Luanda - Segundo analista, o Dia do Trabalhador é, ainda hoje, uma “data histórica muito importante” em Angola. Também em Moçambique, o dia é de homenagem aos “mártires de Chicago”, festa e reinvindicações, diz central sindical.

Fonte: DW

O Dia do Trabalhador, comemorado, maioritariamente em todo o mundo, a 1 de maio – em alusão ao protesto de 1886 e que juntou, em Chicago, mais de 500 mil trabalhadores que reinvindicaram a redução do horário de trabalho para as oito horas diárias – continua a ser, aos olhos do analista Nelson Pestana uma "data histórica” e de grande importância em Angola.


Em entrevista à DW África, o analista recorda que nos tempos de partido único, os dias 1 de maio – com exceção de 1975, "que acabou apenas por ser festejado a 22 de maio e só por um dos movimentos de libertação” – eram marcados pela realização de um "grande desfile organizado pela Central Sindical Pública, chamemos-lhe assim, ou pelo menos, pela Central Sindical ligada ao regime”. No entanto, e com o "processo de transição para a democracia e com a proclamação do sistema de mercado", o Dia do Trabalhador, afirma o analista, "perdeu algum enlace". Deixou de ser uma comemoração de Estado, com "caráter proclamativo e de apoio ao regime", e passou a ser uma comemoração das centrais sindicais.


"Depois de se ter feito a opção pela economia de mercado e de se ter distanciado do regime particularmente distanciado do trabalho e de se ter aproximado do capital, o 1º de Maio já não é visto da mesma maneira. As pessoas que marcham nas ruas e festejam o 1º de Maio têm agora um caráter reinvindicativo", explica.


Para Hélder Consolo, membro da Organização dos Trabalhadores de Moçambique – Central Sindical (OTM-CS), o que realmente mudou foi apenas o fato de, no tempo do partido único, a festa ser organizada pelo Governo e hoje existirem os sindicatos que são "administriva e financeiramente autónomos" e organizam as comemorações porque, a seu ver, a força e o pretexto do dia mantêm-se. "Tanto naquele tempo, como agora, os trabalhadores, ao celebrar esta data, estão a fazer homenagem aos mártires de Chicago, aqueles que deram suas vidas para redução da jornada laboral para oito horas", afirma o responsável da OTM-CS, acrescentando que, o Dia do Trabalhador é também um momento de festa para os trabalhadores e um "momento de reflexão sobre o passado, presente e futuro das relações laboaris e da vida dos trabalhadores". Os sindicatos saem às ruas, acrescenta Hélder Consolo, "com cânticos, desfile e dísticos – que contêm a saudação do 1º de Maio, algumas palavras de ordem e reinvindicações relacionadas ao contexto laboral em diversas unidades de produção ou diversas empresas".


Nelson Pestana entende que, nos dias de hoje, existe, "sem dúvida", em Angola, "um assumir do 1º de Maio como uma data histórica muito importante". Ainda que, constata, muitos angolanos aproveitem o feriado para ir à praia, estar com a família e fazer outras coisas, facto é que "uma boa franja de trabalhadores de todas as camadas e as três centrais sindicais se manifestam", provando que o dia tem realmente expressão. E o fato de continuar a ser feriado no país é prova disso mesmo. "Houve uma revisão dos feriados em Angola, houve datas importantes para o partido no poder que deixaram de ser feriado, mas eles não tocaram no 1º de Maio, a par com os feriados religiosos", enquanto que outras datas, como o 4 de janeiro, foram abolidas. "O 1º de Maio, apesar das opções pelo neomercantilismo do regime, continua a ser feriado porque tem força simbólica no contexto do país e do próprio mundo para que não toquem nele enquanto feriado", acrescentou Nelson Pestana.

Uma "festa incómoda" para o poder


O mesmo analista explica que hoje o 1º de Maio pode ser visto como uma "festa um bocado mais incómoda para o poder", uma vez que este se "assume como o regime dos patrões e, particulamente, como o regime da burguesia predadora que não está ligada ao mundo do trabalho, ao empreendedorismo e capital empreendedor ou ao capital da chamada acumulação primitiva pela rapina". A juntar a esta realidade, está o fato de alguns sindicatos, como é o caso da SINPROF (Sindicato de Professores), aproveitarem o dia para lançar períodos de greve, lembra. Também "as forças políticas de esquerda comemoram o 1º de Maio como um evento importante para o mundo do trabalho", acrescenta Nelson Pestana.


Dia 1 de Maio continua a ter expressão e importância em Angola e Moçambique


Em Moçambique, afirma Hélder Consolo, o dia será celebrado, este, ano sob o lema "Sindicatos unidos contra o elevado custo de vida e precarização do emprego". Um lema que "de forma alguma poderia ser produzido pelo Governo", dá conta. Nas celebrações do ano passado, participaram, em todo o país, afirma este membro do sindicato, 338,860 mil pessoas, entre trabalhadores, estudantes, operadores e trabalhadores do setor informal, sendo que o epicentro foi na cidade de Maputo onde desfilaram 46.500 mil pessoas. As perspetivas é que este ano se iguale ou supere o número, uma vez que , explica, "a capacidade de mobilização é muito maior e os impactos socioeconómicos e a precaridade de emprego nas empresas é notável".


Novas gerações aderem mais?

Nelson Pestana observa ainda que também as gerações mais novas compreendem a importância do dia, em Angola. "Há efetivamente novas gerações que aproveitam o desfile, o momento de manifestação do 1º de Maio, para apresentarem as suas reinvindicações. Não só novas gerações que integraram o sindicalismo, mas que têm contestado o atual poder, e sobretudo, a injustiça social que carateriza esse poder, os fracos ordenados que os trabalhadores têm e as condições más de trabalho e de assistência e segurança social que as classes trabalhadoras têm", dá conta.


Já em Moçambique, e de acordo com a OTM-CS, apesar da tendência da participação dos jovens nas comemorações ser crescente, existem ainda muitos jovens que se associam ao dia, não pelo seu simbolismo, mas com outro tipo de interesses. "Há de fato uma adesão grande, mas relativa, porque, nesse dia, existem acordos coletivos de empresas, celebrados em diversas unidades de trabalho, que contemplam a necessidade da empresa facilitar camisetas, bonés e lanche para este dia. Os jovens aderem muito porque sabem que é um dia de festa. Eles vão e celebram, mas alguns deles não porque conheçam a essência do dia", explica.


Reinvindicações dos últimos anos

Nos últimos anos, no foco das manifestações do dia 1 de maio, em Angola, têm estado as reinvindicações relacionadas com o aumento do salário mínimo nacional. As desigualdades financeiras entre trabalhadores locais e estrangeiros e as fracas condições de trabalho dos jornalistas, por exemplo, foram outras das reinvindicações ouvidas nas manifestações do 1º de maio dos anos 2012 e 2014, respetivamente.


A Central Geral de Sindicatos Independentes e Livres de Angola (CGSILA) caracteriza a situação dos trabalhadores angolanos como sendo "bastante preocupante" e denuncia o que considera ser "insegurança no seu futuro", devido à "degradação progressiva" de direitos.

Em Moçambique, o ano passado, o dia ficou marcado pela indignação dos trabalhadores face à descoberta das dívidas não declaradas avalizadas pelo governo. Nos dois anos anteriores (2014 e 2015), os sindicatos sairam às ruas para reinvindicar melhores condições de trabalho, aumentos salariais e para pedir a mudança do executivo.