Luanda - Corrigir o que está mal contém uma crítica implícita à governação de José Eduardo dos Santos, afinal ainda no exercício das suas funções presidenciais. De resto, muita gente da esfera do Presidente Eduardo dos Santos está já a abandoná-lo e a sua indefectibilidade - tão ciosamente mostrada em intervenções nas Rádios, Televisões e Jornais - já começa a desvanecer-se. Podia citar nomes, mas não vou fazê-lo. Basta, a quem estiver interessado, consultar neste mesmo Semanário artigos de opinião de economistas que agora falam que com o novo Presidente é que a política económica vai ser a sério. Por exemplo: "a futura administração económica deverá ter plena consciência do seu papel para o crescimento, mas de forma diferente do que tem sido feito" é uma das expressões que ultimamente tem sido divulgada por quem até aqui considerava que a gestão económica do país orientada por José Eduardo dos Santos era imaculada. O novo Presidente terá de ter muita atenção com este arrastar de asa da parte de quem, em qualquer momento menos vantajoso para os seus interesses, abandoná-lo-á.

Fonte: Expansao

Finalmente habemos programa

Mas vejamos alguma coisa do finalmente divulgado novo programa do MPLA - Programa de Governação e Manifesto Eleitoral - recentemente apresentado com a pompa a que nos habituou este partido que governa o país há mais de 42 anos ininterruptos.


E volto ao lema da campanha "Melhorar o que está bem, e corrigir o que está mal", sublinhando que, na verdade, também a primeira parte do "slogan" (ou eslogan? Já que devem ter sido os marqueteiros brasileiros a inventá-lo) é uma avaliação crítica de algum trabalho realizado pela administração do ainda Presidente da República. Considera-se que havendo coisas que estão bem, parece que não estão assim tão bem, pois há-que melhorá-las. Quais? É que o Programa de Governação do MPLA para 2017-2022 não as identifica explicitamente e com metas, limitando-se ao verbalismo corriqueiro de "combater todas as formas de corrupção... (página 58)", ou "promover a melhoria contínua do ambiente de negócios através da simplificação do enquadramento institucional-legal .... (página 59) (1)", ou "promover a investigação científica (páginas 46)" ou, finalmente, "garantir a eficiência e transparência do processo de contratação pública (página 25).


O Programa de Governação do MPLA para 2017-2022 contém 870 medidas praticamente todas dirigidas a melhorar o que já está bem. Depois de ter lido com a atenção que merece este Programa de Governação não me apercebi de nenhuma medida das quase nove centenas dirigida a corrigir o que está mal. Até porque não se chega a perceber, na verdade, o que é que está afinal mal.


Que custos a governação do próximo Presidente da República está disposta a suportar para melhorar aspectos da vida social e económica que afinal até estão bem? Ou seja, que José Eduardo dos Santos acabou por ter conseguido alcançar alguns dos objectivos e metas traçadas. Se é assim, quanto custa melhorá-los? Deve aplicar-se, na apreciação desta primeira parte do "slogan", o raciocínio utilitarista que a Teoria Microeconómica ensina: o incremento de uma unidade no custo para melhorar o que já está bem, que aumento de utilidade social proporcionará? Se se tratar de um bem ou serviço público cuja necessidade de satisfação esteja na vizinhança da sua saturação, então o balanço custo marginal/utilidade marginal é negativo: gasta-se mais do que se vai arrecadar em utilidade social.


Seguramente que este balanço não foi feito pelo Partido e o "slogan" acaba por ser praticamente um "fait divers". E não devia, atendendo às suas responsabilidades de partido da governação há mais de 42 anos. Seguramente que a experiência acumulada, principalmente depois de 2002, tinha de servir para apresentar propostas quantificadas e convincentes sobre o melhorar o que está bem.


Nesta altura já se sabe que a grande divisa da campanha de 2012 - Angola a crescer mais e a distribuir melhor ­- não foi cumprida: a economia nem cresceu mais em relação ao passado, nem muito menos se passou a distribuir melhor. Ora aqui está um aspecto importante que deveria ser tratado com algum desenvolvimento e aprofundamento, porque corresponde claramente ao "corrigir o que está mal", ou seja, a redistribuição do rendimento nacional. A proposta de Governação do MPLA para 2017-2022 toca muito ao de leve sobre esta matéria, quando, sendo antecipadamente o partido ganhador, deveria mostrar o seu compromisso com a resolução de um problema social grave. É pela alteração do modelo de acesso aos benefícios do crescimento económico que a pobreza e a desigualdade se mitigam. Para mim esta temática é da máxima relevância e se eu quiser votar no MPLA não encontro no seu Programa uma resposta válida, convincente, concludente e cientificamente verificável. Não posso - e não devo - depositar o meu voto sem entender de que modo os cidadãos mais desprotegidos podem esperar por alterações consideráveis, estruturantes e consolidáveis nas suas condições de vida.


O Programa apresenta, entre as páginas 10 e 11, um conjunto de resultados positivos que vêm do passado. A evolução do valor do IDH entre 2000 e 2010 (de 0,391 para 0,533) é um deles. Claro que sim. No entanto, quando se adopta como base de análise o IDH ajustado à desigualdade, os progressos são quase nenhuns. O IDH ajustado à desigualdade em 2015 foi de 0,336 um ajustamento de -37% ao IDH global. E aqui é que está o núcleo central da desigualdade: a sociedade angolana é reconhecidamente muito desigual, não havendo modelos e abordagens estratégicas para se alterar a presente situação.


Mas há mais: o IDH ajustado à desigualdade na educação e o IDH ajustado à desigualdade na saúde apresentam valores da ordem de 0,3 e, quando comparados com 2014, traduzem um claro agravamento da situação. Quanto ao crescimento económico transcrevo o gráfico seguinte que claramente traduz o processo de desaceleração estrutural da economia nacional (ver gráfico).


Se incluísse as perspectivas de crescimento até 2021 - exactamente um ano antes de finalização do mandato do novo Presidente - a taxa média anual de crescimento do PIB 2016/2021 seria de apenas 0,6%, considerando -3,6% como taxa de crescimento do PIB em 2016.


(1) Quem elaborou o Programa de Governação seguramente que desconhece o suplício que é tratar de documentos necessários para a abertura de novos negócios, tal é a corrupção e a burocracia que os agentes (incluindo jovens empreendedores com ideias relevantes de oportunidades de negócios para realizar) têm de enfrentar.