Luanda - Quando ouviu a confirmação que o "mimoso" estava a concorrer para Presidente da República de Angola, Flora, 74 anos, passou dias sem dormir, recordando quando, ainda criança, na casa dos padrinhos, na Canata, Lobito, tomava conta de João Lourenço.

Fonte: Lusa

Tinha então 11 anos e vivia na casa dos pais do candidato do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), um enfermeiro do porto do Lobito, Sequeira João Lourenço, e uma costureira, Josefa Gonçalves Cipriano Lourenço, com quem de resto aprendeu o ofício de modista. Durante o dia, além da escola, tomava conta de João Lourenço, filho dos seus padrinhos e por isso "irmão", como é da tradição local.

"Era muito mimoso, por isso lhe deram o nome de mimoso. Não sei se ele se recorda desse nome, mas era muito calmo, não queria confusão. Não saía do quintal", recorda Flora Mukebe, hoje modista, a morar desde que nasceu no Lobito, e reformada à força depois de a máquina de costura ter avariado.

"Eram três irmãos na altura e eram como meus irmãos, porque eram os meus padrinhos", explica.

João Lourenço, vice-presidente do MPLA e general na reforma, concorre como cabeça-de-lista do partido às eleições gerais angolanas de 23 de agosto, tentando suceder a José Eduardo dos Santos como chefe de Estado.

Para fechar a campanha eleitoral fora de Luanda, Lourenço escolheu Benguela, onde foi governador provincial, a cidade do Lobito e a comuna da Canata, onde nasceu. O comício é na quinta-feira mas, na Canata, centro da cidade portuária do Lobito, comuna com sete bairros e 41.800 moradores, o vermelho e preto, cores do partido, estão por todo o lado: "Camarada João Lourenço o Lobito está contigo", lê-se nos panfletos que invadiram a cidade, tratando-o como "filho de Benguela".

Flora assiste ao frenesim dos últimos dias, com a preparação do comício do Lobito, hotéis cheios e agitação na rua, sem antecipar qualquer resultado para as eleições da próxima quarta-feira. Recorda apenas o "mimoso" irmão de casa, na Canata. "Imaginar [poder chegar a Presidente] não, mas sabia muito bem que ele é grande. Não tenho palavras. Só Deus sabe", conta, emocionada.

"Muito calmo, não falava para ninguém. Quando é calmo é porque é boa pessoa, e não saía do quintal", recorda ainda.

Antigo bairro de casas de pau a pique, ocupada pelos trabalhadores angolanos das grandes empresas instaladas no Lobito no tempo colonial português, como o caminho-de-ferro ou o porto de mar, a Canata cresceu com o fim da guerra civil em Angola e é formada hoje por centenas de casas de construção artesanal e em chapa, por entre ruas de terra e lama.

Junto a um salão de beleza improvisado, roupa estendida rua fora e uma mulher a cozinhar no exterior, o soba da Canata - autoridade tradicional - interrompe o julgamento de um caso de acusações de feitiçaria entre um antigo casal para falar sobre a pessoa, por estes dias, mais conhecida do Lobito.

"Chamavam-lhe mimoso, naquele tempo, porque ele obedecia bem aos seus pais. Muito respeitoso. Tinha um juízo diferente aos outros", conta António Júnior, soba comunal da Canata há 14 anos, recordando os relatos da altura em que João Lourenço crescia no mesmo bairro.

"Naquele tempo este já era um bairro afamado. Todo o elemento que viesse para o Lobito tinha que passar na Canata, ou então não tinha visitado o Lobito. Naquele tempo já era um bairro com muita fama", conta.

Na mesma área da Canata onde João Lourenço cresceu, o soba local tem hoje a sua pequena loja e na véspera do grande comício, com o dia das eleições a aproximar-se, as conversas seguem no mesmo caminho: o orgulho no "canatiano" do momento.

"Muito satisfeito. Sozinho, na cama, na mota ou onde for, sinto-me orgulhoso", atira o soba, logo secundado pela maior autoridade tradicional do Lobito: "Estamos prontos a receber o nosso filho. Ele é canatiano. Ele mesmo, como pai, não vai esquecer o Lobito, a Canata, onde ele nasceu", afirma Afonso Sukumuna, soba regedor municipal do Lobito.

Em pleno centro do bairro, por entre bandeiras que marcam o território de João Lourenço e do MPLA, dezenas de jovens juntam-se a jogar futebol logo às primeiras horas da manhã, numa espécie de campo, de terra, pedras e lama.

Joga-se o "Torneio João Lourenço", organizado pela "Academia de Futebol Clube Amor ao Próximo Gamboa Lisboa", da Canata. O clube, fundando em 2011 por Gamboa Lisboa para tentar tirar os mais novos da delinquência, junta hoje 350 jovens do bairro.

O objetivo é aproveitar a presença de João Lourenço na Canata para pedir ao candidato uma viatura que garante o transporte dos jogadores, com Gamboa Lisboa, 38 anos, antigo trabalhador de uma petrolífera, a multiplicar-se no apelo, enquanto se joga uma das partidas da competição: "A taça é tua, João Lourenço. Precisamos aqui de uma 'hiace' [viatura], para transportar esta juventude toda e para acabar com a delinquência".

Na quinta-feira, dia do último grande comício fora de Luanda, a Canata promete ser local firme e seguro para o candidato "mimoso".