Luanda - Assistir às reclamações de partidos que perderam por uma diferença superior a 100%, alguns dos quais conseguiram eleger apenas um ou dois deputados, e, sobretudo, tomar conhecimento dos fundamentos contraditórios e sem consistência invocados para o efeito pode suscitar a tentação de reagir com humor, recorrendo à boa e velha “estiga” mangolê.

Fonte: JA

Mas, além dos nervos de alguns continuarem à flor da pele, o assunto é sério. A atitude da oposição em relação aos resultados eleitorais de 23 de Agosto é de uma gravidade que carece de uma análise aprofundada e demorada, para que os seus planeados e desejados efeitos sobre a consolidação da democratização da nossa sociedade sejam prevenidos.


Baseada na famigerada frase de Jonas Savimbi – “As eleições só são justas se nós ganharmos” –, essa atitude repete-se sistematicamente desde 1992, quando a UNITA, apesar do poderoso exército de que dispunha e do controlo totalitário que mantinha sobre uma parcela significativa do território nacional, onde mais ninguém fez campanha (isso, sim, foi fraude!), perdeu as primeiras eleições democráticas da história de Angola, fortemente supervisionadas pela comunidade internacional.


É tempo de deixar de olhar para esse facto com superficialidade: a insistência, a cada ciclo eleitoral, na narrativa da fraude, sem a exibição de provas convincentes, faz parte de uma estratégia verdadeiramente goebelliana, tentando transformar uma mentira numa verdade, através da sua repetição exaustiva; em última instância, visa desvirtuar a própria democracia, seja através da desmobilização dos cidadãos, provocando o aumento da abstenção, seja mediante a tentativa de promover arranjos pós-eleitorais ao arrepio dos resultados das urnas, tipo GURN, ou mesmo de tomar o poder ilegalmente, pela força ouvia manifestações populares.


Além de compreendida, esta estratégia tem de ser denunciada pela sociedade. Obviamente, não espero que toda a gente o faça, pois, por um lado, a democracia, por definição, é o contrário de unanimismo e, por outro, o desfecho das últimas eleições revelou, surpreendentemente, uma série de pessoas zangadas e frustradas, que têm reagido aos respectivos resultados com um radicalismo inesperado, roçando, inclusive, a falta de consideração e de cordialidade com os outros, para não dizer boçalidade. A minha hipótese é que muitos deles acreditaram nas pesquisas que inventaram ou leram mal e, até agora, ainda não entendem o que é que aconteceu.


Os fanáticos da oposição e os “independentes” com aspas continuarão, daqui a quatro eleições, a falar em “fraude”. Por isso, o meu apelo é aos verdadeiros independentes, aqueles cidadãos que, por opção, são genuinamente apartidários, preferindo ter uma intervenção estritamente social e cívica, não se mascarando, pois, atrás daquele rótulo para fazer mera oposição ao partido no poder, para que exijam à oposição que exiba os números que diz possuir e que, alegadamente, contrariam os resultados apurados pela CNE. Se a oposição não o fizer, tenham a coragem de criticá-la, do mesmo modo que, sempre que o consideram necessário, têm criticado, com toda a legitimidade, o MPLA.


Tenho conhecimento que várias figuras independentes que já perceberam, como se diz na gíria, o “papelão” que a oposição está a fazer estão a ser pressionados para não o tornarem público, para “não enfraquecer” esta última. Tais pressões incluem, mesmo, tentativas de linchamento moral nas redes sociais e outros meios. Saúdo, pois, o comunicado emitido na semana passada pelo reputado Observatório Político-Social Angolano (OPSA), que, entre outros, apelava “aos partidos concorrentes que eventualmente se sintam prejudicados para exibirem e entregarem às instituições competentes os elementos que sustentem as suas reclamações, não se limitando, portanto, a fazer declarações que o público tem naturais dificuldades em atestar”.


Desconheço se tais elementos terão sido apresentados ao Tribunal Constitucional, que deve deliberar até quarta-feira sobre as reclamações da oposição. Mas, publicamente, continuam a não ser exibidos, mais de duas semanas depois das eleições. A verdade é que a atitude dos partidos oposicionistas em relação aos resultados da eleição de 23 de Agosto não tem qualquer base factual, sendo sustentada em autênticas fakenews, ao melhor estilo Trump. Irresponsável e perigosa, pode, por isso, contribuir para que a polarização social se torne insustentável. As vozes realmente independentes podem e devem ajudar a impedir que isso aconteça.