Luanda  - Está a ser noticiado que cinco activistas do que ficou conhecido como grupo dos 15+2 irão novamente a julgamento por crimes de “ultraje e danos ao património” do Estado.

Fonte: Correio Angolense 

Por “ultraje e danos ao património” do Estado, o Ministério Público, responsável pela acusação, toma o facto de os cinco activistas haverem escrito palavras de revolta nos uniformes do Serviço Penitenciário durante o julgamento da acção em que o grupo 15+2 respondia pelo “crime” de rebelião e “atentado contra o Presidente da República”.


O julgamento daquela acção, que se estendeu por longas semanas, atraindo para o nosso país as atenções de todo o mundo democrático, redundou num verdadeiro embaraço para o Ministério Público, já que não foi capaz de sustentar, com um mínimo de provas irrefutáveis, as “toneladas” de crimes e delitos que imputava aos jovens activistas.

Já, agora, o “crime” que tanto incomoda é o rabisco ou o seu conteúdo?


A incómoda situação em que se encontrava o Ministério Público foi parcialmente atenuada com a aprovação, pela Assembleia Nacional, de uma amnistia. De iniciativa do Presidente da República, a Lei da Amnistia devolveu à liberdade os 15+2, mas deixou o Ministério Público - e o juiz que julgou o caso - tomados pela sede de vingança.


Vingança que chega, agora, travestida em "ultraje e danos ao património público", como se a corrupção, o saque, ou a pilhagem de bens públicos, os principais hobbies dos nossos governantes, fossem meros detalhes.


Num país que se engalana para voltar às urnas, com o que enterrará - e lhe fará o merecido komba - o consulado do Presidente José Eduardo dos Santos, não há ninguém que dê um verdadeiro puxão de orelha ao Ministério Público, chamando o seu foco para problemas mais sérios?


Há alguns anos, o actual Presidente da República definiu a corrupção como o segundo mal de que enfermava Angola, logo depois da guerra. Com o fim do longo conflito armado, a corrupção ascendeu, por “mérito próprio”, ao primeiro lugar.


Num país como este, procuradores e juízes enxergam “danos ao património público” em rabiscos feitos em indumentária prisional e não no roubo descarado, na pilhagem feita aos olhos de todos, no saque dos recursos do país, no enriquecimento sem causa de uns poucos.
Aos olhos de procuradores e juízes deste País deveriam ser galardoados com as mais altas distinções todos aqueles que, em menos de década e meia, arrastaram o País para a indigência, pela via do roubo dos imensos recursos financeiros gerados pela produção do petróleo. Para esses procuradores e juízes, é mais “danoso” para Angola colocar rabiscos numa indumentária do que saquear os recursos do País, deixando-o completamente ajoelhado, como alguns cidadãos fizeram, porfiada e metodicamente, ao longo dos últimos anos sob o disfarce da “acumulação primitiva de capital”.


Se calhar, tais procuradores e juízes entendem que os angolanos devem eterna gratidão àqueles que os empurraram para a situação de indigência absoluta em que se encontram. Se dependesse de alguns procuradores e juízes, a falta de medicamentos nos hospitais públicos, a sofrida rede escolar pública, a horrível qualidade do ensino público, os maus salários pagos aos servidores públicos, a falta de água potável na maioria dos lares angolanos, a deficiente energia eléctrica que chega, quando chega, a alguns lares, enfim, todos estes indicadores que fazem de Angola um dos piores sítios para se viver, deveriam ser diariamente enaltecidos pelos angolanos como exemplos de como são bem governados.


Sob os auspícios do actual governo, Angola transformou-se numa colónia chinesa. Em Luanda, parcelas significativas de território já escapam à jurisdição nacional. Com o estatuto de novos colonizadores, os chineses têm o monopólio de significativos segmentos da economia nacional. No domínio dos materiais de construção e dos inertes reinam em absoluto. Até simples estações de serviço de carros passaram para a esfera chinesa. No entanto, os nossos procuradores e juízes não enxergam dano nenhum ao património do Estado a exploração desenfreada da nossa madeira e dos nossos inertes. Os magistrados – judiciais e do Ministério Público – não se incomodam com a política de terra queimada que os chineses promovem em Angola. A exploração desregrada da madeira e dos inertes cobrará, a breve trecho, um preço elevadíssimo. Mas ninguém enxerga nessa ameaça real qualquer “dano ao património do Estado”. Os chineses estão firmemente empenhados em provocar uma hecatombe ecológica de proporções inimagináveis, mas isso não é, aos olhos de alguns, nenhum “dano” ao património dos angolanos.


Levar a tribunal cinco jovens angolanos sob a acusação de terem escrito palavras de ordem nos uniformes prisionais é a mais absoluta prova de que a Justiça ou, pelo menos, alguns sectores dela, tomam os angolanos como um bando de mentecaptos.


Por respeito aos angolanos, a quem devem o que são, José Eduardo dos Santos, o Presidente cessante, e João Lourenço, o presumível Presidente (como, cautelosamente, se lhe referem os yankees) deveriam fazer alguma coisa para travar essa brincadeira sem graça nenhuma.


A José Eduardo dos Santos não ficará nada bem passar para a história patrocinando mais essa fantochada judicial. Antes de deixar o poder, JES deveria demarcar-se, de modo inequívoco, de todas essas palhaçadas que o colocam, sempre, na pele de alvo de imaginárias tentativas de golpes de Estado. Neste caso, está claro que o que vai a julgamento não é “dano” causado à indumentária prisional, mas o conteúdo das palavras nela grafadas.


A João Lourenço também não ficará nada bem inaugurar um novo ciclo em circunstâncias em que o poder judicial mistura alhos com bugalhos, mais interessado em proteger a “corte” do que em realizar a justiça.


É que - e contrariamente ao que ambos eventualmente pensarão – os angolanos nunca foram, não são e jamais serão um bando de menores intelectuais incapazes de diferenciar o que é ou não danoso ao património público.


Procuradores e juízes também podem ter entendimento diferente, mas os angolanos, essa massa anónima, sabem que enfiar as manápulas nos cofres públicos, como fazem meia dúzia de indivíduos muito bem identificados, ou hipotecar o nosso País à China, isso, sim, são danos (e que danos!) ao património público. Num país sério e decente não escapa ao banco dos réus quem tem mãos leves. Ao banco dos réus não pode ir parar quem, no exercício do seu direito de manifestação, constitucionalmente protegido, rabiscou algumas letras sobre uma indumentária prisional.