Luanda - Analista do Africa Monitor antecipa “processo muito delicado” na sucessão de Eduardo dos Santos.

Fonte: Jornal Economico

O que se pode esperar das eleições em Angola?
A diferença, desta vez, é que estamos ao cabo de 15 anos de promessas, pós-final da guerra civil, em que as dificuldades aumentaram em vez de diminuírem. E há a perceção clara de que a classe política foi enriquecendo desmedidamente. É fácil de verificar uma desilusão geral e um desejo de mudança, mesmo entre aqueles que apoiaram o MPLA no passado. Inteligentemente, José Eduardo dos Santos percebeu que era altura de passar o testemunho, corporizando ele próprio essa mudança, e lançou João Lourenço.


Este chega com um discurso de renovação – note-se, nas suas intervenções das últimas semanas, o forte ênfase na necessidade de combater a corrupção e de evitar “erros do passado”. É uma espécie de “mea culpa” do regime. E uma promessa de regeneração e abertura. Creio que não passará de uma promessa, para fins eleitorais, mas, para já, teve como efeito mobilizar o partido, ele próprio muito desgastado, coesamente em torno de um novo candidato.

Quem é o vencedor mais provável?
Dada a desproporção de meios entre o MPLA e a oposição, é João Lourenço. Mas, para o MPLA, há mais em jogo: é vital manter a maioria de dois terços, até porque uma revisão da Constituição, fortemente presidencialista, é praticamente inevitável – e o MPLA não está de todo habituado a negociar com a oposição. José Eduardo dos Santos teve quase 72% em 2012, mas é muito improvável que Lourenço alcance esse nível.

 

Depois das eleições começará a verdadeira sucessão. José Eduardo dos Santos vai permanecer como líder do partido e o seu círculo mais próximo, bem como a sua família, serão ainda das figuras mais influentes na política e negócios do país. Apesar de Lourenço ser, talvez, o dirigente mais consensual no partido, há algumas relações difíceis entre figuras-chave, e os equilíbrios serão também eles difíceis.

 

Que risco político existe nestas eleições?
Os riscos parecem-me relativamente mitigados, mas existem. Politicamente, a sucessão é um processo muito delicado ao nível do governo e do partido. Há que ver que em torno das principais figuras do processo – família presidencial e sucessor – há fortes grupos de interesse (clientelas) com ramificações no Governo, banca, comunicação social, entre outros setores. Há, de facto, um potencial de conflitualidade, inclusivamente pública, entre estes grupos para assegurar interesses adquiridos e lugares “à mesa” no próximo ciclo. No passado, Santos jogou este “xadrez” com grande mestria. Inclusivamente, utilizando-o para consolidar o seu poder até alcançar uma hegemonia total dentro do partido e do Estado. Hoje, com 74 anos e problemas de saúde, a sua capacidade não é a mesma que tinha no passado, e tornaram-se frequentes os desabafos em relação à sua capacidade de resposta, num sistema que foi montado para que todas as decisões de monta sejam tomadas na Presidência.

 

E num cenário pós-eleitoral, há riscos?
Olhando para um cenário de vitória do MPLA superior a dois terços, penso haver algum risco político associado ao facto de os principais partidos da oposição, UNITA e CASA-CE, virem a rejeitar os resultados. Na oposição, prevalece a convicção de que se prepara uma fraude em grande escala – como, dizem, aconteceu em anos anteriores. Em 2012 e 2008 prevaleceu uma postura de colocar a preservação da paz e a estabilidade acima de interesses partidários. Desta vez, o cenário pode ser diferente, dado o nível de descontentamento da população. As eleições estão a servir como “válvula de escape” para esse descontentamento latente, mas, se no momento da divulgação dos resultados os apoiantes da oposição acreditarem que o processo foi fraudulento, podemos ter tensão social.