Luanda - Hoje, sexta-feira, é praticamente o último dia do interessante programa que desde domingo passado, integrados num “grupo palopiano”, andamos a cumprir na Alemanha, onde a convite das autoridades federais nos foi dada a possibilidade de perceber em poucos dias, o que não tem sido muito fácil, como é que está concebido e como é que funciona o seu sistema politico-eleitoral. Desde logo o facto de este convite ter coincidido com as nossas eleições, foi um dos factores que mais nos entusiasmou, pois muitas vezes é pela via da comparação que encontramos as melhores repostas e esclarecimentos que procuramos para os nossos problemas domésticos.

Fonte: Opais

No caso, as nossas expectativas foram em grande medida satisfeitas pela positiva, passe a redundância, que é propositada. Encontrei aqui razão para sustentar melhor uma das críticas que tenho feito ao nosso sistema e que tem a ver com a extinção dos partidos, pelo facto de não conseguirem 0,5% dos votos expressos numa eleição.


Na Alemanha a criação de Partidos é livre e a sua extinção só pode acontecer em decorrência de uma ostensiva e grave violação da Constituição do país, devidamente avaliada pelo Tribunal Federal Constitucional. Para além desta, encontrei no sistema alemão outras razões interessantes que vão ao encontro das minhas preocupações e que terei a oportunidade de partilhar com os leitores desta coluna numa próxima oportunidade.


Trata-se de um sistema complexo de três níveis (Federal /Estadual / Local) desenvolvido ao longo das últimas sete décadas, desde que em 1945 terminou a IIª Guerra Mundial, com a derrota total do projecto nazista de dominação global, para alívio de toda a humanidade, mas com um pesado balanço de vítimas humanas e devastações materiais, cujas consequências até hoje se fazem sentir. Desde esta altura e dividindo basicamente as suas simpatias politico-partidárias entre a União Cristã-Democrata (CDU) e o Partido Social-Democrata (SPD), os alemães foram 18 vezes às urnas para elegerem um Parlamento Federal, o Bundestag, de onde emerge o Governo de todos os alemães que tem à sua frente um Chanceler Federal, que é o “homem forte” deste país, que tem entre outras particularidades, a de ser só a maior potência económica europeia.


No caso dos últimos 12 anos, os alemães passaram pela primeira vez na sua história do pós-guerra, a ter não um “homem”, mas sim uma “mulher-forte” chamada Angela Merkel, que quer continuar a governar por mais 4 anos, caso derrote o novel Presidente do SPD, Martin Shulz, regressado recentemente de Bruxelas, onde até ao ano passado foi o Presidente do Parlamento Europeu a culminar a sua carreira de eurodeputado iniciada em 1994. Até agora as sondagens têm sido muito mais simpáticas com as pretensões de Angela Merkel, mas nada ainda está fechado emmatéria de apostas e muito menos no que toca aos resultados definitivos, que sempre poderão surpreender os alemães e a própria Europa, que, entretanto, estabilizou com a vitória de Macron em França, depois de se ter receado o pior, um verdadeiro pesadelo, com a possibilidade da extrema-direita poder entrar no Eliseu vestida de mulher.


Na Alemanha não há para já nenhuma ameaça da extrema-direita, mas admite-se que pela primeira vez o partido que representa as cores mais sinistras do espectro político local possa conquistar alguns lugares residuais no Bundestag, depois de já ter conseguido o mesmo em alguns dos 16 parlamentos estaduais. Pela 19ª vez, os alemães preparam- se assim para dentro de pouco mais de dois meses, a 24 de Setembro, voltarem às urnas e decidirem se será novamente Merkel ou Shulz a reinar em Berlin, uma cidade com a qual temos uma antiga relação de amizade que já tem nesta altura 42 anos de idade. Domingo foi em Berlin onde este programa teve início e onde permanecemos os primeiros três dias, o que sempre deu para matar saudades e revisitar memórias, com destaque para a Alexandre Platz.

No nosso tempo, a Alexander Platz era o centro da vida mundana de Berlin Oriental.

Todos convergíamos para lá. Hoje continua a ser uma referência importante da capital alemã reunificada. Foi muito especial para mim este reencontro com o Relógio do Mundo, a principal referência da espaçosa Praça, no mesmo local onde o deixei há 42 anos e ainda a trabalhar… Com efeito voltei à cidade europeia que mais contribuiu para a minha formação como jornalista no que toca a aprendizagem dos seus fundamentos teóricos.


Voltei a Berlim não sei quantos depois de cá ter estado pela última vez numa altura em que ainda existia o Muro que vi dos dois lados. A primeira em 1976 a partir do território da extinta RDA/Berlin Oriental onde vivi e estudei durante 4 meses. A segunda foi a partir do outro lado do Muro em Berlin Ocidental, onde estive alguns dias em visita a convite do Governo Federal. É a primeira vez que visito Berlim sem o Muro que tão bem conheci olhando para ele dos dois lados. Berlim já não tem muros.


Sobraram as pontes, os alemães e as bolas de Berlin, que alguém me explicou que afinal de contas se comem mais em Portugal do que aqui, porque quem as inventou há bwé foi uma padeira portuguesa. Percebi assim melhor por que é que nós herdamos o gosto pelas tais bolas. Mas sempre acabou também por sobrar um bocado do Muro/ Mauer que agora já não divide ninguém, nem impede a livre circulação de pessoas e bens, sendo apenas um dos locais (transformado em Memorial) mais visitados pelos turistas no seu tour pela reunificada capital alemã. É efectivamente o único espaço da cidade onde ainda é possível saber como é que este muro, edificado num fim-de-semana, existiu na realidade do concreto do seu betão (1963/1989). Os muros também têm direito a descansarem em paz. Em abono da verdade os muros não têm culpa nenhuma de serem utilizados para dividir os homens, quando é este o seu propósito. São os próprios homens que usam os muros e só a eles pode ser pedida responsabilidade.


Alemanha/Angola: As distâncias que separam as duas eleições (2)

Da Alemanha onde estivemos a semana passada a trabalhar e a passear durante seis dias a convite do Governo Federal, trazemos na bagagem várias notas, algumas das quais já aqui partilhadas, ainda a partir do país visitado, relacionadas sobretudo com o grande tema político de qualquer democracia que são as eleições que nós “estaremos com elas” no dia 23 de Agosto e que eles vão estar um mês depois, mais exactamente no dia 24 de Setembro.


Eleições que vão ditar por mais 4/5 anos o futuro dos dois países, sendo o caso angolano aquele que mais “adrenalina” está a suscitar, embora o alemão, também não seja assim tão previsível.


Nos dois países os eleitores têm pela frente novidades interessantes, resultantes da entrada e saída de cena de protagonistas, numa movimentação que pode efectivamente apontar para uma alteração substancial das respectivas conjuntutras politico-partidárias.


Nos dois momentos que se avizinham a passos cada vez mais rápidos, milhões e milhões angolanos e alemães estão uma vez mais tirar o sono aos seus políticos, com a incerteza que rodeia sempre estes testes nacionais.


Isto por mais que as imagens preliminares das campanhas e as sondagens nos tentem de véspera matar a curiosidade com alguma possibilidade de acertarem em cheio no resultado que todos aguardam com expectativa, mesmo aqueles que já não se dão ao trabalho de sair das suas casas para irem votar, em percentagens que são cada vez mais significativas, quer cá como lá.


Estamos como é evidente a falar das taxas de abstenção, sendo caso angolano ainda mais difícil de avaliar em toda a sua abrangência, tendo em conta antes de mais o número de cidadãos que já têm o direito de votar e que por qualquer motivo não se conseguiram registar pela primeira vez.

A esta cifra acrescentam-se os três milhões de “zombies” que foram retirados a força do ficheiro anterior porque não fizeram a sua actualização/prova de vida.


Nesta conformidade, o sistema concluiu do alto da sua prepotência que eles já não pertencem ao nosso mundo, porque não conseguiram provar que estão vivos.


Só mesmo um sistema atípico pode transferir para o cidadão este ónus, por razões que todos nós percebemos e que só podem estar relacionadas com a incapacidade administrativa do próprio Estado angolano em saber quem no seu território está definitivamente morto e quem ainda pode estar vivo.


Desde logo é aqui que a realidade alemã e a angolana começam por se distanciar a milhas, embora as duas tenham estado na sua origem fortemente condicionadas pela herança de uma devastadora guerra.


Os alemães há muito que deixaram de ter este tipo de preocupação, competindo exclusivamente ao Estado realizar pela via da administração, com base no registo civil, toda tramitação que confere ao cidadão o direito de eleger e ser eleito quando ele atingir a maioridade, o que pressupõe naturalmente a sua inscrição na respectiva circunscrição eleitoral.


Pela mesma via, os mortos “desaparecem” automaticamente dos ficheiros, não precisando assim ninguém de, sempre que houver eleições, ser obrigado por lei a provar que não é um “zombie”, o que até ver vai continuar a ser o nosso caso.


Uma das questões que coloquei a um dos vários responsáveis alemães com quem nos cruzamos neste périplo pelo sistema eleitoral da maior potência económica europeia foi para saber se algum dia lhe tinha passado pela cabeça organizar eleições sem que a maior parte dos eleitores do seu país tivesse um endereço postal/número de porta, que é o nosso caso.


A resposta dele foi quase espontânea, tendo-me dito que efectivamente nunca lhe passara pela cabeça uma tal hipótese, deixando claramente entender que não é possível desenvolver qualquer sistema de organização dos cidadãos na Alemanha sem ter por base o seu endereço postal.


Na Alemanha quem começa por controlar/fiscalizar todo o processo eleitoral são os próprios cidadãos.
Isto quer dizer que o alemão tem garantido o direito de, individualmente na sua circunscrição eleitoral, observar o acto eleitoral no dia da votação.


Quando observamos entre nós toda a “confusão” que é a acreditação por parte da CNE dos delegados de lista que vão garantir esta fiscalização do acto, ficamos sem perceber as razões de tantas dificuldades, se não houver mais uma vez o tal gato escondido com o rabo de fora, que é uma das grandes referências da nossa “fauna política”, que se torna particularmente activa nos anos eleitorais.


Como é evidente na Alemanha já muito poucos serão os eleitores que acreditam que o sistema pode ser manipulado a favor deste ou daquele partido.


Se algum dia esta desconfiança básica, que em todas as eleições aumenta entre nós, existiu na Alemanha, ela já pertence mesmo a um passado distante, cerca de 70 anos depois do país se ter refeito do pesadelo nazista e ter entrado para a rota da democracia liberal.

(28/07/17)