Luanda - A Lei n. 12/12, de 14 de Agosto, define a Procuradoria Geral da República como um “organismo do Estado com a função de representação do Estado”, a quem incumbe, entre outras funções, “efectuar inquéritos preliminares destinados a averiguar a existência de infracções criminais”, “realizar estudos sobre o estado da criminalidade e dos fenómenos que lhe dão origem, promovendo ações de prevenção criminal”, “promover a transparência da gestão pública e exercer as acções de prevenção criminal e intentar acções de responsabilidade financeira”, “emitir pareceres sobre a legalidade dos contratos em que o Estado seja interessado, quando exigido por lei ou solicitado pelo Executivo”, “cuidar da defesa de interesses colectivos, difusos, ambientais e promover a defesa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais” e “informar ao Presidente da República sobre as violações da lei por parte de quaisquer organismos do Estado, de membros do Executivo e de outras entidades por si nomeadas, propondo, se for caso disso, as medidas reputadas adequadas”.

Fonte: Correio Angolense

Quando esse diploma – Lei Orgânica da Procuradoria Geral da República e do Ministério Público – foi aprovada pela Assembleia Nacional e promulgada pelo Presidente da República, já o General João Maria de Sousa era o titular da PGR. A Lei tem lá, indeléveis, as suas “impressões digitais”.


Nos termos dessa lei, as atribuições da PGR e do seu titular não se prestam a tergiversações ou a múltiplas interpretações. Estão escritas em português simples e claro.

 

O cidadão comum, que tenha ciência das atribuições do PGR e as confronta com a inacção do seu titular, é levado a perguntar se é necessário recorrer ao desenho para que o general João Maria de Sousa perceba, de uma vez por toda, a missão que carrega sobre os ombros. É que há cabeças que só se abrem ao desenho...

 

Já foi escrito – mas nunca será exagero repeti-lo – que escapa à compreensão do cidadão comum a indiferença com que o Procurador Geral da República lida com a criminalidade, sobretudo aquela praticada nos “andares de cima”.


Nunca, em Angola, um PGR teve, tem ou terá tantas e tão flagrantes oportunidades de fazer brilharetes. Nunca um PGR teve tão soberanas oportunidades de “educar” os criminosos.

Por alguma razão qualquer, João Maria de Sousa deitou tudo a perder. Em linguagem futebolística dir-se-ia que ele desperdiçou todas as grandes penalidades de que dispôs e não por oposição do guarda-redes contrário. Em todas as ocasiões, ele atitou a bola para as nuvens. E mesmo nas incontáveis vezes em que se deparou com a baliza deserta, a bola chutada por João Maria de Sousa sobrevoou a trave ou passou ao lado do poste. No alvo é que ele não acerta.


Na recta final do seu improdutivo ciclo, João Maria de Sousa poderia, se quisesse, dar um “arzinho da sua graça”, fazendo o mínimo dos mínimos, ou seja, “informar ao Presidente da República sobre as violações da lei por parte de quaisquer organismos do Estado, de membros do Executivo e de outras entidades por si nomeadas, propondo, se for caso disso, as medidas reputadas adequadas”, conforme estabelece a alínea l) do Artigo 2. das Atribuições da PGR, sobre muitas das irregularidades que testemunha.

 

Por exemplo: o cidadão José Filomeno dos Santos, filho do Presidente da República e nomeado por ele para dirigir o Fundo Soberano de Angola (FSDA), acaba de ser surpreendido em “flagrante delícia”.

 

Há poucos dias, o FSDA assumiu a assinatura de um contrato de pouco mais de 48 milhões de dólares com a empresa Benguela Development SA para a construção de uma academia de gestão hoteleira. O contrato cobre o período de Outubro de 2015 a Janeiro de 2019.

 

Pouco depois, veio a saber-se que a Benguela Development SA é empresa de José Filomeno dos Santos. No dia 15 deste mês o Club-K publicou um documento que não se presta à mais leve dúvida. O filho do Presidente da República atropelou o artigo 25. da Lei da Probidade Administrativa. O jovem tirou vantagem da sua condição de presidente do FSDA para beneficiar uma entidade particular de que é dono. Ou seja, José Filomeno dos Santos “cabritou”.

Perante um flagrante como esse, qualquer procurador que se preze se apressaria a accionar os mecanismos previstos na lei para combater o acto ilícito. Mesmo que coragem lhe faltasse para enfrentar o faltoso, bastar-lhe-ia accionar aquela alínea de que já se falou e com isso despacharia a bola para o campo do pai-presidente.

 

Para não variar, João Maria de Sousa fingiu que não leu, ou ouviu, não sabe de nada e não quer saber de quem lhe fale do assunto.

 

Exasperado com a criminalidade financeira que anda à solta no país, até o governador do Banco Nacional de Angola, Walter Filipe, juntou a sua voz à daqueles que exigem acção por parte da PGR.

 


Em recente entrevista à Televisão Pública de Angola, Walter Filipe disse ser necessária “uma investigação criminal que faça uma verdadeira investigação sobre crimes financeiros”.

 

“Temos que ter uma Procuradoria que trabalhe seriamente nos crimes de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, temos de ter uma sociedade preparada para proteger o sistema financeiro e os fluxos do sistema financeiro”, disse.

 

Mas, aparentemente, não há nada capaz de sacudir o torpor que tomou conta do PGR. Com a sua indiferença ao pungente apelo de Walter Filipe, o líder da PGR sossegou os delinquentes, transmitindo-lhes a mensagem de que, no que depender dele, aqueles nada têm a temer da justiça.

 

É este o “modus operandi” do homem que o Presidente da República colocou à testa da Procuradoria Geral da República.

 

Faltando pouco menos de 6 meses para o render da guarda do Presidente José Eduardo dos Santos e (espera-se) e de tudo o que lhe esteja associado, faz sentido exigir a imediata resignação do General João Maria de Sousa? Poder-se-á argumentar que a saída dele agora ou depois das eleições não mudaria coisa nenhuma. Muda, sim!

 

O actual PGR constituiu-se, por vocação e interesse próprio, no porto seguro de todos os criminosos de colarinho branco. Com ele no comando da orquestra, o crime do “alto escalão” sente-se confortável e confortado. Com João Maria na PGR, os “donos de tudo isto” continuarão a tratar o País como se fosse uma coutada herdada dos seus pais.

 

Sim, a nomeação de um novo PGR pelo Presidente da República em exercício – afinal o chefe supremo de tudo – não alteraria nada. Mas ao menos criaria nos criminosos contumazes alguma expectativa.