Lisboa - Tchizé, filha de José Eduardo dos Santos, informou o público que segundo o seu filho de três anos, o Presidente encontra-se de óptima saúde.

Fonte: Club-k.net

Há uma vantagem que Tchizé tem em relação aos seus irmãos mais velhos: ocupa um lugar electivo, concorreu a umas eleições e obteve legitimidade popular. Mas agora cometeu um grave erro.


Ninguém na oposição alguma vez fez referência a qualquer neto do Presidente. Existe um respeito ético pela sua individualidade e fragilidade que impede que sejam objecto de disputa política, por muito agreste que esta seja. Ao quebrar esta regra, Tchizé expôs toda a sua família à contenda política, re-inventando a velha máxima que os “comunistas comem crianças ao pequeno-almoço”. Agora serão aqueles que inquirem pela saúde do Presidente da República que são transformados em assustadores de menores. Não se pode falar na saúde do Presidente da República para não assustar os filhos de Tchizé...


Respeitemos a criança, mas peçamos a Tchizé para não a trazer mais à liça, e digamos que a saúde do Presidente não é assunto para ser anunciado por uma criança de 3 anos.


Anos atrás tive participação na edição em português do livro “Ces malades qui nous gouvernent” (Estes doentes que nos governam) do médico Pierre Rentchnick e de Pierre Accoce. Nesse livro vê-se claramente que os governantes não são doentes como os outros e que as suas doenças têm implicações, por vezes dramáticas, na condução e na felicidade dos povos.


Vejamos o caso do Presidente dos Estados Unidos da América, Franklin Delano Roosevelt que em Fevereiro de 1945, se encontrou com Estaline, o líder da União Soviética, em Yalta para dividir o mundo no pós-guerra mundial. Roosevelt estava doente, mas não informou ninguém fora da sua equipa íntima. Nessa altura Roosevelt cedeu em demasia a Estaline, e deixou para trás os conselhos de Churchill.


A atitude relaxada de Roosevelt face a Estaline esteve na base da instauração de ditaduras comunistas em vários países da Europa Oriental que sofreram opressão durante décadas.


Actualmente, sabe-se que Roosevelt se encontrava extremamente doente na altura da conferência de Yalta, tendo vindo a morrer em Abril do mesmo ano, dois meses depois da Conferência. Os médicos disseram que ele morreu de uma grande hemorragia, mas vários anos antes de sua morte foi tendo várias "pequenas hemorragias"- diminutos vasos sanguíneos a explodir no cérebro. Quando esses rebentamentos ocorreram - e foram frequentes durante os últimos anos - Roosevelt estaria inconsciente embora sentado e aparentemente funcionando por períodos de alguns segundos a vários minutos. Esta parece ser a explicação para a apatia em Yalta.


Mais próximo, na Nigéria em 2009 e 2010 é conhecida a triste história do Presidente Yar'Adua. Em Novembro de 2009 foi transportado para um hospital em Jeddah, Arábia Saudita, por vários meses. Durante esses meses, esteve em completo silêncio, excepto para uma entrevista telefónica com a BBC. À BBC afirmou em Janeiro de 2010 que estava a recuperar e ia retomar as suas funções em breve. Um porta-voz presidencial disse na época que o Presidente da Nigéria estava a ser tratado de uma pericardite aguda, uma inflamação do revestimento em torno do coração.


Contudo, a longa ausência e a falta de informações detalhadas sobre sua saúde levaram a um limbo político na Nigéria que só foi preenchido quando o Vice- Presidente Goodluck Jonathan foi nomeado presidente em exercício. Yar'Adua retornou a Nigéria,mais tarde, em Fevereiro de 2010. Nesse momento, existiu uma grande tensão entre Presidente e Presidente em exercício e partidários dos dois. Em Março, o Vice-Presidente e Presidente em exercício Jonathan dissolveu o gabinete e depois nomeou a sua equipa. Foi tudo uma trapalhice na governação da Nigéria. Yar`Adua morreu em Maio de 2010.


A questão aqui não é de morte, nem da intimidade. O Presidente da República é uma figura pública. Se está ausente do país, se não dá entrevistas, se não aparece em público. Se dele apenas vem silêncio, é evidente que a preocupação cresce e a especulação aumenta.


O Estado tem mecanismos para resolver estas situações, pode emitir um Comunicado através de um porta-voz, pode emitir um Boletim Clínico, ou simplesmente o Presidente pode aparecer e exercer as suas funções.


O que não pode acontecer é o Presidente desaparecer, a população ser informada que ele voltaria a Angola para retomar as suas funções a semana passada, e ele não aparecer e ninguém dizer nada.


Na realidade, além da pergunta sobre a saúde do Presidente, alguns poderiam colocar outra: onde está o Presidente? Em Barcelona? Em Portugal? Em Cuba? Na Cochinchina?


Neste momento, a opinião pública não tem a certeza, nem sobre o paradeiro do Presidente da República, nem sobre a sua saúde. Isto não é normal num Estado Democrático de Direito.


Concedamos todo o respeito privado aos filhos e netos do Presidente, mas exijamos ao Estado um pronunciamento claro sobre o paradeiro e saúde do Presidente.


No caso vertente, é tempo de o Tribunal Constitucional assumir a liderança no esclarecimento da situação. "