Luanda - Quando ouvi pela primeira vez falar sobre Gerald Bender foi por via de um testemunho do próprio, em que relatava como o seu “casamento com Angola” tinha começado, tornando-se numa espécie de versão norte-americana do britânico Basil Davidson, que também muito se tinha dedicado ao país, embora em contextos diferentes.

Fonte: Jornal de Angola


Na verdade, o trabalho académico de Gerald Bender constitui uma fonte importante para o conhecimento da realidade angolana, muito antes, durante o processo político e militar que levou o país à Independência Nacional.


O Professor emérito de Relações Internacionais da Universidade do Sul da Califórnia, especialista sobre África e sobre a Política Externa norte-americana para com o continente, falecido no domingo nos EUA, dizia que estava na universidade quando se propôs especializar-se sobre Angola. Era, segundo o mesmo, uma das poucas especialidades que restava e sem muita concorrência, uma realidade compreensível atendendo a vários factores, entre eles a barreira linguística.


Passou a ser um amigo de Angola, país para onde viajava com regular frequência e que por mérito próprio se tornou numa voz autorizada quando se tratasse da análise documentada e assertiva sobre a sua realidade política e social, partindo dos antecedentes até aos anos subsequentes à Independência.


Foi sobre a colonização portuguesa que este antigo presidente da Associação Americana de Estudos Africanos dedicou especial atenção, sobretudo com a obra “Angola sob domínio colonial português - Mito e Realidade”, em que desmascara completamente as teses do luso-tropicalismo.


Contrariando asserções feitas por teóricos daquela famigerada teoria, assente nas supostas “boas relações raciais” entre colonos e colonizados, segundo o “site” “AfricaWorld BookPress”, Gerald Bender defende na sua obra que a colonização portuguesa era profundamente racista. Para esta conclusão, de acordo com o “site”, Gerald Bender baseou-se num conjunto considerável de dados recolhidos de fontes de arquivo, colecções pessoais e entrevistas sistemáticas de angolanos e funcionários portugueses da administração colonial e do sector privado.


Gerald Bender coloca a nu a ilusão e falsidade com que era pintada para a sociedade colonial portuguesa, europeia e norte-americana a realidade nos ditos territórios ultramarinos. Quando um dia questionado sobre as razões da hostilidade de sucessivas administrações norte-americanas para com Angola, o especialista dizia que tudo se devia também à forma como, na sua opinião, Angola geria a referida relação. Além do caso dos mercenários, Gerald Bender lembrava que uma das coisas que muito aborrecia os norte-americanos era a forma como a representação angolana na ONU votava em matérias que diziam respeito à política externa daquele país.


“Angola chegava a votar mais vezes contra os Estados Unidos do que a própria ex-União Soviética e outros países do bloco socialista”, dizia Gerald Bender, facto que enfurecia os formuladores da política externa, sobretudo durante os governos de Jimmy Carter e Ronald Reagan.


Basta lembrar que uma das figuras que muito se bateram para que o Presidente Jimmy Carter afastasse a possibilidade de reconhecimento diplomático da então República Popular de Angola e endurecesse a sua posição foi o seu conselheiro para a Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski.


Gerald Bender, como especialista em assuntos políticos angolanos merece ser devidamente estudado e atendendo à dedicação que teve para com o país, não é exagerado apelar às autoridades e à sociedade angolana para prestarem uma homenagem merecida a esta importante figura académica.


Gerald Bender, grande amigo de Angola, parte para a eternidade, mas deixa um legado que precisa de ser devidamente explorado pelas gerações mais novas, sobretudo aquelas comprometidas com o estudo, a investigação e a análise de factos que marcaram Angola no período pré-Independência e posteriormente.


Para preservar o seu trabalho e legado foi criado o Jerry Bender Fundo Africano para apoiar estudantes e pesquisadores interessados em seguir as suas pegadas e estudarem o continente africano a todos os níveis. Com os custos pagos, qualquer estudante pode concorrer, bastando para tal candidatar-se, através do “site” Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar., onde pode obter mais informações.


É bom que, no que em termos pedagógicos diz respeito a Angola, saibamos preservar e reproduzir todo o acervo deixado por esta memorável figura como parte relevante do processo de conhecimento da nossa História.