Luanda - Volto a escrever sobre o SEF/30 anos depois, mas desta vez apenas para responder às referências que a minha pessoa mereceu na última edição do “Novo Jornal” em dois textos distintos (nº 490/7 de Julho de 2017), sendo o primeiro da autoria de Mário Nelson e o segundo assinado conjuntamente por Augusto Teixeira de Matos e António Henriques da Silva.

Fonte: Opais

Não é todos os dias que merecemos uma réplica a três mãos, pelo que, antes de mais e sem qualquer ironia, gostaria de destacar aqui pela positiva esta atenção que me foi dedicada por parte de figuras tão relevantes do nosso passado histórico e que acabou por produzir mais alguma luz sobre o dossier, que pelos vistos está cada vez mais apaixonante.


A “tréplica” estaria perfeita e seria a todos os títulos pacífica e bem-vinda, se no segundo texto os seus dois autores não tivessem caído na tentação de me darem uma “lição de moral”, com uma desnecessária advertência para “perigos” que eu não consigo divisar num exercício tão normal nestas lides e nestes tempos.


Como é evidente, se Angola ainda vivesse nos terríveis tempos que já lá vão e que espero que nunca mais voltem, esta referência ao “perigoso” que é “confundir a juventude” seria, certamente, entendida por mim como uma ameaça de consequências imprevisíveis para a minha própria liberdade e integridade física.


Felizmente que já não vivemos tais tempos, o que não me impede de lamentar esta formulação utilizada, fazendo um esforço para acreditar que não houve qualquer intenção dos seus dois signatários de me ameaçarem, incluindo na sua forma mais velada, que agora se usa muito. Para as próximas gerações, o que representa algum perigo em meu entender é a gestão silenciosa de quem tem as informações e os arquivos de um país feito sobretudo nos bastidores e nos conchavos e até agora, mais de 40 anos depois, os continua a guardar a sete chaves.


Um país que também tem a particularidade de não ter propriamente arquivos oficiais históricos abertos à consulta pública.


Sobram os jornais, os documentos que cada um guardou nas suas gavetas e as memórias, que são sempre mais ou menos selectivas. Também não posso aceitar a “aula de bom jornalismo” que me foi passada.


Em sede de uma simples coluna de opinião, que foi o espaço onde publiquei os dois pequenos textos no semanário “O PAÍS” que provocaram a “tréplica” no “Novo Jornal”, eu tive o cuidado de esclarecer que a minha contribuição estava a ser feita com o concurso das memórias e das opiniões do conhecido economista José Manuel Cerqueira (JMC).
Ele foi efectivamente para mim o “Mr. SEF”, sem, obviamente, ignorar e muito menos desvalorizar, a maior ou menor importância de todos quantos deram a sua contribuição na época para aquilo que eu considerei ter sido a nossa “primeira primavera económica”.

À falta de melhor avaliação, parece-me que a intenção desta “lição” foi “matar o mensageiro”, entenda-se por outras palavras, desqualificá-lo, descredibilizá-lo, achincalhá-lo.


Como devem imaginar, não estou em condições de me pronunciar se este objectivo foi ou não alcançado pelos responsáveis por este “homicídio” na sua forma tentada. Competirá em primeira mão os próprios "tentadores" fazerem esta avaliação.


Ao longo das duas crónicas publicadas, não restam muitas dúvidas quanto ao facto de eu ter, como jornalista, procurado obter a opinião do referido economista para um melhor esclarecimento do que foi realmente o SEF.
Tal propósito não me parecia estar muito claro no dossier elaborado e publicado por Mário Nelson, com a agravante do mesmo ter sido publicado em várias edições, o que também por força desta dispersão, acabou por não facilitar muito a sua compreensão, sobretudo por parte daqueles que não viveram os factos.


Aliás, o próprio José Manuel Cerqueira deu a semana passada uma entrevista ao “Jornal de Angola” onde com mais propriedade e na primeira pessoa reafirma o que consta nos meus “perigosos” artigos.


Pelo que aprendi nos manuais de jornalismo, uma coluna de opinião não é bem o espaço adequado para se publicar uma matéria jornalística de investigação histórica, onde de facto o seu autor estaria muito mal se apenas contasse com uma fonte para os devidos efeitos.


Uma coluna de opinião, mesmo quando assinada por um jornalista, é sempre limitada no seu âmbito, até por falta de espaço gráfico, não podendo por isso ter qualquer pretensão de esgotar temas complexos e até envolvidos em alguma polêmica, como parece ser o caso da paternidade do SEF e o seu enquadramento.


No essencial e para além de algumas imprecisões, o que escrevi tendo como fonte principal José Manuel Cerqueira, é uma contribuição que julgo ser pertinente para um melhor esclarecimento do que foi o SEF propriamente dito, particularmente na sua (não) relação directa com as conclusões do IIº Congresso do MPLA-PT e ao papel de proa que o economista jogou em todo o processo.


Para quem teve a pretensão de esclarecer a história, chamou a minha atenção o facto de se ter limitado a fazer uma citação estranhamente incompleta da Tese sobre a Direcção da Economia do IIº Congresso do MPLA PT, como se estivesse, perdoem-me a suspeição, a querer esconder qualquer coisa.


Para o economista e professor universitário Enes Ferreira, um conhecido estudioso da economia angolana, tal como eu referi nos “perigosos” textos, o SEF foi antes de mais um programa que resultou de uma conjuntura difícil que se arrastava e se agravou com o choque petrolífero registado em 1986 e o peso crescente da dívida externa com a concentração dos encargos do serviço da dívida para o período de 1989-1991.


O SEF, escreveu Enes Ferreira num dos seus trabalhos de investigação, “foi um programa elaborado pelas autoridades angolanas. Porém, pelas medidas que aí eram preconizadas, pela urgente necessidade de meios financeiros externos e do apoio do campo ocidental face a desgastante situação militar, o SEF representou, na prática, uma «Carta de lntenções” dirigida ao FMI e ao Banco Mundial, aos quais, aliás, o governo desde logo manifestou o seu interesse em aderir”.


O autor cita depois o então Ministro da Esfera Produtiva, Pedro de Casto Van-duném (Loy), numa entrevista publicada no Jornal de Angola em Agosto de 1987.


“Pensamos que o nosso programa de SEF não é muito diferente das exigências que o FMI e o Banco Mundial tem feito quando se trata de filiação de algum pais ou da apresentação de propostas para o seu saneamento económico e financeiro. Devo dizer mesmo que o nosso programa em determinados aspectos é até um pouco mais rígido”.


Não quero de forma alguma criar aqui alguma descontinuidade com todo o processo que precedeu o IIº Congresso em 1985, mas o SEF conforme ele foi elaborado um ano depois por JMC, para não falar em tsunami, foi de facto uma verdadeira lufada de ar fresco em relação a todo o pensamento económico que prevalecia na época, mesmo em relação aos “apparatchiks” que tinham uma visão mais reformista/arejada do “socialismo científico”.