, mas Angola não estava lá.

 

O país africano foi destaque no noticiário brasileiro na última semana. A chamada ‘Lista do Fachin’ não deveria falar sobre os crimes no estrangeiro, porque estes vão ficar em sigilo até junho. Mas a ligação da Odebrecht com os dois países é tão umbilical que algumas acusações vieram à tona por conexão com o Brasil.

 

A maior delas é de que o PT pediu US$ 36 milhões – R$ 64 milhões à época – para que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) aumentasse para US$ 1 bilhão uma linha de crédito para obras em Angola, medida de 2010 que também ajudou outras empresas.

 

O dinheiro teria irrigado até a campanha Dilma/Temer em 2014, e o episódio é tema de um dos seis novos pedidos de investigação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também suspeito de favorecer um sobrinho em negócios no país africano. A defesa de Lula afirma que a Lava Jato “só obteve dos delatores acusações frívolas, pela ausência total de qualquer materialidade”.

 

Dos 161 contratos que a Odebrecht já teve em Angola – número que inclui etapas de uma mesma obra, como trechos de uma estrada – 43 contaram com aportes do banco, tudo a partir de 2007. Apesar de os mais recentes terem sido suspensos, o desembolso foi superior a US$ 3 bilhões. As garantias do governo angolano, caso não honre a dívida, são em petróleo. “As melhores [garantias] possíveis”, nas palavras de Emílio Odebrecht, patriarca do grupo.

 

Um capítulo da delação de Emílio Odebrecht é todo dedicado a Santos. O africano é uma das quatro pessoas – ao lado de Lula e dos falecidos Hugo Chávez e Antônio Carlos Magalhães – com quem Emílio diz ter mantido a interlocução mesmo após deixar o comando do grupo, por não conseguir “transferir” os laços ao filho Marcelo Odebrecht ou a outro executivo.

 

A empresa chegou a Angola em 1984, após uma visita do governo militar brasileiro – chefiada pelo ex-ministro Delfim Netto – à União Soviética, parceira inicial do regime angolano, que ficara independente de Portugal menos de dez anos antes.

 

No início, a única obra no país foi a hidrelétrica de Capanda, interrompida duas vezes pela guerra civil da qual o país só emergiu em 2002. A Odebrecht conta ter até pago resgate para libertar funcionários raptados no conflito.

 

Todos os grandes projetos do país são controlados pela família do presidente, seus ministros e generais, o que mantém o abismo social apesar do crescimento econômico. “[É] uma coisa normal para eles, e que eu realmente sei que choca para a gente. Me chocou: a interferência de pessoas ligadas ao presidente em negócios”, reconheceu Emílio, que diz ter empregado vários generais ou feito transações privadas com eles.

 

Em seu relato, Emílio destacou o papel da Odebrecht no desenvolvimento de Angola, opinião que não é unânime no país. Segundo Rafael Marques, as obras foram ótimos negócios para o alto escalão, mas pouco ajudaram o povo angolano. “Vieram cá nos roubar”, dispara.

Muito mais do que corrupção

No último dia 17 de março, a Odebrecht fechou um acordo na Justiça do Trabalho de Araraquara (SP) para pagar R$ 30 milhões e encerrar uma ação de trabalho análogo à escravidão em Angola.

 

O caso teria ocorrido na Biocom, uma usina de açúcar e álcool a 300 km da capital Luanda, que utilizou mais de 400 trabalhadores brasileiros recrutados na cidade de Américo Brasiliense (SP).

 

A partir de uma denúncia sobre as más condições no local, feita pelo jornalista João Fellet, da BBC, a empreiteira foi condenada em 2015. A Justiça colheu relatos de que os banheiros eram “sujos e distantes dos canteiros de obra, forçando os funcionários a evacuar no mato”, e que não havia higiene na cozinha, onde era comum haver ratos.

 

Além disso, os trabalhadores teriam seus passaportes retidos pela empresa assim que chegavam no país, o que foi considerado cerceamento da liberdade deles.

 

Rafael Marques de Morais, editor do Maka Angola, diz já ter denunciado casos de expulsões de camponeses e assassinato de garimpeiros em locais de obras da Odebrecht.

 

Liberdade de imprensa também não é o forte de Angola. Em 2015, duas jornalistas da Agência Pública, do Brasil, afirmaram terem deixado o país intimidadas por autoridades de segurança enquanto faziam uma reportagem sobre a Odebrecht.

Palavra da Odebrecht

 

A Odebrecht diz que o acordo não implicou reconhecimento de trabalho escravo e que autoridades brasileiras não visitaram a obra. Além disso, o grupo destacou mais de 20 projetos sociais já feitos no país.