Lisboa - Na aldeia de Xissa, a 450 quilómetros de Luanda pela estrada que passa por entre aquele pequeno bairro, jovens e velhos têm pouco para fazer, mas cumprem religiosamente uma tarefa centenária: tratar da campa do "Zé do Telhado".

Fonte: Lusa

Robin dos Bosques português

A aldeia, uma dúzia de casas construídas em adobe e com chapas a fazer de telhado, fica a cerca de seis horas de viagem de carro de Luanda, a caminho do leste do país. Localmente, todos sabem a história do "senhor José do Telhado", como insistem em recordar aquele que ficou conhecido, reza a lenda portuguesa, por tirar aos ricos para dar aos pobres, e que ali morreu, ainda no tempo colonial português.

 

Corria então o ano de 1875 e a campa onde foi sepultado, na aldeia de Xissa, cuidadosamente preservada pela população local, acabou transformada, ao longo do tempo, num pequeno mausoléu improvisado com algumas chapas de telhado e um pequeno muro envolvente, regularmente visitado.

 

"Foi boa pessoa, amigo dos pretos. Era amigo de todos, não era mau", explica à Lusa António Sona, soba de Xissa, no município de Mucari, recordando a história de José Teixeira da Silva, imortalizado pela alcunha de "Zé do telhado".


Aos 84 anos, o soba de Xissa ainda tem bem presente as histórias contadas pelo pai e pelo avô sobre o "barbudo", como também era conhecido "Zé do Telhado", que chegou "comandante da tropa portuguesa", vindo de Cabinda, e que ali morreu.

 

A importância do "bandido bom" português para Xissa é tal que as autoridades provinciais autorizaram recentemente a mudança do nome da escola primária e do posto médico.

 

Vão passar a ostentar a designação de "José do Telhado", tal como a campa, ali perto.

 

Munido de um papel com a história do português - que já foi manuscrito e que alguém passou à máquina -, António Sona explica que sucumbiu a um furúnculo kuingongo - doença local ou possivelmente varíola -, desfecho que nem as duas semanas de tratamento com medicamentos tradicionais, levados pelo povo, conseguiram evitar.

 

"Foi comandante de tropa, veio conhecer a área e depois morreu aqui", conta o soba de Xissa, recorrendo igualmente às histórias contadas pelos mais-velhos da aldeia.

 

Hoje, o mausoléu é o ponto mais importante da aldeia, local de visita constante, de "alguns portugueses chegados de Luanda" e de angolanos de vários pontos de Malanje e outras províncias por onde passou.

 

O próprio Governo Provincial de Malanje, conta o soba, verifica regularmente o estado de conservação daquele local, a poucas dezenas de metros da estrada principal, escondido entre o capim.

 

José Teixeira da Silva nasceu a 22 de junho de 1816, na freguesia de Castelões de Recesinhos, Penafiel, Portugal, e destacou-se pelo seu comportamento militar no Exército português, ao serviço dos designados "Lanceiros da Rainha".

 

Com o fim da guerra civil, chegou a estar a caminho do exílio e mais tarde, em 1846, integrou a revolta popular da Revolução da Maria da Fonte. Antes de ser colocado em Angola, terá formado uma quadrilha responsável por vários assaltos, precisamente quando a família passava já por dificuldades e ficou nessa altura conhecido pela lenda que diz que "roubava aos ricos para dar aos pobres".

 

A lenda, portuguesa, terá tido continuidade em Angola, a fazer fé nas palavras também de Pai Valemos Carlos, angolano de 39 anos, morador em Xissa, que as ouviu dos antepassados. "Este senhorinho foi humilde com os negros, é verdade. Por isso a história do senhor 'José do Telhado' nunca parou, até a nossa escola ficou com o nome dele".

 

Reza a história local, conta ainda, que o português ficou conhecido por ser também "amigo dos mais jovens da terra", daí o cuidado que ainda hoje existe com o mausoléu, que resistiu igualmente a décadas de guerra no país.

 

"Temos vindo sempre à campa. É um orgulho para a aldeia, um ponto histórico", atira Pai Valemos Carlos.