Luanda - Consumadas as eleições e aceites (???) os respectivos apuramentos (com as reclamações próprias deste tipo de pleitos), o MPLA vai aplicar o programa de governação com que as venceu. Serão suficientes as estratégias e políticas aí listadas - trata-se, na verdade e apenas de listas de intenções, sem, pelo menos publicamente apresentados, os estudos e modelos de fundamentação - para se vencerem os desafios existentes e, afinal, criados por uma deficiente capacidade de gestão da economia e das elevadas receitas conseguidas pelas exportações de petróleo?

Fonte: Expansao


O novo Presidente da República e o Governo que constituir vão estar perante desafios enormes, alguns dos quais já me referi em artigos anteriores: a corrupção, a burocracia, a falta de eficiência da Administração Pública, o tráfico de influências, o ambiente de negócios pouco atractivo para o investimento estrangeiro, a adesão do País à Zona de Livre Comércio da SADC, o capital humano, a recuperação das dinâmicas de crescimento (num ambiente geral e externo de carência de fontes alternativas de geração de divisas, o mesmo é dizer de financiamento da economia), as elevadas taxas de pobreza e de desemprego, enfim, um mar imenso de problemas, cujas soluções - absolutamente disponíveis ao nível das ciências sociais - enfrentam o terrível embaraço da falta de vontade e de capacidade política para os solucionar, devido ao entrecruzamento de interesses contraditórios dentro do MPLA, afinal o Partido da governação.

 


A dimensão do novo Governo e os nomes que o vão integrar podem ser uma primeira aproximação à forma como se pretende implementar uma Nova Economia em Angola, dentro de compromissos internacionais assinados - como os objectivos de desenvolvimento sustentado, a Nova Carta das Nações Unidas para a melhoria das condições de vida da população e a redução das desigualdades - e num contexto de, no mínimo, manutenção do preço do barril de petróleo ao nível de USD 50 até 2021. Há ministérios que, em qualquer parte do mundo, reclamam por estabilidade no seu funcionamento, dadas as suas características de transversalidade e de acreditação externa, como o são os casos das Finanças e do Banco Central. Os dirigentes destas instituições têm de dar garantias de isenção, competência e credibilidade, aspectos que na maioria dos casos não podem ser garantidos quando os responsáveis são militantes do Partido. A nossa experiência, pelo menos desde Abril de 2002, não tem sido esta. Pelo contrário, estas duas instituições acabam por ser os palcos de confrontação de interesses contraditórios, muito pouco relacionados com os do país e da maioria da população.

 


A criação sistemática de dívida - pública e privada, conforme demonstrei noutras intervenções escritas neste Semanário - não é solução sustentável, não só pelo peso sobre as gerações futuras, como pelos efeitos negativos sobre a disponibilidade de financiamento da economia privada. De resto, da gama de compromissos internacionais sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, um deles é precisamente o do controlo do rácio da dívida.

À pauta de desafios resumidamente enunciada têm de ser acrescentados mais os seguintes: o desafio demográfico (1) (qual a taxa de crescimento demográfico do país que maximiza a ocupação do território, o crescimento económico e a melhoria das condições de vida da população?); a elevada taxa de urbanização, com efeitos perniciosos sobre o equilíbrio cidades/interior e a pressão sobre os equipamentos sociais (na educação, saúde e transportes); finalmente, a gestão do desenvolvimento tecnológico.(2)

É comum a ideia de que o progresso tecnológico é um importante factor de crescimento das economias, sendo esta afirmação confirmada pelos modelos de Robert Solow, Paul Romer e Robert Lucas, independentemente de o considerar exógeno (no primeiro caso), ou exógeno, no segundo. E é por seu intermédio que se pode evitar o estado estacionário das economias, na óptica de Solow. E, também, o progresso tecnológico pode ser responsável por um crescimento sustentado no rendimento per capita, bem assim como na eficiência do trabalho (uma unidade de trabalho é mais produtiva, quando o nível tecnológico é mais elevado). Estas relações são evidentes, mas tornam-se mais complexas quando o progresso tecnológico tem de ser gerado pelo próprio crescimento económico, sendo aqui que faz sentido o terceiro desafio anteriormente enunciado, ou seja, a gestão do desenvolvimento tecnológico. As experiências do Japão (desenvolvimento tecnológico por imitação ou cópia), da China e mesmo da República da Coreia podem ser bons exemplos de geração e gestão do desenvolvimento tecnológico, do tipo exógeno.


Valem estas ilustrações para reflectir sobre o caso angolano, agora que o País se apresenta com novas roupagens políticas, novo Governo e Nova Política Económica: como gerar progresso tecnológico, geri-lo e torná-lo num factor para o crescimento sustentável e a gestão do estado estacionário (elevadas taxas de crescimento demográfico e baixas taxas de crescimento da economia, consequencializando, na melhor das hipóteses, a manutenção do valor do rendimento médio por habitante.


Na base do modelo de Solow e da função de produção Cobb-Douglas foi feito um ensaio sobre as contribuições do trabalho, do capital e do progresso tecnológico para o crescimento da economia angolana no período 2002/2016, na base das seguintes variáveis: taxa de investimento, relação trabalho/PIB, taxa de crescimento do investimento, taxa de desemprego, taxa de variação do emprego e taxa de crescimento do PIB. A contribuição do progresso tecnológico (suposta exógena) foi obtida por diferença (contribuições do trabalho e do capital).
Algumas verificações:


a) Enquanto a força de trabalho for mais do tipo indiferenciado, a sua contribuição para o crescimento da economia manter-se-á em níveis baixos e sem grande capacidade de crescimento sustentável, conforme ilustrado no gráfico. Implícito mais um desafio, qual seja o da valorização do capital humano.


b) O capital tem sido o mais importante factor de crescimento da economia nacional, sobretudo pelo peso dos investimentos na extracção de petróleo. Mas também em outras actividades, como a produção de energia e a construção de obras públicas. No entanto, depois de 2009 assistiu-se a uma redução significativa do seu peso para o crescimento do PIB, de onde resultaram efeitos expressivos no valor e no comportamento da produtividade geral da economia, com reflexos na sua competitividade, que demora em estruturar-se em bases reais e efectivas.


c) Contribuições exíguas, em alguns anos negativas, mas tendencialmente baixas, do progresso tecnológico, o ponto de acumulação da sustentabilidade do crescimento económico.


(1)Alves da Rocha - O Desafio Demográfico de Angola, in "A Economia Angolana em 2015, 2016 e 2017 - Textos de Reflexão, Texto Editores, Setembro de 2017.
(2)Consultar o livro "Making Africa Work, de G. Mills, O. Obasanjo (ex-presidente da Nigéria), J. Herbst e D. Davies, Editora Tafelberg, 2017.
Alves da Rocha escreve quinzenalmente neste espaço