Luanda - Vem o presente texto em análise e contribuição às principais questões e controvérsias suscitadas no processo eleitoral em curso em Angola, desde o dia da votação, 23 de Agosto do corrente, nomeadamente, sobre o apuramento dos resultados eleitorais provisórios e o Acórdão n.o 458/2017 do Tribunal Constitucional sobre esta questão; dos elementos de base para o apuramento dos resultados sejam eles provisórios ou definitivos e das reclamações e impugnações apresentadas e/ou a apresentar pelos partidos políticos e coligação de partidos concorrentes.

Fonte: Club-k.net

1. DO APURAMENTO DOS RESULTADOS PROVISÓRIOS E O ACÓRDÃO N.o 458/2017 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O Acórdão n.o 458/12017 do Tribunal Constitucional declarou improcedente o recurso apresentado pela Convergência Ampla de Salvação Nacional – Coligação Eleitoral (CASA-CE) que pedia a invalidação da divulgação dos resultados provisórios das Eleições Gerais de 2017, pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), considerando que o procedimento adoptado pela CNE, que culminou com a publicação dos resultados provisórios das Eleições Gerais de 2017, está em conformidade com as disposições normativas aplicáveis, referindo-se ao n.o 1 do art. 135.o conjugado com o art. 123.o, ambos da Lei n.o 36/11, de 21 de Dezembro, Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (LOEG) e art. 13.o da Directiva n.o 8/17 de 18 de Agosto. Entretanto, há no referido acórdão uma Declaração de Voto da Juíza Conselheira Dra. Maria Imaculada L. da C. Melo, aliás, douta e esclarecedora declaração de voto.

 

Entendemos que, acordou (decidiu) erradamente o Plenário do Tribunal Constitucional ao considerar que o apuramento dos resultados provisórios além de regulado nos artigos 123.o a 135.o da Lei n.o 36/11, de 21 de Dezembro -LOEG, vem, também, claramente regulamentado na Directiva n.o 8/17 de 18 de Agosto. Pois, ao dispor o n.o 1 do referido art. 135.o “à medida que for recebendo os dados fornecidos pelas Comissões Provinciais Eleitorais (CPEs), nos termos do art. 123.o da presente lei, a Comissão Nacional Eleitoral procede à divulgação dos resultados gerais provisórios de cada candidatura, por círculo eleitoral”, determina que sejam as CPEs as únicas fontes dos dados para a CNE proceder ao apuramento e divulgação dos resultados gerais provisórios. Portanto, nos termos do referido art. 123.o, para o apuramento provisório, os resultados eleitoras obtidos por cada candidatura em cada mesa de voto, devem ser transmitidos pelos presidentes das assembleias de voto às Comissões Provinciais Eleitoras, pela via rápida, devidamente certificada pela Comissão Nacional Eleitoral. Não havia nem há, pois, qualquer duvida ou omissão, nas normas acima referidas, quanto à competência para a transmissão dos resultados eleitorais provisórios, para que a CNE viesse a suprir, completar ou melhor esclarecer, através da Directiva n.o 8/17, de 18 de Agostos, o procedimento devido.

 

Os presidentes das assembleias de voto transmitem os dados às CPEs (n.o2 do art. 123.o LOEG) e, seguidamente, as CPEs transmitem esses mesmos dados, à medida que os recebem, a CNE (n.o 1 do art. 135.o LOEG). A referência feita a CNE na parte final do n.o2 do art. 123.o LOEG (... pela via rápida, devidamente certificada pela Comissão Nacional Eleitoral), quer tão-somente significar que a CNE define qual é a via mais rápida para a transmissão daqueles dados –por sms (short menssage service), telefonema, e-mail, fax, etc., portanto, define o meio, e certifica a fiabilidade do meio escolhido. Apenas isso. O que, aliás, vem reiterado no n.o 3 do art. 124.o da mesma lei e, facilmente, se depreende do preâmbulo, denominação (título) e objecto/âmbito da Directiva n.o 8/17, de 18 de Agostos, como nela se pode ler.

 

Mas isso mesmo, ficou bem melhor fundamentado e esclarecido na douta Declaração de Voto da Juíza Conselheira Dra. Maria Imaculada L. da C. Melo.

2. DOS ELEMENTOS (DOCUMENTOS) PARA O APURAMENTO DOS RESULTADOS

A base para o apuramento dos resultados são, inequivocamente, as actas das operações eleitorais de cada mesa em cada assembleias de voto –art.123.o LOEG. Não existem outros elementos de base para o apuramento dos resultados eleitorais; quer provisórios, inicialmente, quer definitivos a final. Alegou-se a existência de outros elementos, referindo-se a outros documentos, que para além das actas das mesas de voto podem servir ou ter servido à CNE para o apuramento dos resultados. Ora, que documentos são estes?

 

Na verdade, as duas normas que na LOEG se referem aos elementos de apuramento provincial e nacional, estabelecem que o apuramento é realizado com base nas actas das mesas de voto e demais documentos, que a CNE determinar, no caso do apuramento provincial, e demais documentos e informações referentes ao apuramento provincial recebidos das CPEs -arts.126.o e 132.o, respectivamente.

 

Repetimos, que demais documentos e informações são estas?

 

Os demais documentos e informações não são, não podem nem devem ser definidos ou criados do nada pelas CPEs ou pela CNE. São, na verdade, documentos e informações que resultam das dúvidas, reclamações, os boletins de voto sobre os quais tenham recaído as reclamações e as deliberações (decisões) tomadas pelas mesas. Elementos que obrigatoriamente constam das actas das mesas de assembleias de voto ou são a elas apensadas. Por isso, são como que parte delas, das referidas actas, conforme art. 115.o, n.o 3 do art. 118.o e n.o 3 do art.123.o da LOEG, e, posteriormente, das actas dos apuramentos provinciais e nacional, n.o 1 do art. 130.o e n.o 1 do art. 136.o, respectivamente, da LOEG.

 

Conclui-se, pois, como acima se demonstrou, que as actas das mesas de assembleias de voto, com todos os documentos e informações que se lhe juntam e nelas se referem, e cujas cópias são entregues às candidaturas concorrentes, são os os únicos elementos de apuramento dos resultados eleitorais de todas e cada uma das candidaturas concorrentes.

3. DA RECLAMAÇÃO E IMPUGNAÇÃO DAS OPERAÇÕES DE APURAMENTO DOS RESULTADOS

Diz-se: é de pequeno que se torce o pepino e o mal corta-se pela raiz (...). Isto para afirmar que todas as operações eleitorais são passíveis de suscitar dúvidas e podem ser objecto de reclamações. Quer sejam as respeitantes ao início e exercício e termo da votação, quer sejam as operações preliminares, de contagem e as operações de apuramento, escrutínio e transmissão/divulgação dos resultados provisórios e definitivos. – arts.115.o, 118.o, 120.o, 121.o, 122.o, 123.o, 127.o, 130.o, 133.o, 136.o, todos da LOEG, sem prejuízo do Contencioso Eleitoral, previsto e regulado nos termos Capitulo I, do Titulo X, da mesma lei. De facto, ainda que provisórios, os vícios ou erros, deliberados ou não, no apuramento e escrutínio dos resultados eleitorais de cada candidatura podem, se mantidos, refletir-se ou influenciar negativamente na determinação dos resultados definitivos. Aliás, tem se visto que os resultados definitivos, têm sido, com maior ou menor alteração, confirmação dos resultados provisórios(...). Por isso, impugnáveis/reclamáveis. Daí a LOEG permitir as reclamações desde as primeiras às ultimas operações eleitorais e de definição dos resultados. Entretanto, augura-se que tais reclamações sejam fundadas e instruídas com os documentos convenientes.

 

Outrossim, contrariamente aos argumentos apresentados pela CNE para indeferir, considerando improcedentes, as últimas reclamações do partido UNITA e a coligação de partidos políticos CASA-CE, não há, efectivamente, na LOEG nenhuma norma que impõe como requisito prévio para a apreciação das reclamações dos concorrentes pela CNE a reclamação anterior a nível das mesas das assembleias de voto, das Comissões Municipais Eleitorais (CMEs), e das CPEs. Não há aqui qualquer imposição de precedência ou esgotamento obrigatórios das reclamações, para que a CNE as possa apreciar, como se sustentou, pelas seguintes razões:

 

a) Trata-se, em qualquer dos casos, de uma reclamação administrativa, no âmbito dos recursos à via graciosa, sendo as CMEs e CPEs órgãos da própria CNE –n.o 2 do art. 141.o da LOEG;

 

b) Não resulta da Lei que a CNE só deva admitir e apreciar as reclamações anteriormente apresentadas aos seus órgãos locais, pois, a norma que se refere sobre a apreciação das questões prévias ao apuramento nacional (art.133.o LOEG), dispões apenas que “no início dos seus trabalhos, a CNE decide sobre os boletins de voto em relação aos quais tenha havido reclamação (...)” –sem se exigir que estas reclamações tenham sido feitas ou provenham dos órgãos locais da CNE. (idéia e negrito conclusivos nossos);

c) O que, aliás, se pode concluir do confronto desta norma (art.133.oLOEG) com a norma do art. 127.o da LOEG, sobre a apreciação das questões prévias ao apuramento provincial, onde se diz, no seu n.o 2, “os boletins de voto em relação aos quais tenha havido reclamação e os boletins considerados nulos, caso não tenham sido resolvidos pela Comissão Provincial Eleitoral, são remetidos, com a acta e demais documentos respeitantes à eleição, à Comissão Nacional Eleitoral, que as aprecia definitivamente, nos termos do n.o 3 do mesmo artigo”. Pelo que, não têm de ser necessária e novamente estas as reclamações a que se refere o art. 133.o da LOEG, pois é desnecessário;

d) Ademais, há irregularidades e situações que ocorrem ou podem ocorrer após os apuramentos provinciais, durante a transmissão à CNE dos resultados eleitorais provinciais definitivos, durante as operações de apuramento nacional e divulgação dos resultados eleitorais definitivos, e, obviamente, estas irregularidades e situações devem ser passíveis de reclamação junto da CNE, desde que fundamentadas;

 

e) No caso em que o legislador pretendeu exigir como requisito para admissão e apreciação da impugnação das irregularidades a reclamação prévia no decurso dos actos em que tenham sido verificadas, o legislador fê-lo expressamente: é, e só, nos casos de impugnação por via de recurso contencioso, como determina o art.153.o da LOEG;

 

f) Finalmente, lei geral que regula esta matéria, sobre a impugnação dos actos administrativos, Lei n.o 2/92, de 14 de Janeiro, Lei de Impugnação dos Actos Administrativos (LIAA), é perfeitamente coincidente com a LOEG e os argumentos que acabamos de apresentar: na a) do art. 9.o da LIAA estabelece-se que o interessado pode reclamar (...), portanto, é uma faculdade, e na a) do art. 12.o da mesma estabelece-se que para os casos de recurso contencioso, aquela reclamação é obrigatória. Exactamente como se estabelece no art. 153.o da LOEG e como argumentamos na e) acima.

3.1. DA ALEGADA INABILIDADE DE ALGUNS COMISSÁRIOS DA CNE PARA TESTEMUNHAR

As mais recentes reclamações apresentadas a CNE, antes da divulgação dos resultados definitivos, foram indeferidas pela CNE com os mesmos argumentos apresentados nos indeferimento anteriores, sendo que, desta vez, quanto à indicação de alguns comissários, que são membros da CNE, para testemunharem sobre a observância ou não dos procedimentos legais e devidos para o apuramento dos resultados pela CNE, esta (CNE) entendeu que os comissários em causa são inábeis para testemunhar por serem membros da CNE. Entretanto, não se apresentou nenhuma norma ou fundamento legal ou doutrinal convincente de tal inabilidade para testemunhar.

 

Ora, mais importante do que determinar se os referidos comissários estão ou não habilitados para testemunhar é saber-se da verdade. E nisto todos os angolanos, incluindo os integrantes da CNE deveriam estar interessados. Isto é, saber-se se, efectivamente, como e se a CNE obteve os dados, quer provisórios, quer definitivos e, consequentemente, os apuramentos provinciais e nacional (arts. 127.o e 133.o da LOEG) de acordo à lei. Ninguém melhor do que os membros da CNE, comissários que dela fazem parte e, certamente, integram e participam dos centros de escrutínio (art.117.o da LOEG) para aferirem e aclararem sobre a observância ou não da lei, sem prejuízo dos devidos procedimentos disciplinares e criminais, caso faltassem com a verdade nesse aspecto.

 

A CNE não se deve considerar como parte concorrente no processo eleitoral. Concorrentes são os partidos e coligação de partidos políticos. A CNE não é concorrentes de nenhum dos demais intervenientes, mas sim a organizadora do processo. Pelo menos, não é, ou não devia revelara-se, parte interessada na victória deste ou daquele concorrente.

 

A CNE não apresentou nenhum fundamento legal e/ou doutrinal para a inabilitação dos comissários para testemunharem, simplesmente porque não existe! Até no Processo Penal, com as características que se lhe conhece, permite-se que as pessoas consideradas inábeis para testemunhar (os próprios ofendidos, os menores de sete anos, parentes próximos e afins do ofendido ou do acusado e os que participaram a infracção às autoridades), possam ser tomados em declarações (considerados declarantes), quando se entenda conveniente. Isto é, em homenagem ao Princípio da Verdade Material – § 2.o do art. 216.o do Código de Processo Penal.

4. DOS RECURSOS CONTENCIOSOS

Divulgados os resultados eleitorais definitivos pela CNE, os interessados podem impugnar por via de recurso contencioso, nos termos do já referido art. 153.o da LOEG, sendo que, é ao Tribunal Constitucional a quem compete conhecer destes recursos contenciosos e são objecto deste recurso: a) as decisões proferidas pela CNE sobre as reclamações feitas nos termos do art. 154.o da LOEG; b) as decisões proferidas pela CNE sobre as reclamações referentes ao apuramento nacional do escrutínio. –art.155.o LOEG.

 

Como se percebe do art. 155.o acima referido, não são apenas objecto de recurso contencioso as decisões proferidas pela CNE sobre as reclamações feitas nos termos do art. 154.o da LOEG, como alguns quererão defender e, deste modo, pretender que o Tribunal Constitucional tenha posições e decisões consentâneas com as já apresentadas pela CNE: indeferimentos liminares, sem se apreciar o fundo, verdade ou não, das questões. Na verdade, também, são objecto de recurso contencioso, as decisões proferidas pela CNE sobre as reclamações referentes ao apuramento nacional do escrutínio (al. b do art.155.o LOEG), que acabam por ser todas as últimas reclamações apresentadas ao Plenário da CNE, excepto a primeira apresentada pela CAS-CE e que resultou no Acórdão n.o 458/2017 do Tribunal Constitucional. Aliás, tal coincide plenamente com o que aqui defendemos supra. Vide 3. d).

 

Portanto, o Tribunal Constitucional tem legalmente a mais ampla liberdade para conhecer, efectivamente, da regularidade ou não e, consequentemente, da verdade e justiça do processo eleitoral em causa. Deverão os eventuais recursos ser interpostos no prazo de 48 horas a contar da notificação dos resultados finais pela CNE, em igual prazo, após a notificação do recurso interposto, deverão as partes interessadas apresentara as contra-alegações e, findo este prazo, o Tribunal Constitucional, em 72 horas decide definitivamente. –arts.153.o a 161.o da LOEG.

 

Concluímos que, salvo melhor opinião, entendimentos contrários aos acima expostos, de simples indeferimentos e improcedências liminares, com base em alegadas incompetências, ilegitimidades, extemporaneidades e, agora, inabilidades das testemunhas, sem nunca se ter apreciado verdadeiramente o mérito, verdade ou não, das questões suscitadas e reclamadas, como foi, no caso, a postura da CNE em todo os momentos, traduz-se numa injustiça grosseira e, se levados em consideração e merecerem, também, o acolhimento do Tribunal Constitucional, nas vestes de Tribunal Eleitoral, impediria até ao próprio Tribunal Constitucional de vir a admitir o conhecimento das aludidas irregularidades e ilegalidades, do seu mérito, demérito e efeitos, em sede de recurso contencioso, nos termos do referido art. 153.o da LOEG e resvalando, assim, para a denegação do acesso directo ao direito e a justiça, violando assim o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, nos termos do art. 29.o da Constituição da República de Angola (CRA), um princípio fundamental de um verdadeiro Estado de Direito e Democrático –art. 2.o da CRA.

Sejamos, pois, corajosos, pela verdade eleitoral e pela democracia!

Luanda, 07 de Setembro de 2017

João Pascoal.