Luanda - Devido ao cenário que se vive hoje na província do Cunene, tornar-se imperioso insistir, como sempre o fizemos, na reflexão sobre as relações entre os governantes/patrões, sedeados em Luanda, e os governandos/subditos “tresmalhados” algures nas “terras do fim do mundo”! E aqui a expressão “fim do mundo” invoca justamente toda a sua carga melancôlica, antipática e sarcástica com que se aninha na mente, no coração de quem governa o País.

Fonte: Club-k.net

Quando hoje se diz que o Presidente da República de Angola não põem os pés no Cunene há 15 anos e que, independemente das boas ou más circunstâncias, não diz se quer uma palavra para o povo desta província, senhores/as, isto seria exigir demais ao Camarada Presidente! Se 38 anos não foram suficientes para governar o país, onde é que ele iria encontrar tempo, vontade e capacidade para visitar as 18 províncias e ter uma palavra para cada uma delas? E por qual razão um “Presidente” de Angola seria obrigado a sair ao encontro das pessoas concretas “dispersas” longe do seu território de presidência? É ilógico pensar numa coisa semelhante. Encontrar pessoas? Falar para pessoas? Isto é uma ninharia de alguns Presidentes que não têm nada que fazer, como o de Portugal, que deixa o ar condicionado do seu Palácio para abraçar uns coitanhos de uma aldeia remota, só porque tiveram um infortúnio! (e que mau exemplo para um Presidende de Angola!). Agora percebe-se porque Odebrecht diz que foi ele que “levou” “MPLA” a eviscerar(-se) e a prolongar o seu pseudo-paternal poder para as terras “limítrofes” e para os povos “marginais”? Duas ilações coerentes com o comportamento do “Chefe” em relação ao caso do Cunene: 1o ou essa gente do Cunene não è mesmo ninguém, não vale nada (em termos de dignidade e respeito) e, então, é só mesmo útil para guerra, voto, security; 2o ou então a “governação efectiva” de Angola é impossível para um só presidente. Como consequência, cada abutre faz-se interceder junto do Chefe para adquir tale porção de terra (província) e tal povo, como se de fazendas se tratasse, para se deleitar e satisfazer as suas manias tiránicas.

 

Purém, as províncias não são do Presidente para serem dadas em alambamento aos abutres! E, para além disso, nas províncias estão pessoas que, como pessoas, exigem um mínimo de respeito e dignidade. E, por isso, devem ser protegidas desses abutres por quem de direito. Infelizmente, existe uma actitude de surdez e de silêncio da parte de quem é de direito diante deste vilipêndio, tortura psicológica e dispersão de que está a ser vítima o povo do Cunene. Talvez porque não é do seu interessa e, por isso, não quer ouvir este grito! Ou talvez porque o Cunene fica muito longe de Luanda, e não tem como intervir! Só consegue mandar para o Cunene pessoas para ensinar essa gente a “usar a sanita”! Este comportamento de pendor utilitarista e desprezivo foi visível no cenário das últimas comemorações da morte do rei Mandume. E quem como eu esteve presente em Oihole, aquando da visita de João Lourenço, não terá tido dificuldades em dar-se conta do desarranjo da máquina político-administrativa! Estavam duas alavancas que freccionavam entre si! Por qual razão? Simples. Passo a palavra aos interlocutores principais: a criança, chamada Cunene e o Pai, chamado José E. dos Santos ( e MPLA?).

- Cunene: Pai, posso fazer-te uma pergunta?
- José Eduardo dos Santos: Sim, pergunta meu filho!
- C.: É verdade que fui util durante a guerra na nossa aldeia?
- J.E.S.: Sim, é verdade, filho.
- C.: Dizem que a senhora CNE asseverou que o meu voto no MPLA em 2012 foi significavo, é verdade pai?

- J.E.S.: É verdade, filho! Votaste como nenhuma outra criança útil o fez, com 92%! - C.: Oh, então sou mesmo especial para o papá, é isto?
- J.E.S.: Certamente, filho! Adoro-te muito e és muito fiél! Aliás és muito útil...

E ainda conto com contigo para as próximas eleições de 23 de Agosto de 2017! - C.: O pai disse mesmo, “útil...”? Percebi bem?
J. E. S.: Sim, disse... muito útil, filho!
C.: Uumm....! Então foi para isso que o pai me confiou ao avô Kundy Paihama?
- J.E.S.: Uumm, boa pergunta filho...

Está aqui o nó da questão! O Pai continua a não se interessar pelo Cunene e seus povos, continua a ignorar as reais situações dos povos, suas necessidades e particularidades. Para ele o país continua aquele ponto minúsculo que se esvilumbra desde da lente do seu binóculo (político, cultural, social, intelectual) desfocado pela distância e pelo ritmo tempo. Um binóculo que lhe permite divertir-se e deleitar-se, vendo Cunene e os seus povos com os olhos da época em que os angolanos eram tidos como um bando de gentios! E por isso as pessoas continuam insignificantes e, em lado triste, continuam sempre vistos na lógica da utilidade, como escravos votantes (o que já é muito)! Segundo esta lógica o boletim de voto e o votante têm o mesmo valor. Por isso, têm um tratamento igual. Ganhas as eleições, vai tudo para o lixo (para não dizer para maneta)! Só assim se justificam as duas posturas dos dois generais (KP e JL) em relação à comemorações de Oihole. Por um lado, a postura reabilitante do cabeça de lista do MPLA que, alterando o seu programa inicial, veio ao Cunene para honrar a memória do Rei Mandume, que pelos cuanhamas (e quiçá por Cunene) se bateu morreu. E também veio ao Cunene para reconhecer os feitos do Dr. António Didalelwa, “general académico” (expressão de JL), o mais notável governador do Cunene que por ele se bateu e morreu. Mas deixemos a postura de quem veio salvar a honra de casa! Olhemos para a postura sarcástica e exquisofrénica do general KP em relação a tais figuras e suas memórias. Uma postura que chicotea os mortos! Uma chicotada dada a um teu morto, doí no teu próprio corpo! Os efeitos dos maltratos e desprezos dos mortos se reflectem na alma dos vivos. Portanto se você quer saber até que ponto uma pessoa está de mal contigo, veja como trata os teus mortos! E guarda isto na memória para sempre e narrar esse facto às novas gerações. O respeito pelos mortos é uma coisa sagrada em Angola e no Cunene. Se KP, conhecedor deste supremo valor, para se vingar dos ambós começa por denegrir a imagem dos seus mortos, a coisa é seria! Se ele goza de boa saúde (sobretudo mental), então está decidido em assumir a responsabilidade das consequências dos seus actos.


A declaração de que ele não veio ao Cunene “para agradar os cuanhamas”(e porque não outros povos?) diz tudo. O sintoma está identificado. Neste seu novo reinado, diga-se em abono da verdade, o general KP foi sempre coerente.

Ele põe em prática o que diz. A indisposição de “agradar os cuanhamas” em prática significa destroçá-los, amordaçá-los, destruindo-lhes a dignidade, a lealdade e a verticalidade que são o bilhete de identidade deste povo. Não “agradar os cuanhamas” traduz-se em provocar nos ambós uma rotura radical com o seu passado; Levá-los a destruir com as próprias mãos os túmulos dos seus próprios mortos; Obrigá-los a comer a carne dos seus próprios mortos. Ele sabe que a força dos vivos vem da bravura dos mortos. A figura do falecido Prof. Didalelwa, na consciência colectiva odierna representa um elo de ligação entre as gerações. Liga as novas e velhas gerações. Para os cuanhamas em particular, ele liga estes ao seu último rei. Não porque o Didalewa tenha sido rei. Ele foi um simples governador. Mas as circunstâncias favoreceram-no, em pouco tempo, a dar uma nova imagem do Cunene. E fê-lo com muita dedicação. E isto granjeou-lhe grande estima do povo. Isto fez dele um nó de ligação, uma tentativa de coesão do tecido cuanhama, que há décadas sofria de dispersão. E sobretudo, ad positivo, meteu em crise a imagem das anterior governações (incluindo a do KP).


Neste contexto, para o KP falar bem ou calar-se acerca da governação de António, significaria fazer memória a um morto. Isto daria uma força incrível às novas gerações que se revêem na pessoa do Prof Didalelwa. Fazer memória ao Mandume seria potenciar um orgulho em ambas gerações – velhas e novas- e quiçá nas próximas. Tal coisa, na visão de KP é humilhante, é um vexame. Então ele prefere “puxar do gatilho”, como já vez em outros tempos, para dispersar e levar os cuanhamas a pagar pelos erros dos seus antepassados. Se os cuamanhas não renunciam e não resignam à memória desses (Mandume e Didalewa), então devem assumir em primeira mão o jugo dos “erros” dos seus heróis. E, como a renúncia é impossível aos cuanhamas, não resta a eles pagar a conta, a preço alto, o que devem ao general KP: com as perseguições, insultos, injúrias e difamações e disperssões de vário tipo.


Não “agradar os cuanhamas”, nos factos, traduz-se em afastar do governo da província todos aqueles que integraram a anterior governação ou que com esse se identificaram; Significa emburrá- los para longe dos lugares de decisão e mandá-los para “casca da rolha”. No caso em que se maltratam pessoas e povos sem motivo nenhum, o general está em perfecta coerência com a surdez o silêncio de Luanda. Se o meu intelecto não me traí, o comportamento do KP está em sintonia com as estruturas centrais, com Gabinete político do MPLA (com o Bureau), em sintonia com o Presidente da República. Foram eles que deram o Cunene em alambamento ao KP. O general está a pôr em prática o programa de governação delineado para o Cunene, depois da morte do Prof. Didalelwa. Se na véspera das eleições, que são o meio através do qual o povo do Cunene exerce a sua utilidade, e digo mesmo utilidade/seu valor, um governador, 1o secretário do MPLA na Província, exonera os administradores, maltrata o povo e cria descontentamento e discórdia entre as popolações, que lição nos quer dar? Em nome de quem governa e em função de que coisa? Quais são os objectivos deste senhor? Com que cara (de pouca vergonha) é que ele vai fazer a campanha para as eleições? Só isto nos faltava, deixar governar os doidos! Sim, para dizer que, se um idiota governa é porque os governandos são mais imbecís do que ele! As Comissões que têm sido enviadas ao Cunene para auscultar “algumas pessoas” acerca desta situação, voltam a Luanda certamente satisfeitas com o que ouvem e vêem. Também os seus mandantes estão satisfeitos. E, por isso, depois de partirem não se diz mais nada das conclusões.


É a mesma perícia de sempre! Eles foram, mas deixaram-nos um mimético: “tréguas no Cunene”! E ao KP, «bom trabalho, general». Também, desta vez, desconfio que o “dossier” não venha ser encavetado, sempre na linha da surdez e do silêncio que caracteriza Luanda em relação ao Cunene. Esta criança, chamada Cunene, vive entre a humilhação e a surdez. Ela deve fazer memória ao seu passado, deve pensar bem no seu futuro! O meu desejo é que esta criança atinja a idade racional de votar, tome consciência de que votar significa decidir para o seu bem presente e futuro! E não significa ser útil ou fazer favores a quem quer que seja! Vivas as eleições conscientes, livres e justas! Viva a democracia angolana!