Paris - A 8 de janeiro de 2010, em Cabinda, o autocarro proveniente de Ponta Negra no Congo que transportava a seleção nacional de futebol togolesa que iria participar na Taça Africana das Nações (CAN), escoltado pela polícia angolana, foi atacado por homens armados. Durante 20 minutos os atacantes dispararam contra o veículo causando dois mortos e vários feridos. Entre os feridos graves estava o guarda-redes da seleção togolesa, Kodjovi Obilale.

*Rui Neumann
Fonte: E-global

Pouco depois do ataque a ação é reivindicada pela organização Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Posição Militar (FLEC-PM), cujo porta-voz era Rodrigues Mingas, o qual, a partir da região parisiense, deu várias entrevistas à imprensa. Nas suas declarações Rodrigues Mingas declarou que a ação contra a equipa togolesa era a primeira de um conjunto de operações que a FLEC-PM pretendia efetuar em todo o território de Cabinda.


Sete anos após os acontecimentos, e depois de Rodrigues Mingas ter estado em prisão preventiva em Paris, onde foi interrogado pela polícia e por um juiz de instrução, decorreu de 3 a 4 de maio no Tribunal Penal de Paris o julgamento. Rodrigues Mingas é acusado de “atos preparatórios de terrorismo”, participação em “organização criminosa” e “reivindicação de atentado”, numa ação movida pelo Ministério Publico francês, mas também por Kodjovi Obilale e por Angola.


Na primeira audiência a juíza lembrou a Rodrigues Mingas que é um cidadão com nacionalidade francesa e que os tribunais franceses têm competência para julgar qualquer cidadão nacional que tenha cometido crimes, ou deles seja cúmplice, em qualquer parte do mundo.

 

Na ocasião foram ouvidas três testemunhas da parte civil, constituída pela embaixada de Angola em Paris, em que dois professores catedráticos expuseram a “ilegalidade jurídica” e falta de fundamento histórico das reivindicações dos nacionalistas cabindas, assim como da “legitimidade” angolana no enclave.


As mesmas testemunhas argumentaram também sobre a “incompatibilidade jurídica” do direito à autodeterminação do povo de Cabinda e falta de validade, à luz do direito internacional, do Tratado de Simulambuco. Uma estratégia da parte civil para demonstrar a “ilegalidade” das reivindicações da resistência armada no enclave.


Também presente como testemunha da parte civil estava vice Procurador Geral de Angola, Domingos André Baxe, que se deslocou a Paris para participar da audiência. Não sabendo expressar-se em francês, contou com o apoio do embaixador angolano em Paris, Miguel da Costa, o qual assumiu o papel de tradutor.


Domingos André Baxe teve dificuldades em explicar à juíza em que medida o ataque de 8 de janeiro de 2010 afetou a imagem de Angola, assim como não soube demonstrar a ligação dos detidos em Cabinda, presumíveis responsáveis do ataque, com Rodrigues Mingas.


Da parte da vítima, Kodjovi Obilale, o seu advogado realçou os danos físicos e morais que o ataque causou ao antigo guarda-redes, que foi forçado a abandonar a sua carreira como futebolista.


Durante o processo Rodrigues Mingas não conseguiu explicar o seu papel real na FLEC-PM, assim como justificar o motivo das deslocações em outubro e novembro de 2009 ao Congo Brazzaville, pouco antes do ataque em Cabinda, quando, segundo a parte civil e o procurador do Ministério Público, encontrou militares da guerrilha. Rodrigues Mingas teve também dificuldade em explicar o teor das escutas telefónicas e interceção de SMS, com conversas e mensagens comprometedoras relacionadas com a preparação de novos ataques e de uma suposta aquisição de armas tais como Ak47, granadas defensivas e ofensivas, entre outras.


Rodrigues Mingas, assumindo sempre ser um nacionalista cabindês, explicou que as suas declarações e a reivindicação do ataque foram acções efetuadas a pedido dos guerrilheiros em Cabinda, mas também resultado do “turbilhão da comunicação” que se gerou após o ataque.


Os advogados da parte civil e o procurador francês definiram Rodrigues Mingas como um “mitómano” com uma “dupla vida” e “general carnavalesco”, fazendo alusão aos vídeos difundidos em que Rodrigues Mingas surgia com um uniforme de General de 4 estrelas e empunhando uma arma. Contudo, acusaram Mingas de fazer “apologia de terrorismo” e de ter tido um papel real na preparação do ataque assim como de ter tido uma posição de relevo na hierarquia da FLEC-PM.


Na segunda audiência, a 4 de maio, sem ter testemunhas a favor de Rodrigues Mingas para apresentar, a advogada Solenn Le Tutour alegou que o acusado é um “mitómano” que foi vítima de “pretender ser o que não é”. Referiu também que nunca foi provada uma ligação concreta entre os condenados em Angola e o seu cliente, bem como o facto de não existirem provas irrefutáveis que demonstrassem a implicação de Rodrigues Mingas na preparação do ataque, sublinhando que “uma reivindicação não é prova de preparação” de um ataque.


A advogada referiu ainda que não foi provada a existência de facto da FLEC-PM, lembrando que esta foi definida pela parte civil, e pelas investigações angolanas, como uma “organização vazia”. Solenn Le Tutour pediu a absolvição de Rodrigues Mingas.


Após apresentadas as alegações finais, os advogados que representavam Angola solicitaram à juíza a declaração da culpabilidade de Rodrigues Mingas, acusação de “apologia do crime de terrorismo”, pagamento de 1 euro simbólico de multa, e que Angola seja reconhecida como vítima.

 

O advogado de Kodjovi Obilale pediu uma indemnização de 3.500.000 euros, tendo em conta a situação de invalidade física do seu cliente e de o ataque ter colocado um fim à sua carreira profissional, e 100.000 euros de indemnização à ex-mulher de Obilale, pelos danos morais causados.

 

Por sua vez o procurador do Ministério Público pediu 6 anos de prisão contra Rodrigues Mingas, por associação de malfeitores, e que a FLEC-PM seja inscrita na lista das organizações terroristas.

 

A leitura da sentença está prevista para 6 de junho.

Rui Neumann