Luanda - Sob o olhar sereno e confiante da imagem do Presidente José Eduardo dos Santos num dos painéis do CAN 2010 exposto na sala de conferências do Hotel Mercury em Paris, encerrou ontem nesta cidade o colóquio intitulado “Angola: Progresso da Democracia – Progresso do Desenvolvimento”, organizado pelo Centro Cultural Angolano em França, refere o Jornal de Angola.

O colóquio, que teve a duração de dois dias, foi inaugurado e encerrado pelo embaixador da República de Angola em França, Miguel da Costa, e contou com a moderação do presidente da Centro Cultural Angolano (Casa de Angola) em França, o advogado e professor de Direito na Universidade René Descartes, Manuel Jorge, coadjuvado pela secretária-geral do Centro, a historiadora Maria da Conceição Legot. Esteve presente à cerimónia de abertura, o Encarregado de Negócios da Delegação Permanente de Angola junto da UNESCO, Rolando Neto.

A temática do progresso da democracia e do desenvolvimento em Angola foi analisada e discutida por cerca de 60 participantes, dos quais 14 palestrantes. Viajaram expressamente de Luanda para França, para participar neste evento, para além de outros, deputados da Assembleia Nacional, um juiz do Tribunal Supremo, sociólogos, juristas e economistas. Dentre os convidados estrangeiros contaram-se dois professores da Universidade de Lisboa.
 
No dia 4 de Maio, o debate sobre o tema do Progresso da Democracia abriu com a exposição do jovem deputado Sérgio Rescova Joaquim sobre a reforma constitucional em curso no país. O professor Jaime Nogueira Pinto teceu reflexões impolíticas sobre “A África Subsariana e a Democracia”, que foram seguidas pela exposição do juíz Onofre dos Santos sobre “O Aprofundamento da Democracia à luz da nova Constituição de Angola”. Horvanda de Andrade, geóloga, falou de “Actores Sociais e Factores Sociais do Progresso”.

A segunda sessão do fórum abriu com a exposição do Dr. Simão Helena intitulada “Novos Actores da Democracia: o Espaço e o Papel da Sociedade Civil”, à qual se seguiu a comunicação “A Contribuição do FAS para a Consolidação da Democracia em Angola”, da socióloga Henda Ducados, directora-adjunta do Fundo de Apoio Social (FAS). A terceira comunicação do primeiro dia versou sobre a temática da “Transição Democrática e Desenvolvimento Humano em Angola”, proferida pelo sociólogo Nsingui André.

A democracia em questão

A nova Constituição em fase de elaboração vai inaugurar a terceira fase de construção de um Estado moderno, prevendo uma sociedade de abertura e de respeito pelos direitos dos cidadãos. Onofre dos Santos defendeu aquilo que chamou de “enxertos” na implantação de um “know-how” eficiente em Angola, através da abertura do país aos recursos humanos externos, tendo citado como exemplo os EUA.

Questões candentes como a problemática da formação do espírito da Nação (conceito histórico) no quadro dos Estados (conceito politico) pós-coloniais fragmentados pelas imposições da Guerra Fria, a questão do défice demográfico em Angola e a solidariedade com os povos vizinhos maioritários, o conceito legal de nacionalidade e a realidade africana vulnerável à imigração internacional e às constantes migrações regionais.

Foram debatidas as ambiguidades da democracia ocidental, através da qual se constatou que a democracia euro-americana resultou em Estados impostos após longa duração secular, não fazendo sentido, por isso, querer que a África faça um salto olímpico nessa direcção, quando ainda vive uma fase de construção acelerada das suas bases económicas e sociais.

No período pós-independência, o auge do confronto Leste-Ocidente engendrou um contexto que não favorecia a adopção de instituições democráticas. Nos países lusófonos, a tónica política esteve assente na unidade nacional e na estabilidade do Estado, tendo-se afirmado a centralidade do Estado e a criação de uma oligarquia económica, como resultado do próprio evoluir da História. Uma questão muito debatida foi o espaço e o papel e mesmo o próprio conceito de sociedade civil.

A História e o tempo de construir

O segundo dia de debates, centrado na temática do progresso do desenvolvimento começou com a introdução alargada sobre a economia do país, feita pelo deputado Júlio Bessa. Para este economista, que já fez parte da alta hierarquia do Governo, a abertura económica em Angola começou muito antes da abertura política e antes ainda de acontecer no seio do bloco comunista, de 1986 a 1989, quando se formulou o SEF (Programa de Saneamento Económico Financeiro). Para se entender a situação crítica que o país ainda vive hoje, é necessário entender os liames entre a guerra e a economia, pois que a guerra, desde 1974 até 2002 teve consequências nefastas sobre o desempenho do sector económico-produtivo e do sector social.

 Por isso, quando se fala nos tempos actuais, que “os angolanos possuem um grande ‘ego’, isso deve-se ao facto de muitos poucos povos do Continente e do mundo terem sofrido o que nos sofremos”, adiantou o deputado Júlio Bessa. Mas, a imunidade do sector petrolífero, para além de apoiar o esforço da Defesa Nacional, ajudou a criar uma classe muito refinada de quadros angolanos, dentro da visão de formação de quadros postulada pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e que foi muito marcante na História de Angola. “Quando o Capitalismo europeu levou dois séculos a constituir-se, pede-se aos angolanos rapidez na criação do bem-estar”, referiu o palestrante.

Seguiu-se a exposição do professor Pedro Gonçalves, da Universidade de Lisboa sobre “O Eixo da Cooperação Lisboa-Luanda: o Estímulo para o Desenvolvimento dos dois Estados”, à qual se seguiu a alocução da jurista Florbela Araújo, intitulada “Cooperação e Desenvolvimento em Angola”. A sessão da manhã encerrou com a palestra do professor Jorge Catarino Cardoso sobre “A Zona de Comércio Livre da SADC: Desafios para Angola”.

O período da tarde, abriu com a exposição do jornalista e Adido de Imprensa da Delegação de Angola junto da UNESCO, José Luís Mendonça, intitulada “Angola, o CAN 2010: Um País Unido e Catalisado pelo Futebol”. Esta introdução ao CAN 2010 foi feita a título informativo e teve o apoio de seis painéis fornecidos pelo COCAN. Seguiram-se as exposições de Feliciano Manú, economista, sobre “As eleições em Angola: A Democracia em Progresso?”, tendo encerrado com a prelecção do professor Alves da Rocha sobre “Quantos Desenvolvimentos o Crescimento Económico Produziu em Angola?”

No encerramento dos trabalhos, o presidente da Casa de Angola, Manuel Jorge, resumiu os debates do dia que estiveram centrados em torno de questões consensuais, umas, e outras de âmbito académico, muito polémicas. Dentre as primeiras, destacam-se a necessidade imperiosa do combate à pobreza extrema e do desenvolvimento económico-social, bem como a imperatividade da implantação do sistema fiscal. Angola preside a múltiplas organizações internacionais e está, neste momento, a preparar a maior competição futebolística do Continente, o que mostra que o país continua a ter um desempenho muito relevante no domínio da política externa.

A polémica resultou na discussão levada a cabo pelos economistas presentes na sala sobre os indicadores do crescimento económico e a realidade angolana, bem como os efeitos da crise mundial, com base na apresentação da situação económico-financeira de Angola feita pelo professor Alves da Rocha, com base no conceito de desenvolvimento económico moderno de Simon Kuznets. Também se repensou a questão que já vinha do primeiro dia que é a de saber se Angola deve crescer para fora ou para dentro do país, isto é, se deve abrir as fronteiras, num gesto de solidariedade para com os países irmãos ou se deve apostar numa politica de natalidade, como o está a fazer a França? Com a primeira medida, Angola corre o risco de se tornar numa população autóctone minoritária, dada a sua reduzida densidade demográfica. A segunda medida, preconizada até por razões históricas, visto como o colonialismo e a escravatura reduziram consideravelmente o tecido humano na região onde hoje Angola se situa, é de resultados diferidos no tempo.

O colóquio sobre o progresso da democracia e do desenvolvimento constituiu, na óptica do presidente da Casa de Angola em França, um “bom momento de reflexão em comum, e permitiu constatar que “os angolanos podem construir um país que será, nos anos vindouros, uma potência africana”, pelo que agradeceu aos participantes o contributo que cada um deu para que o mesmo fosse coroado de êxito. As actas deste fórum serão publicadas em Novembro próximo, confirmou Manuel Jorge.

Presidiu à sessão de encerramento o embaixador Miguel Costa que agradeceu a iniciativa da Casa de Angola e a participação dos angolanos na diáspora e dos estrangeiros ali presentes, o que é um sinal de que “estamos a exercitar a democracia”, concluiu o dirigente angolano.

Fonte: JA