Luanda  - Há dois ou três dias escutei, num dos debates passados por uma das Radios da nossa capital, alguém dizendo que o regime angolano não era ditatorial. A ele peço desculpas, mas não tenho outro termo para adjectivar um regime que em pleno tempo de paz, raptou e assassinou Kassule, Kamulingue, Chakussanga, Antonio Zola, Francisco Epalanga, Ganga etc; que lançou para as jaulas jovens que não tinham feito mais que leer um livro; que proibiu ou reprimiu de forma violenta qualquer tentativa de manifestação pacífica no entanto consagrada na Constituição da República etc.. Esse regime, o encabeçado pelo engenheiro José Eduardo dos Santos sim, para mim é ditatorial. Não basta ter uma Constituição e outras leis prόprias de um estado de direito. A prática quotidiana desse regime reuniu actos prόprios de uma ditadura. O que conta é isso, e não o que apesar de escrito, não passou de letra morta.

Fonte: Club-k.net

O mesmo interveniente também argumentava repetidamente que, apesar do seu discurso e programas, a oposição não tem experiência de governação. Ora, então parece que estamos bem perdidos, não? Porque se uns, apesar dos ricos programas que apresentam, desencorajamo-los dizendo que não têm experiência governativa e, os que supostamente têm a tal experiência dos 42 anos, fizeram-no tão mal que nos deixam o país escaqueirado que temos hoje, já não sei se quem pensa dessa forma queria dizer que por falta de experiência, a oposição devia cruzar os braços, e continuar acantonada na esquina da exclusão onde se encontra confinada até que, terminado o “escangalhamento” do país, cheguemos unidos ao inferno, ou qual era a ideia que nos quis vender.

 

Sejamos sérios, claros e razoáveis. De facto, eu ainda não vi nenhum médico que nasceu médico. O médico fez-se médico, estudando a teoria e depois praticando medicina. De contrário estaria noutro sitio. Deixemos o nosso país em mãos competentes, altruistas e responsáveis.

 

Mas o que nos ocupa hoje é de novo um golpe de vista ao que se passa em volta dos nossos processos eleitorais, pois prevalecem nόdoas que não deixam em paz a mente dos angolanos. Estamos no processo das eleições de 2017, mas curiosa e muito tristemente, vemos que, embora haja da parte da cidadania um esforço tremendo para evitar que muita coisa que já se viu como errada volte a repetir-se em 2017, há mesmo forças que chamarei retrόgradas que tentam por todos os meios fazer prevalecer comportamentos e idênticas manobras, no sentido e desejo de ver repetir-se a única coisa que sabem fazer:- a organização da famosa fraude, esse maldito vocábulo que teima em não querer desligar-se das eleições angolanas.

 

Quando se vê e se pensa na forma como a prόpria CNE defende e quer prevalecer na violação das leis como foi no caso da contratação às escuras, das empresas estrangeiras encarregadas de aspectos importantes das operações do processo eleitoral; a sua persistência na contratação da Deloitte; a colocação de assembleias de voto a dezenas de kilometros de certas comunidades de eleitores; a colocação de outras assembleias de voto em residências de sobas; as manobras em volta da questão da observação eleitoral, nacional e internacional; a impossibilidade do voto dos angolanos residentes no estrangeiro; as campanhas de intolerância de membros do MPLA com ataques violentos às sedes e destruição de símbolos de outros partidos; a sabotagem ou obstrução de actividades políticas de outros partidos e tantas outras provocações que se vão registando aqui e acolá (como atestam exemplos dos últimos sete dias no Bairro da Boa Vida, cidade de Menongue e outros na Kaungula, provincia da Lunda Norte para citar sό esses dois); tudo isso, é motivo de perguntar-se: quando veremos as eleições da nossa Angola, definitivamente desligadas desse quadro de práticas primitivas, cujo autor foi sempre o mesmo incorrigível glorioso ?

 

Por outro lado, a forma estranhamente precipitada como, já na recta final de um mandato que durou cinco anos, se pretende aprovar à pressa umas leis tão polémicas como foi o estatuto dos ex-presidentes da República, e a das chefias militares e outros órgãos de segurança, tudo reflecte bem a triste realidade de que há de facto, um certo sector que ficou com a mente paralisada, evitando qualquer tipo de evolução positiva na forma de pensar Angola.

 

Coloquemo-nos longe da generalização pois ha claramente muitos no MPLA, que também pensam como gente moderna, de 2017 e patriotas.. Mas resta uma franja afectada por essa doença e ainda com certa capacidade de impôr a sua matriz ao sector que se esforça em desamarrar-se do atraso de vida desse outro sector, talvez ligado a algumas pessoas que, tendo arrecadado muitos milhões roubados do erário publico e, acossados agora pelos ventos da mudança não sό a nivel nacional como no internacional, tentam “bunkeirizar-se”, na estúpida ideia de pensarem ser esta a forma mais eficaz para se precaverem da possivel perda do botim roubado ou até, de vinganças extras, daqueles que eles próprios sabem terem enganado, nos tempos da sua gradensa. Triste raciocinio.

 

Muito sinceramente insisto que os angolanos, a começar por esses que roubaram, necessitam meter na cabeça primeiro, o autoreconhecimento, bem fundo, de que fizeram alguma coisa errada mas estão prontos a parar para daí, terem a necessária coragem de afrontar o prόximo futuro com muita calma, reflexão, vontade de cooperação, esperança e confiança no amanhã, enquanto os que não roubaram deviam estimular o seu espírito de tolerância, e concluir que não devemos perder tempo com a ideia de privilegiar qualquer tipo de punição no lugar da reeducação de todos, daqui em diante. O passado, devia servir-nos só de referência para não pisarmos mais nos erros do mesmo, permitindo-nos ter, todos, o nosso olhar projectado no futuro risonho que juntos, podemos contruir.

 

Resta-me dedicar a última palavra ao prόximo debate parlamentar e à consequente decisão dos nossos legisladores sobre essa proposta de lei relativa às chefias militares, policiais e de inteligência. Os nossos compatriotas, ilustríssimos deputados do maioritário, têm nas suas mãos a grande responsabilidade e oportunidade única e de ouro, de demonstrarem o seu real amor a essa Pátria que sempre defenderam, votando em consciência a favor dos Angolanos e contra essa proposta. Haja muita coragem para, de peito aberto, votarem no que vai na alma, com firmeza patriótica, porque vença o MPLA, a UNITA, o PRS ou quem quer que seja no dia 23A, o que está nessa proposta de lei é obsceno e cúmulo da anormalidade e por isso, digno de rejeição de todos. Os Angolanos não estão indefinidamente condenados a atipicidades, e muito menos a esta, tão perigosa para a sua estabilidade como é.

A Pátria lhes agradecerá.

18 de Julho de 2017

Virgilio Samakuva