Brasil - De vários pontos da cidade, é possível avistar os dois edifícios em cimento, ainda inacabados. Eles ficam próximos à região central de Luanda e serão, se tudo sair como o previsto, parte de um portentoso complexo com salas de escritórios, apartamentos residenciais e um apart-hotel. Quem está por trás desse empreendimento é um brasileiro.

*Marcos de Moura e Souza
Fonte: Valor Economico

Valdomiro Minoru Dondo, nascido no interior de São Paulo. tornou-se um dos empresários mais bem sucedidos de Angola. Ele representante de uma classe de homens de negócio que cresceu, e ainda cresce, de mãos dadas com o governo de José Eduardo dos Santos, que está para deixar a Presidência do país, após 38 anos.


Os angolanos elegem amanhã um novo presidente, e o candidato do MPLA (partido do governo), general João Lourenço, é o favorito. O brasileiro, assim como outros empresários que prosperaram na era Santos, está na expectativa do que essa histórica mudança representará para os negócios no país. Dondo diz esperar que o novo governo angolano seja semelhante ao governo argentino de Mauricio Macri: mais amigo do livre mercado e da iniciativa privada.


Dondo é uma personalidade conhecida nos altos escalões do poder em Angola. Tem e teve negócios com integrantes do governo Santos - uma dessas sociedades é no complexo de Kinaxixi, dos prédios em obra. Um empresário angolano disse à reportagem que vê Dondo de duas formas: como um dos grandes capitalistas do país ou como um grande testa--de-ferro de autoridades. O fato é que seu grupo empresarial atua em vários ramos, e ele afirma empregar cerca de 5.000 pessoas em Angola.

 

Dondo está no país há mais de 30 anos. Sua ascensão e polêmicas explicam, de certa forma, a história recente de Angola, que até 1975 foi colônia portuguesa, depois virou área de influência da URSS e só recentemente tem dado passos em direção à economia de mercado.


"Vim em 1985. O país estava em guerra, e a economia era bem pior do que é hoje" relembra Dondo. "Para sua sobrevivência, o país dependia basicamente de doações externas." Ele era então um especialista em comércio exterior que descobriu rapidamente que, se havia guerra, também haveria contratos para serem assinados.


"Quando cheguei aqui tive uma agradável surpresa porque, como trader, vi um mercado totalmente aberto em Angola.

Acabamos ficando aqui", disse ao Valor em seu escritório de estilo clássico, com móveis de madeira escura e detalhes em dourado, decorado com quadros que parecem copiar obras renascentistas. O escritório fica num edifício discreto em Mutamba, bairro onde, como em boa parte da capital angolana, há vários pontos degradados, com calçadas quebradas e ruas sujas.


Nos anos 80, Dondo trabalhava para a rede de supermercado Disco, do Rio. Os proprietários, uma família de origem portuguesa, tinham ainda uma trading, onde Dondo atuava. Eram tempos de negócios excêntricos e ele se diverte em relembrar um desses casos.


A trading do Disco, conta ele, queria vender café solúvel para a URSS. Como os soviéticos não tinham dinheiro, e a operação foi feita à base do "counter trade", também conhecido como escambo. Os russos, segundo o empresário, pagavam em vodka. O Brasil não tinha interesse em importar a bebida, mas o Canadá sim. E o Canadá, por sua vez, era fabricante de satélites que o Brasil, por meio da Embratel, queria adquirir.


"Era isso, uma operação linda. Só que a engrenagem não funcionava bem devido às dificuldades da Rússia comunista, sem muita agilidade, o que fazia o negócio caminhar muito lentamente."


Foi nessa época, diz Dondo, que apareceu na trading do Disco, no Rio, um sujeito de Angola dizendo que havia sido enviado pelo governo para buscar fornecedores de alimentos. "Não sabíamos o que era Angola. Naquele ano, 1984, conseguimos fazer um primeiro carregamento de alimentos: carne seca, açúcar, arroz, batata. A cesta básica.

Fizemos uma, duas e, na terceira operação, decidi conhecer o cliente", conta. "Acabamos ficando aqui", diz Dondo, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa.


Angola era um país em guerra. O regime comunista do MPLA enfrentava a guerrilha Unita, apoiada pelos EUA, num palco africano da Guerra Fria. Os combates ocorriam mais no interior e menos em cidades costeiras como Luanda.


"Luanda não tinha conflito, mas nós sentíamos o clima da guerra porque víamos os caças e diariamente vinham os feridos e os mortos para cá. Víamos os militares à caça de jovens pela rua para irem para a frente de combate. A cidade não tinha infraestrutura, não tinha hotel", lembra Dondo.

Na mesma época que Dondo dava seus primeiros passos aqui, Emílio Odebrecht trazia sua empresa para trabalhar na construção da hidrelétrica de Capanda. Houve mobilização de milhares de trabalhadores, e a trading do Disco participou da operação de abastecimento dos brasileiros e angolanos que atuavam o projeto, diz o antigo trader.

A Odebrecht guarda registros trágicos dessa obra. Alguns de seus trabalhadores foram mortos em ataques da Unita, e a obra mesmo chegou a ser invadida e danificada pela guerrilha.


Os anos se passaram e o Disco, tendo Dondo como executivo em Angola, continuava exportando alimentos para o país. Era um mercado demandante, em guerra, numa economia socialista em que o Estado se ocupava de tudo.

 

Em 2002, o MPLA matou em combate o líder máximo da Unita, Jonas Savimbi. Logo a guerra acabou. Os grupos combatentes se limitaram à disputa política, e a economia começou a se abrir. O presidente Santos e seu partido tinham dado mostras anos antes de que queriam rever a experiência socialista, mas, com a guerra, as mudanças só começaram em 2002.


"Em 2002, de uma maneira muito rápida, passamos do socialismo ao capitalismo", diz Dondo, que nesse mesmo ano deixa de ser executivo do Disco para se lançar como empresário do pós-guerra em Angola. "Como já estava aqui, via o potencial e passei a criar empresas. Tinha muito espaço no mercado."


Dondo conhecia o país e, antes mesmo do fim da guerra, havia solicitado cidadania angolana. Sabia que isso facilitaria a vida de qualquer empreendedor. Descendente de japoneses, nascido em Lucélia, cidade próxima de Araçatuba (SP), adquiria a nacionalidade angolana desde 2000. O curioso é que seu sobrenome, Dondo, é o nome de uma antiga e histórica cidade angolana.


Com cidadania angolana, uma economia aberta e muitos contatos com gente do governo que fizera desde 1985, Dondo partiu para suas primeiras empreitadas. Uma delas, uma empresa de ônibus - ou auto-carro, o termo local.


"O ministro dos Transportes me desestimulou. Ele disse: 'Esqueça porque a aqui na África não temos cultura de andar de auto-carro.'" Mas como em Luanda praticamente não havia transporte público - e ainda hoje é precário - Dondo resolveu fazer um teste com alguns ônibus usados. "Essa nossa empresa, a Macon, hoje atende a cidade e o país todo. Atendemos o urbano e o interprovincial."


Foi ele também que criou, segundo conta, a primeira empresa atacadista de medicamento do país, a Neofarma. Era outro vácuo no mercado local. "Aqui quem fazia o abastecimento de remédios eram os comissários de bordo. Mas tinha talvez só uma meia dúzia de farmácias." Hoje, diz, há dezenas de atacadistas como a dele.


Ele também é um dos donos do Belas Shopping, numa região distante do centro de Luanda, onde há prédios novos, ruas e avenidas largas e bem iluminadas, cheias de SUVs novas. "O primeiro cinema que surgiu na cidade foi no shopping, os primeiros fast-foods também." A Odebrecht é sócia do empreendimento.


Além da Macon e da Neofarma, cita outro empreendimento na área de tecnologia, que presta serviços para o governo. "Fazemos emissão da carteira de identidade, prestamos serviço ao instituto nacional de segurança social, ao ministério das Finanças."


De certa forma, Angola precisou dele até para ter notas de Kwanza, dinheiro local, circulando no país. "Nós fizemos durante dez anos o fornecimento de cédulas angolanas", que eram feitas na França, diz ele. Em 1999, com o país ainda em guerra, o empresário conta que assinou um contrato de representação com a Oberthur, empresa francesa fabricante de papel moeda, uma das líderes mundiais em seu ramo. O contrato terminou em 2010, mas as últimas entregas foram feitas em 2011. "Depois, passaram para os russos".


Dondo diz que recebia da empresa francesa uma remuneração de 35% do valor dos contratos. Sua participação nesse negócio lhe rende uma dor de cabeça até hoje, porque a Justiça francesa abriu uma investigação contra a empresa, que também o alcançou. As suspeitas são de fraude contra o Banco Nacional de Angola (o banco central do país), fraude fiscal e apropriação indébita. Ele se diz inocente das acusações e diz que a Justiça francesa procura julgar procedimentos de 2004, 2005, 2006 com padrões de compliace de hoje. Recentemente, a Polícia Federal brasileira realizou a Operação LeCocq que tinha Dondo como um dos alvos. Ele não estava no Brasil.


Na transição do socialismo para o capitalismo, o papel de empresário do setor privado foi ocupado - e, em grande medida, continua sendo - por generais, integrantes do governo e burocratas do MPLA. Algo semelhante ao que se deu na Rússia pós-soviética.


"Aqui, o dirigente público pode participar de empresas como sócio", diz ele. O empreendimento do Kinaxixi, por exemplo, tem participação de gente do governo, afirma Dondo. "Ele só não pode fazer parte do conselho da empresa. Mas sócio e investidor ele pode ser. A lei permite."


Na edição de 2016 do índice de percepção de corrupção, feito pela ONG Transparência Internacional, Angola apareceu na posição 164 entre 176 países. O Brasil estava na 79. Mas Dondo prefere apresentar um quadro mais suave. Diz que não vê corrupção no dia a dia e que Angola tem muitos controles em contratos públicos.


Sobre a eleição de amanhã, quando os angolanos escolherão os novos parlamentares da Assembleia Nacional e o novo presidente, Dondo diz esperar alguma mudança. "A gente vê que eles [do partido do governo] estão querendo mudar." As chances mais altas são de uma vitória do ex-ministro da Defesa, João Lourenço, que tem um discurso de mudanças, apesar de ser do mesmo partido de Santos, o socialista MPLA.


"A esperança que eu tenho é que aqui venha a ser o governo Macri na Argentina. Macri entrou com um bom plano de governo, a comunidade internacional passou a injetar recursos e o país está hoje caminhando bem." Ele, no entanto, não imagina que haverá nenhuma grande guinada. Nem numa situação que o atinge diretamente: a escassez de dólares no país. As obras do empreendimento de Kinaxixi foram comprometidas porque não ele consegue importar no ritmo que queria o material de acabamento. Isso, prevê, só vai melhorar quando o país conseguir aumentar seu nível de divisas.

Casado com uma brasileira e pai de duas filhas, o empresário, de 64 anos, diz ter hoje mais de 20 empresas em Angola. Diz se sentir em casa. "Eu saio por aqui normalmente. Não escolho local para ir. Não tenho nenhum segurança, nunca tive; nem carro blindado." Diz que não é bilionário, como alguns o apresentam. E não revela a receita de seu grupo. Diz apenas que a crise econômica atual - em função da queda dos preços do petróleo, principal fonte de divisas de Angola - afetou a sua receita. "Não há negócios novos há mais de três anos."

Mas dizendo-se otimista, apesar da crise, Dondo faz planos para novos negócios em Angola, nas áreas de mineração - ouro - e agricultura. E diz que há muito espaço para empresários brasileiros. Além de carnes e açúcar do Brasil, a indústria moveleira, metal mecânica, calçados e de confecção teriam clientela certa aqui. "Eu vejo que tem um espaço para tudo. Eles adoram o Brasil. E o Brasil tem tudo o que Angola precisa."