Lisboa - A política portuguesa, à esquerda e à direita, remeteu-se a um "silêncio terrível" durante 40 anos sobre o alegado golpe de Estado de 27 de maio de 1977 em Angola, lamentou o irmão de uma das vítimas da repressão.

Fonte: Lusa

"Isto foi dramático, uma situação extremamente complicada. Para a esquerda portuguesa, o MPLA era um regime de esquerda e 'a Esquerda não reprime', como faz o Pinochet, no Chile, ou o Videla, na Argentina. A Esquerda não mata. Isto é o que, ingenuamente, dizem as pessoas de esquerda", disse à agência Lusa Edgar Valles, irmão da militante comunista Sita Valles, assassinada na repressão que se seguiu ao alegado golpe.

 

No sábado cumprem-se 40 anos sobre o 27 de maio de 1977, descrito como uma tentativa de golpe de Estado por "fracionistas" do próprio Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), então já no poder do país recém-independente, contra o Presidente Agostinho Neto e "bureau político" do partido.

 

Segundo vários relatos, milhares terão morrido na resposta do regime angolano, nomeadamente os dirigentes Nito Alves, então ministro da Administração Interna, José Van-Dúnem, e a sua mulher, Sita Valles.

 

Edgar Valles, que cita cálculos feitos pela Amnistia Internacional, fala em 30 mil vítimas mortais na repressão que se seguiu contra os "fracionistas" ou "Nitistas", como eram conhecidos então.

 

"[A esquerda, principalmente o PCP] não 'aceitava' que o MPLA, sendo constituído por pessoas de esquerda, matasse tanta gente. É um bocado como os crimes de Estaline, as pessoas não aceitavam e, por isso, as pessoas de esquerda preferiam não falar no assunto", recordou o irmão de Sita Valles, que nos anos 1970 chegou a ser a número dois da União de Estudantes Comunistas (UEC), organização juvenil dos estudantes comunistas portugueses.

 

"O PCP, apesar de saber que estava a ser assassinada muita gente, praticou um silêncio total", lamentou Edgar Valles, acrescentando que o lado da direita não fica melhor na fotografia.

 

"As pessoas da chamada direita, como achavam que quem estava a ser vítima desta repressão tão feroz era gente de esquerda, ficaram também em silêncio, com este pensamento: 'Eles meteram-se na boca do lobo, o problema é deles'", observou.

 

Assim, salientou o advogado, "durante estes 40 anos houve um silêncio terrível" sobre os acontecimentos de maio de 1977 em Angola,

 

"Uma situação que pode ser considerada a maior repressão que alguma vez houve em África", opinou.

 

Edgar Valles participa hoje numa audição pública no Parlamento português organizada pelo Bloco de Esquerda, a propósito dos 40 anos do alegado golpe "Nitista".

 

"Estou muito entusiasmado com esta sessão e reconhecido ao Bloco de Esquerda por ter agarrado este assunto, porque há forças políticas que apenas por calculismo, por sentirem que ainda é importante fazerem negócios com Angola, mas com receio de que a abordagem deste tema possa influenciar as relações económicas, preferem pura e simplesmente olhar para o lado, assobiar e fingir que não é nada consigo. O Bloco de Esquerda, pelo menos teve esse mérito", realçou o irmão de Sita Valles.

 

Na iniciativa de hoje no Parlamento participam ainda um sobrevivente da repressão do MPLA que se seguiu ao golpe, José Reis, e a irmã de um militante do MPLA fuzilado na época, Rui Coelho.