Luanda - O Programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF) marca a primeira tentativa de reforma da economia angolana que teve lugar há 30 anos, numa altura em que o “socialismo científico” ainda era quem mais ordenava na então República Popular de Angola. 

Fonte: Opais

Nesse tempo apenas um partido, o MPLA-Partido do Trabalho, tinha existência legal mandando em tudo e em todos, tendo como doutrina oficial o marxismo-leninismo.

Historicamente, o arranque deste projecto aconteceu a 22 de Junho de 1987, de acordo com os dados que o economista e professor universitário, Mário Nelson, tem vindo a publicar no “Novo Jornal” no âmbito de um dossier que ele elaborou sobre a efeméride e que já leva algumas edições. Este dossier tem trazido ao lume a realidade da economia angolana que se vivia numa época em que se verificou um dos maiores choques petrolíferos que o país já conheceu com o barril a ser vendido a menos de 10 dólares.

Tal como acontece agora com a (tardia) aposta na diversificação, também na altura o SEF foi consequência de uma acentuada quebra do preço do petróleo.

A ideia que conservamos do SEF, que tivemos a oportunidade de acompanhar em tempo real como jornalista, é que esta reforma na fase da sua implementação teve no seu centro uma “ruptura epistemológica” com as teses defendidas no IIº Congresso do MPLA realizado em 1985.

Há uma versão histórica mais laudatória que pretende atribuir a este Congresso partidário o papel da viragem então iniciada, mas o que é facto é que seria o próprio MPLA poucos anos depois, em 1990, se a memória não nos atraiçoa, a dar por terminada esta primeira “primavera económica”, com uma ríspida declaração política que mandaria o projecto para o ralo e para uma longa travessia pelo deserto o seu principal rosto, que era o economista José Cerqueira.

Cerqueira é conhecido até hoje como o “Mr. SEF”.

Estranhamente, reparamos que no referido dossier, o seu nome é praticamente ignorado, o que nos levou a falar com ele para percebermos um pouco melhor, como é que as coisas se tinham passado nos corredores institucionais da época, por onde se movimentou o SEF há 30 anos.

José Cerqueira recorda-se que foi ele a fazer a primeira apresentação do SEF ao Comité Central do MPLA, numa reunião onde enfrentou várias resistências.

Depois recorda-se que houve um grande encontro de quadros – coisa inédita no país - que também foi por ele dirigido, tendo desta reunião que congregou dezenas dos melhores quadros do país, resultado a constituição do aparelho (secretariado) que daria suporte técnico ao Programa com diferentes equipas especializadas.

De seguida, foram organizadas ramificações desse encontro de quadros em quase todas Províncias, com sucesso variável, na sua avaliação.

Cerqueira que esteve no Encontro no Lubango, onde Lopo de Nascimento era o Governador, acha que o mesmo foi um sucesso, “pois ainda hoje pessoas presentes nessa reunião quando se encontram comigo falam disso com saudade”.

Mais importante ainda para o nosso interlocutor, foi a onda generalizada que o SEF causou de optimismo no seio população pelas alternativas que propunha ao modelo centralizado/planificado de gestão da economia.
“Julgo que a reprodução de minhas intervenções na rádio e na televisão contribuíram bastante para a popularização do SEF. Eu fui praticamente o único membro do Secretariado do SEF que teve um papel de comunicador com a sociedade.”

Neste seu regresso ao passado Cerqueira faz questão de precisar que o já falecido Benvindo Pitra foi o primeiro coordenador do SEF e ele o seu único adjunto, tendo passado depois para o comando do programa como consequência dos problemas de saúde de Pitra.

Cerqueira aponta os nomes dos economistas Amândio Esteves e Luvumbo Sebastião, por ele propostos para integrarem o Secretariado do SEF, como duas das pessoas que mais se destacaram na implementação da reforma económica, infelizmente também já falecidos.

Contamos voltar a este tema grande da nossa história económica com mais alguns subsídios em próximas oportunidades.

Coluna/O PAÍS (9-06-2017)