«Deixemo-nos de hipocrisias» 

Luanda  - Quero aproveitar para felicitar o Semanário Angolense, uma vez mais, por ter trazido este tema do «Eduardismo» à discussão. Como deverão compreender a minha posição não me permite escrever textos regulares para a vossa edição.

Tendo sido eu um dos subscritores da ideia da existência de um excesso de «Eduardismo», li com espanto o texto do Sr. Dr. João Pinto na semana passada. Decidi, por isso, juntar à discussão mais alguns elementos à luz das informações divulgadas esta semana.

Sou dos que acham que há «Eduardismo» a mais, embora seja também dos que percebem e reconhecem o valor, a liderança e a entrega do Presidente Eduardo dos Santos. Um analista da nossa praça dizia há uns largos meses, e eu assino por baixo, que «se o país ainda deve alguma coisa, repito se ainda deve, deve-o unicamente a JES e não aos que lhe são próximos, familiar, política ou economicamente».

Esta é a realidade: Não me incomoda que JES tenha, directa e pessoalmente, pelo seu trabalho e luta pela independência e paz, benesses, privilégios e poderes especiais do Estado. Na verdade, ele já foi tendo muitas ao longo dos seus 30 anos de poder. Mesmo que nos custe compreender, podemos vislumbrar nessas atitudes o sentimento de gratidão do MPLA e do próprio Estado.

Mas, infelizmente, há muito que se passou da esfera da gratidão para a da permissividade e aproveitamento. O Presidente permitiu – daí que lhe sejam assacadas responsabilidades políticas – que pessoas das suas relações familiares e proximidade política tenham montado uma rede de troca de favores, influencias que têm implicações negativas na gestão governamental, na liberdade económica das empresas públicas e no comportamento ético da sociedade angolana.

Isso é que é o «Eduardismo». Não sei o que se passa no MPLA, movimento a que aderi em meados dos anos 60. Como ninguém consegue ver isso?

 Tomemos como exemplo a área da Comunicação Social, tendo em conta dois factos: a entrevista de Álvaro Torre a Meios e Publicidade de Portugal e a nomeação da equipa de reestruturação da TPA.

Há hoje um facto  indesmentível: o poder eduardista,  além do Parlamento, Justiça e Economia, aposta forte na Comunicação Social. Toda a TV do nosso país, a pública e a privada, é, agora, controlada por pessoas afectas a JES.  Tais interesses não são necessariamente afectos ao MPLA ou ao Governo. São coisas completamente diferentes.

Não se trata só de uma suposição. Os dados são reais. A MediaNova que, diga-se o que se disser, é próxima do Presidente da República, está aí e o grupo tem facilidades jamais vistas.

A Publivision, que é a agência do grupo, vem do nada e mesmo sem qualquer portfólio já detém as contas da SONANGOL, Angola Telecom e BPC. Estas três empresas, que são das  maiores anunciantes entre as empresas do Estado, têm hoje uma dimensão nacional e até internacional que, em circunstâncias normais, jamais dariam as suas contas a uma agência de publicidade sem história nem provas dadas no mercado.

Porque será que deram?

Os três maiores anunciantes do sector privado (UNITEL, BFA e BIC) também pertencem a entidades ligadas ao Presidente da República. É mera coincidência? Isso não condiciona o exercício publicitário em Angola? O mesmo se diz da Rádio Mais. Ninguém consegue explicar como é que, sem quaisquer concursos e sem a lei da especialidade, a Rádio Mais está, num ápice, no ar em Luanda, Huambo, Lobito e Benguela, como anunciou Álvaro Torre.

A apresentação da Rádio Mais no Huambo foi feita na sede do próprio governo local.  Esse é um privilégio que o Sr. Albino Malungo estenderia  a qualquer entidade privada? Os deputados Kwata Kanawa, João Pinto e João Melo, que são pessoas influentes nessa área, conseguiriam tanta facilidade se tivessem os seus próprios projectos de rádio? Se isso não é «Eduardismo», o que é então?

Na Televisão Pública todos sabemos a celeuma que causou a privatização do canal 2. Foi, de facto, uma privatização. A publicidade que dá receita é autónoma e a gestão também. O que é que leva a TPA ou o Ministério da Comunicação Social a dar um dos seus canais a uma entidade sem qualquer perfil?

Tanto a West Side como a Semba não tinham nenhum portfólio nem experiência de trabalho nessa área.

Os seus proprietários também. Não são conhecidos trabalhos publicados de nenhum deles, embora se tenham formado na área. Entre jornalistas e publicitários, como nos juristas para se ser advogado, é preciso um tirocínio e, até prova em contrário, não há comprovação de tirocínio dos responsáveis da Semba e da West Side, ou seja trabalhos jornalísticos feitos, programas realizados, entrevistas feitas e coisas do gêneros. Mesmo assim, de uma só sentada, o Canal 2, o Canal Internacional depois e agora a TPA 1 passaram para as mãos da West Side e da Semba Comunicação.

A questão do Canal Internacional então é algo absolutamente inexplicável. É muito difícil compreender que num país como o nosso a gestão do Canal Internacional não seja feita por uma entidade pública mas antes por uma privada.

Alguém é capaz de justificar isso senão ao abrigo do «Eduardismo»? E agora os três canais da TPA estão entregues à deputada Welwitchia Pêgo, que também é filha do Presidente da República. Alguma vez um filho de qualquer outro dirigente do MPLA teria tantas benesses?

Ninguém nega o grande contributo de JES pela nossa liberdade. Mas não se pode dizer que ele tenha sido dos mais destacados lutadores.  Agostinho Neto,Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Matias Miguéis, José Domingos Kioza, Hoji ya Henda, Deolinda Rodrigues e outros como os Nelumba e os Lengue, cujos filhos estão aí, sacrificaram as suas vidas. Entre os ainda vivos,está, entre outros, Lúcio Lara, que é uma referência moral. É uma referência para toda a sociedade.

Há gente da primeira hora, antes de JES, que, como diz o povo, «não apanhou nada». Perguntese a alguns dos filhos – Irene Neto, à Maria da Cruz, ao Paulo e Panda Lara, ou Henda Pinto de Andrade, que são realmente filhos sofridos, nascidos e vividos na têmpera da revolução, filhos de pais que deram tudo, absolutamente tudo pelo país, mais do que JES –  se alguma vez tiveram a oportunidade de privatizar a Televisão Pública? Se isso não é «Eduardismo», o que é então?

O Ministério da Comunicação Social nomeou para a TPA uma comissão de reestruturação que integra Sérgio Neto da West Side e a Dra.  Welwitcha Pêgo, deputada e sócia da West Side.

Como é possível que a empresa subcontratada agora dirija a contratante? Não sou jurista, mas os juristas como o Drs. João Pinto (deputado e defensor do «Eduardismo»), Carlos Feijó, (ex-chefe casa civil do PR), Raul Araújo (representante do PR na CNE), Manuel Gonçalves (ex-assessor jurídico do Futungo e actual PCA da ENSA) e Rui Ferreira (ex-assessor do Futungo, ex-PCA da Nova CIMANGOLA, empresa de Isabel dos Santos, e actual presidente do Tribunal Constitucional) deve-riam animar o debate à luz do postulado constitucional de todos iguais e igual oportunidade a todos. Não será isso o famoso «Eduardismo»?

O caso da TPA 1 é grave. Há mais de um ano, o vice-ministro da Comunicação Social, Manuel Miguel de Carvalho «Wadijimbi», ao justificar a privatização, falou em gestão mais qualificada sobre o controlo da TPA.

(Lembram-se?). Na actual comissão de reestruturação da TPA, a contratada, West Side, assume (dois em três) a liderança da reestruturação. Como i  ca a prestação de contas? E depois: quem é Sérgio Neto? Será comparável à figura de Pimente Araújo?

Diga-se o que se disser de Agostinho Neto, mas seria possível esse cenário com ele no poder Conhece-se algum exemplo de empresa pública alienada, usurpada, assaltada por uma empresa privada detida por filhos do primeiro Presidente de Angola.

Deixemo-nos de hipocrisias. Isso não é «Eduardismo»?

Infelizmente, a actual geração os jovens de hoje, não são feito da mesma têmpera. Não sabem nem resistir nem lutar. Jovens promissores, como seria de esperar do Dr. João Pinto, estão rendidos a este estado de coisas.

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*Sebastião Mujinga
Fonte: SA