Luanda - Angola vive ainda o tempo das suas quartas eleições gerais. O tempo em que os angolanos provaram a sua maturidade política e democrática num clima de paz que teve como arquitecto o Presidente José Eduardo dos Santos, que se prepara para abandonar a vida política activa.

Fonte: Jornal de Angola

De 1983 a 1992, Angola teve de enfrentar forças conjugadas internas e externas que procuravam travar um processo revolucionário conduzido pelo MPLA. A agressão externa obrigou o Estado angolano a um esforço enérgico de defesa. Nessa época, tornou-se imperioso que o Estado, instrumento fundamental da construção económica e social, encontrasse a resposta adequada à investida militar do exterior.


A responsabilidade desse esforço recaiu sobre os ombros de José Eduardo dos Santos, que em 21 de Setembro de 1979 tomou posse como Presidente da República Popular de Angola, após a morte súbita de Agostinho Neto, o Fundador da Nação Angolana.


O Presidente pôs mãos à obra e definiu, desde logo, a ameaça à segurança nacional, personificada nas agressões do regime de apartheid e na desestabilização interna praticada pela UNITA e as FALA de Jonas Savimbi, como primeiro problema a resolver.


Sem desprezar a ameaça sul-africana, o Presidente criou um novo pensamento militar para combater a subversão interna. Para concretizar essa estratégia, reorganizou as FAPLA em brigadas regulares convencionais e brigadas de infantaria ligeira, estas treinadas na doutrina de contra-guerrilha assente na táctica de “quadrícula” para a ocupação territorial e administrativa do País.


Para dar corpo ao novo pensamento militar, recorreu à assessoria portuguesa, tendo escrito ao então Presidente de Portugal, general Ramalho Eanes, enviando como emissários o tenente-coronel José Maria de Matos, chefe do Gabinete de Academias Militares (GAMA) e o major António José Maria, seu Secretário para Defesa e Segurança.

Para além da assessoria institucional assegurada pelas Forças Armadas Portuguesas, o Governo angolano estabeleceu um programa de cooperação com a Coteco, que integrava oficiais portugueses reformados, entre os quais o almirante Rosa Coutinho. Mais tarde, quando se agravou o estado da segurança nacional e no âmbito das normas de organização e funcionamento do aparelho de Estado, consagradas na Lei Constitucional e no seguimento de outras medidas legislativas que foram adoptadas, tornou-se urgente dotar o Executivo da operacionalidade e dinâmica consentâneas com as tarefas que era necessário levar a cabo naquela conjuntura.


Um momento histórico importante foi a aprovação pela Comissão Permanente da Assembleia do Povo, sob proposta do Presidente José Eduardo dos Santos, da Lei sobre o Conselho de Defesa e Segurança e sobre os Conselhos Militares Regionais.


“Esta lei foi a saída que o Presidente, como defensor do Estado, encontrou para defender o País, opondo-se àqueles que preferiam criar um Quartel-General da Guerra, o que implicaria declarar o Estado de sítio, congelar a Constituição e as instituições do Governo, medida que poderia levar as grandes potências a declararem guerra ao nosso País”, diz hoje ao Jornal de Angola um analista angolano dos assuntos militares e de defesa. O agravamento do conflito foi evitado graças a esse discernimento.

O desafio de 1992-2002

O período de 1992 a 2002 representou uma nova fase nas funções do Presidente.


Depois dos resultados das eleições, negados por Jonas Savimbi e a UNITA, José Eduardo dos Santos reconstituiu as Forças Armadas governamentais, já designadas FAA, leais ao Governo reconhecido pela comunidade internacional que, pela voz da senhora Margareth Anstee, validou as eleições como “geralmente livres e justas”.


Como Chefe de Estado e Comandante-em-Chefe das FAA, José Eduardo dos Santos, para fazer face à nova situação, dotou as FAA de armamento compatível para enfrentar os batalhões regulares da UNITA e a sua guerrilha equipada pelos Governos sul-africano e norte-americano e com as armas adquiridas com os “diamantes de sangue”.


’. Isso exigia decisões urgentes e cora“Os governos dos EUA e da RSA e a UNITA acreditaram que, com a saída das tropas cubanas de Angola, Savimbi e as FALA iriam derrotar as FAPLA, destruir o MPLA e governar Angola, tal como o Galo Negro dizia no seu Guia Prático do Quadro, quando garantia que ‘Se se retirarem os cubanos, o MPLA caijosas”, comenta o analista militar.


Para enfrentar essa conspiração, segundo documentos consultados, o Presidente organizou três importantes missões: uma à China, chefiada pelo general Leal Monteiro (“Ngongo”), outra à Bielorrússia, chefiada pelo general Manuel Vieira Dias (“Kopelipa”), e outra à Suíça e à Rússia, chefiada pelo general José Maria, sem descurar outros meios alternativos para a aquisição de armamento, numa altura em que vigorava a “Cláusula Triplo Zero”, um anexo do Acordo de Bicesse que estabelecia que, em nenhumas circunstâncias, os países que constituíam a Troika (Portugal, EUA e URSS) venderiam ou cederiam armas de qualquer tipo aos contendores angolanos.

A viragem da guerra

O Presidente reorganizou o Comando e a Direcção das Forças Armadas, as FAA, e desencadeou acções vigorosas de reconquista do território nacional ocupado pela UNITA, para reposição paulatina da autoridade do Estado, para tratar das populações indefesas e reconstruir as vias de comunicação, as pontes e as infra-estruturas da administração.


O Presidente José Eduardo dos Santos, depois de reorganizadas e reequipadas as novas Forças Armadas, dirige e comanda a contra-ofensiva que produz a viragem no terreno, com a realização das seguintes operações militares:

“Operação Restauro”, destinada à tomada dos principais bastiões da UNITA no centro do País. Esta operação é marcada pelas grandes batalhas do Huambo, Bailundo, Bié, Andulo.


“Operação Perseguição Impiedosa”, de encalço do chefe das Forças Militares da UNITA (FMU) e aos seus principais comandantes que destruíam infra-estruturas e atacavam populações. Esta operação é marcada pelas seguintes operações: “Operação Hexágono”, “Operação Triângulo” e “Operação Kissonde”, que atinge o seu objectivo com a morte de Jonas Savimbi em combate, no Lucusse, a 22 de Fevereiro de 2002. A primeira fase da “Operação Kissonde” foi constituída pela “Operação Vertical” e a segunda pela “Operação Impiedosa”.


O período 1992-2002 foi de grande destruição física da infra-estrutura económica e grande sofrimento popular e exigiu coragem e determinação do Governo.


“Por isso, ninguém se atreva a negar que o Presidente José Eduardo dos Santos é o Defensor do Estado Angolano Uno. Por isso, ninguém se atreva a negar que o Presidente José Eduardo dos Santos é o Defensor do Estado Angolano Indivisível. Por isso, ninguém se atreva a negar que o Presidente José Eduardo dos Santos preservou as fronteiras nacionais definidas pela Conferência de Berlim de 1885, de acordo com o princípio do Direito Romano uti possidetis ou ainda quieta non movere, enunciados que consagram o princípio da intangibilidade das fronteiras”, vinca o analista consultado.

A Frente Norte

Há a tendência de estabelecer como limite da intervenção militar do Presidente José Eduardo dos Santos à Frente Sul, “devido à intensidade do enfrentamento e embate entre as FAPLA e as tropas sul-africanas apoiadas pelas FALA na Batalha do Cuito Cuanavale, travada no Triângulo do Tumpo, a Leste do Rio Cuito”. Mas assim não foi. Houve em simultâneo uma atenção à Frente Norte de grande valor histórico que é desconhecida do público em geral.


A condução da guerra na Frente Norte distinguiu também o Presidente José Eduardo dos Santos como Comandante das Forças Armadas na intervenção nos dois Congos, tal como foi demonstrado na Região dos Grandes Lagos e nos Congos, por causa da ameaça que se perfilava contra a segurança de Angola a partir destes territórios.


Por imperativos de segurança nacional, José Eduardo dos Santos soube colocar forças no contexto da aliança Joseph Kabila–Kagamé–Museveni para combater Mobutu e as tropas da UNITA, uma reserva de Savimbi que estava escondida e entrincheirada no Zaíre à revelia do Acordo de Lusaka de 20 de Novembro de 1994. Soube também enviar forças para, no âmbito da SADC, ao lado do Zimbabwe e da Namíbia, combater a coligação do Ruanda, do Burundi e do Uganda que se orquestrava contra Joseph Kabila, depois do derrube do ditador Mobutu Sese Seko. Por fim, soube ainda posicionar forças nas linhas Brazzaville–Ponta Negra, apoiando Sassou Nguesso contra Kolelas e Lissouba, este último também aliado de Savimbi, porque, pelo Porto de Ponta Negra, a UNITA desembarcava grandes quantidades de armamento que, uma vez introduzidas em Angola, permitiriam o prolongamento da guerra.


Savimbi e a UNITA, depois de perderem a Jamba e o Aeroporto de Lumbala Nguimbo, planearam criar uma nova Jamba no Norte do País, em Quimbele, tendo como retaguarda a RDC e a República do Congo-Brazzaville.


A intervenção oportuna de Angola, que preservou a soberania e a integridade do território angolano, só mais tarde foi reconhecida como de grande-valia pelas Nações Unidas, pelos Estados Unidos da América, pela França e pela África do Sul, pois concluíram que Angola não foi movida por qualquer estratégia hegemónica ou ocupacionista nem pela pretensão de se afirmar como potência regional, mas para proteger a sua soberania e criar condições para a paz e a estabilidade na Região dos Grandes Lagos.


Os planos vindos do Ruanda e Uganda consistiam em fazer de Kitona, Muanda e Kinshasa os pontos de partida para a invasão de Angola. Foram desdobradas tropas a mais de três mil quilómetros daqueles países, esperando que Angola não fizesse qualquer movimento de tropas na RDC. Porém, como seria de esperar, tal não aconteceu, porque o Presidente de Angola não foi complacente com essas intenções.


O resultado foi um desfecho favorável e vitorioso para a coligação entre Angola, o Zimbabwe e a Namíbia e melhores perspectivas de paz na África Austral e Grandes Lagos.


Apesar de derrotados, não é de esquecer a ameaça proferida por Bizima Karaha, então ministro ruandês dos Negócios Estrangeiros: “que o Exército angolano se desiluda, porque não está capaz de suster o avanço das tropas ruandesas sobre Luanda”.


Existem informações de que o Ruanda pretendia restaurar o antigo Reino tutsi de Kigeri Rwabugiri, que ninguém sabe onde começaria nem terminaria, quais as fronteiras virtuais ou reais, enfim, uma “Tutsilândia” expansionista que representaria mais ameaça para a Região dos Grandes Lagos, a Bacia do Congo e em particular para Angola.

“Estaria em marcha o plano para a restauração do Império Hima Tutsi, uma vez que se verificou um regresso velado, mas escalonado, de reposicionamento de tropas ruandeses em Kitona, na senda da invasão ao Zaire pela coligação Tutsi integrada pelo Ruanda, Burundi e Uganda. Falar da reconstituição da ‘Tutsilândia’ ou do Império Hima Tutsi não é uma quimera fantasmagórica e é conveniente analisar esta intenção”, comenta a nossa fonte.

Génio militar

Assim se revelou o papel do Presidente José Eduardo dos Santos nos 23 anos de guerra que vitoriosamente conduziu contra a subversão interna e as agressões externas, com a conivência de agentes nacionais.


O génio militar do Presidente foi posto à prova logo que se tornou Comandante-em-Chefe das FAPLA e, sobretudo, perante a longa ocupação da parte Sul do País, desde 23 de Agosto de 1981, quando começou a “Operação Protea”, com o ataque aéreo da RSA à estação radiotécnica das FAPLA estacionada em Chivenda.

Um dos exercícios militares do Presidente teve lugar em 1978/1979, no ex-Gama, no 1º Curso Superior de Oficiais do Ministério da Defesa em Táctica Operativa e Estados-Maiores, onde se distinguiu com a mais alta classificação, ao lado de altos dirigentes do Estado, da Segurança, do Ministério da Defesa e das Forças Armadas.

Paz e reconstrução

Como estadista e diplomata, José Eduardo dos Santos levou o país a concluir os Acordos de Nova Iorque (22 de Dezembro de 1988), o Acordo de Bicesse (31 de Maio de 1991), o Memorando de Entendimento do Luena (4 de Abril de 2002) e o Memorando de Entendimento do Namibe (1 de Agosto de 2006).


Como reformador da política social e económica do Estado angolano, o Presidente preparou o País para as grandes mudanças no horizonte e lançou as bases para a criação da sociedade democrática e do Estado de direito.


Para complementar os esforços da guerra e também para influenciar e criar novos desenvolvimentos no campo das negociações, o Presidente José Eduardo dos Santos explorou habilmente a vertente diplomática.


O Presidente concebeu, dirigiu e materializou a estratégia política e diplomática do Governo angolano, primando pela denúncia vigorosa em todos os foruns internacionais da dimensão sangrenta e destruidora da ocupação de Angola, membro da ONU, pelo regime do apartheid, ao mesmo tempo que defendia a permanência das tropas cubanas no País, ao abrigo do Artigo 51º da Carta das Nações Unidas e por determinação soberana dos dois Estados.


“Nessas ocasiões o Mais Velho levava como instrumento de trabalho a sua ‘carta operativa’ com os detalhes precisos do desenvolvimento das acções combativas, que expunha minuciosamente aos seus pares, e como actividade subsidiária apresentava vídeo-cassetes e exposições fotográficas sobre a presença ilegal sul-africana e o seu apoio multilateral à UNITA em território angolano”, recorda o analista.

O Chefe de Estado garantiu a participação activa em todas as organizações responsabilizadas pela solução dos conflitos, em particular na OUA, no Movimento dos Países Não-Alinhados, nas Nações Unidas, nos PALOP e na CONCP, antecessoras da CPLP, nos ACP e na Linha da Frente, que se transformou depois em SADC.


“A habilidade negocial do Presidente José Eduardo dos Santos está plasmada em directivas, despachos e instruções, que devem constituir um rico acervo para ser estudado e difundido pelos mestres da ciência política no Ensino Superior. É possível vislumbrar neles a antecipação dos cenários com que se deparava a equipa negocial. Não agia como um espectador distante, pelo contrário, estava presente nos momentos dos maiores imbróglios em que outras delegações tinham dificuldade em resolver”, sublinha a fonte.


“Para a ligação directa e pessoal com a equipa negocial, colocou, ao serviço desta, dois instrumentos que encurtavam a distância e reduziam o tempo. Mandou adquirir três estações de comunicação por satélite, funcionando um no Centro Receptor do Centro Fixo de Comunicações e outro levava-o sempre a equipa de conversações. Um terceiro funcionava como a sua reserva no caso de ser necessário um desdobramento para outra direcção. Outra coisa não seria de esperar de um competente e experimentado especialista de Transmissões, que, no tempo da guerrilha do Movimento, respondeu pelo Centro de Comunicações em Brazzaville. Um outro instrumento que deixava até mesmo a delegação da superpotência estupefacta, por nos ver partir autónomos, sem depender das carreiras internacionais, foi o veloz e versátil jacto Gulfstream, em que viajava a equipa angolana.”


O Presidente José Eduardo dos Santos dirigiu, de 1979 a 1989, a delegação angolana que discutiu todos os passos da Resolução/435 do CS da ONU, que culminou com a Independência da Namíbia, a queda do apartheid e a libertação de Mandela.


“O Presidente, como estadista e diplomata, é a personificação viva da sabedoria, perspicácia, coragem, bravura, resistência, abnegação e entrega à causa nacional, que conduziu o povo angolano à vitória. Só um ser honrado é capaz de realizar acções de tamanha grandiosidade, de prestar tão grande serviço, de índole sacerdotal, sem reclamar para si o mérito e a glória. Pelo contrário, humildemente, congrega, sem excepção, os esforços de todos na luta constante pelo bem de Angola. Jamais alguém ouviu, da sua boca, alguma reclamação, por várias vezes ter ficado sozinho, à procura da melhor saída para as diferentes situações de desespero que o País viveu.”

Reformador do Estado

É reconhecido ao Presidente José Eduardo dos Santos, pelos colaboradores mais próximos, ter sabido “conhecer e interpretar os sinais dos tempos que marcaram os anos 80, fazendo jus ao nome de José, o conselheiro visionário do Grande Faraó, que defendeu o Egipto contra a fome, conseguindo criar excedentes de trigo para alimentar o povo e para vender aos vizinhos assolados pela seca inclemente que assolou o mundo de então”.

O Presidente preparou o País para as reformas políticas e lançou as bases para a criação de uma sociedade democrática e o Estado de direito.

Em 1992, criou as condições para a implantação do multipartidarismo e realizou as primeiras eleições legislativas e presidenciais, ao mesmo tempo que lançava a reforma do Estado, para a criação de uma nova geração de técnicos angolanos.


No seu partido, no Secretariado do MPLA, José Eduardo chamou a si a pasta de Secretário para os Quadros, coadjuvado por Ruth Lara e Burity da Silva, para cuidar pessoalmente desta área importante da formação no interior e exterior do País, incluindo de oficiais militares nos países socialistas.


Com grande perspectiva, promoveu a educação, a investigação científica, a cultura, o desporto, as artes, a formação técnico-profissional e fomentou a formação de adultos para a erradicação do analfabetismo e a formação à distância, enquanto desenvolvia uma ampla campanha social dirigida para atenuar o sofrimento dos deslocados de guerra.


O Presidente apoiou o combate à doença, promovendo campanhas contra a Poliomielite, a Tripanossomíase, a Lepra e o HIV/SIDA e deu especial impulso à protecção do ambiente e à conservação da natureza. Exemplo disso foi a “Operação Arca de Noé” para o repovoamento do Parque Nacional da Quiçama com elefantes, girafas, zebras e antílopes.


Com o programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF), lançado em 1987 para acabar com as distorções derivadas da excessiva estatização, Dos Santos promoveu a economia de mercado e a livre concorrência, incentivando o empresariado nacional, numa altura em que isso só se verificava em mais dois países da comunidade socialista: a Hungria e a China.


“Mesmo a perestroika de Gorbatchov veio mais tarde, o que impressionou o grande estratega dos dois mundos da China secular, Deng Xiaoping, que, com palavras de grande carinho e incentivo, disse, no encontro de 22 Outubro de 1988, ao Presidente José Eduardo dos Santos: ‘Você é um sol que está a crescer e que vai caminhar por muito tempo para iluminar o seu País’”, lembra quem esteve presente no encontro. Para conhecer a política de “Um País, Dois Sistemas” na China, o Presidente, depois de visitar Beijing, a capital política, foi visitar Xangai, a capital económica. “Mas note-se, sobreudo, que o reformador da política e social do Estado angolano visitou estes países depois de ter lançado o SEF em Angola”.


Após a conquista da paz, o Presidente proclamou a “Era da Reconstrução Nacional”, sem esperar pelas promessas do “Plano Marshall” encaixado na famigerada Conferência de Doadores de Bruxelas, em que participou com Savimbi, que, para além do espectáculo habitual, proferiu palavras entendidas como próprias de um inveterado mentiroso, ao dizer que “o Presidente José Eduardo dos Santos é o meu Presidente. Prometo aqui que nunca mais haverá guerra em Angola”.


É ainda atribuído a José Eduardo o ter promovido a reconversão e o fortalecimento da indústria e produção nacional, fomentado a construção dos sistemas de captação e abastecimento de água e energia eléctrica.


Em 2012, estabeleceu, como estratégia para o desenvolvimento do País e da sua integração nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a produção de energia eléctrica, cujo programa ele próprio inaugurou com o lançamento da 1ª pedra na construção da Barragem de Laúca. Entre outras medidas, incentivou ainda a recuperação agro-pecuária, destinada a assegurar a auto-suficiência alimentar para combater a fome e a miséria e estimulou a política de formação dos jovens na perspectiva do primeiro emprego, com a criação de postos de trabalho compatíveis com as suas aspirações.


Numa medida muito aplaudida, fomentou a construção de habitação para a juventude, a construção de estradas, pontes, portos, aeroportos e caminhos-de-ferro e concebeu projectos de requalificação dos musseques, “que deveriam iniciar, de forma modelar, pelo Sambizanga, cujos estudos tinham sido confiados a uma equipa que integrava os arquitectos Wilson, Manggueira e Ferrão, este especializado na reconversão de musseques. Consultou contemporâneos, Loy, Brito Sozinho e outros, também nascidos nesse bairro, que exprimiram o desejo de não serem apagados os locais em que tinham sido enterrados os seus cordões umbilicais”.


Mas uma das notas maiores dos seus mandatos como Presidente da República de Angola foi definir estratégias e programas para a reinserção social dos antigos combatentes, viúvas e órfãos de guerra, depois de Savimbi e a UNITA terem rejeitado a criação do 4º Ramo das Forças Armadas Angolanas, projectado no âmbito do Acordo de Bicesse, para a integração social dos desmobilizados de guerra das ex-FAPLA e das ex-FALA.

Razões da intervenção de Angola nos dois Congos

O livro de Bernard Lugan “Atlas Historique de L’afrique des Origines à nos Jours” é uma boa obra para entender as razões da intervenção de Angola, entre Maio de 1997 e Julho de 1998, nos dois Congos.


A intervenção realizou-se por razões de segurança porque a UNITA guardou tropas no Zaíre e desembarcou material de guerra em Ponta Negra.


Escreve Bernard Lugan que “no imenso conflito da África Central ligado aos acontecimentos registados na RDC e no Congo-Brazzaville, o Exército angolano jogou um papel crucial”.


Ao fazer face a duas guerrilhas, da FLEC e da UNITA no interior, o Governo angolano privilegiou, a partir de 1997, uma vigorosa intervenção, que se realizou em duas etapas.


De acordo com Lugan, dez países estiveram engajados na II Guerra do Congo, que eclodiu em Agosto de 1998 quando o Presidente Kabila expulsou o exército ruandês que o havia colocado no poder, em 1997.

UNITA em Ponta Negra

Em risco de perder o Aeroporto de Lumbala Nguimbo, perante as transformações políticas na Zâmbia em que os seus aliados Chiluba e Kavindele perdiam o poder, este país deixou de ser a base principal mais próxima do teatro de guerra da UNITA e Savimbi voltou-se para o Congo-Brazzaville, utilizando o Aeroporto de Ponta Negra.


A UNITA guardava o material em vários países africanos, nomeadamente, no Togo, no Congo-Brazzaville e na RDC (Kitona, Boma e Matadi).


A qualidade e a quantidade do armamento descarregado constam de um relato que fez Ockrent Marenches, ex-chefe dos Serviços Secretos Franceses, ao presidente Giscard D’Estaing, sobre a utilização do Porto de Ponta Negra. A perda do aeroporto de Lumbala Nguimbo veio a acontecer, com a sua retomada pelas FAA. Savimbi colocou no Norte de Angola unidades chefiadas por alguns dos seus melhores comandantes, que destruíram a base petrolífera do Kwanda, no Soyo.


Devia seguir-se Cabinda, que só não foi atacada por aviso dos EUA.


Mobutu aproveitou a viragem da UNITA para se reforçar contra uma investida para o derrubar, mas não o conseguiu.
Como escreve João Paulo Guerra no livro “Savimbi – Vida e Morte”, já Kissinger dizia que “foi através do Zaíre que os EUA decidiram fornecer, em 1986, mísseis Stinger terra-ar à UNITA e foi a partir da base de Kamina.” Só muito tarde as potências ocidentais perceberam a justeza das posições angolanas”.

Tropas e armas da UNITA da RDC

Na RDC, a UNITA guardou as seguintes tropas em 1997:
• Kalemie, Leste da RDC (Kivu Sul): 100 homens;
• Kamina (base aérea): 300 homens, paióis de armamento e munições e centro de treino;
• Gbadolite: 150 homens, paióis de armamento e munições;
• Kitona: paióis de armamento e munições; centro de treinos;
• Kananga (Kassai Ocidental): 300 homens, munições, armas e víveres;
• Eixo Bukavu–Lubutu–Kisangani: forças da UNITA foram destruídas pelas FAA. A reacção da artilharia das FAA foi determinante;
• Eixo Kananga–Kikwit–Kinshasa: três batalhões da UNITA, apoiados com morteiros, canhões de 106 mm, artilharia reactiva e peças de ZGU-23 foram rechaçados pelas FAA, apoiadas pela artilharia;
• Através de Maquela do Zombo e do Nordeste de Malange, a direcção do Galo Negro introduziu em Angola soldados das Forças Militares da UNITA (FMU) e elementos hutus ruandeses, material de guerra e víveres que a UNITA possuía no ex-Zaíre;
• Nos paióis construídos no ex-Zaíre, a UNITA possuía armas AKM e PKM, morteiros de 60, 80 e 82 mm, canhões de 106 mm e peças reactivas B-12 e ZGU-23 mm.

Deng Xiaoping: "Você é um sol que está a crescer e vai ilumninar o seu País"

Um episódio com o líder chinês Deng Xiaoping, durante a visita do Presidente angolano à República Popular da China, é revelador da grande esperança que era depositada em si pela comunidade internacional para a conquista da estabilidade em Angola.


Em 1987, face às distorções económicas que se verificavam na economia centralizada, José Eduardo dos Santos deu exemplo de reformador da política económica e social do Estado angolano, preparando o País para as grandes mudanças políticas que iriam chegar. Com isso, lançou as bases para a criação de uma sociedade democrática e um Estado de direito.


Com o programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF), implementado nesse ano com a colaboração de competentes quadros angolanos da área da economia, Dos Santos começou a promover a economia de mercado e a livre concorrência, incentivando o empresariado nacional, numa altura em que isso só se verificava em mais dois países da comunidade socialista: na Hungria e na China.


“Mesmo a Perestroika de Gorbatchov veio mais tarde, o que impressionou o grande estratega dos dois mundos da China secular, Deng Xiaoping, que, com palavras de grande carinho e incentivo, disse, no encontro de 22 de Outubro de 1988, ao Presidente José Eduardo dos Santos: ‘Você é um sol que está a crescer e que vai caminhar por muito tempo para iluminar o seu País’”, lembra alguém que esteve presente no encontro dos dois líderes e que aceitou falar sobre os mandatos do Presidente. Para conhecer a política de “Um País, Dois Sistemas”, o Presidente, depois de visitar Beijing foi visitar Xangai, “mas note-se, sobreudo, que o reformador da política social do Estado angolano visitou estes países apenas depois de ter lançado o SEF em Angola”.


Após a conquista da paz, em 2002, o Presidente José Eduardo dos Santos lançou a “Era da Reconstrução Nacional”, sem esperar pelas promessas do “Plano Marshall” da famigerada Conferência de Doadores de Bruxelas, em que participou com Jonas Savimbi, que, para além do espectáculo habitual, proferiu palavras entendidas como próprias de um inveterado mentiroso, ao dizer que “o Presidente José Eduardo dos Santos é o meu Presidente. Prometo aqui que nunca mais haverá guerra em Angola”.

Como demonstração do valor que sempre atribuiu aos técnicos angolanos, no MPLA, José Eduardo ocupou-se da pasta de Secretário para os Quadros, coadjuvado por Ruth Lara e Burity da Silva, para cuidar pessoalmente desta área importante da formação no interior e exterior do País.


Com grande perspectiva, o Presidente José Eduardo dos Santos promoveu a educação, a investigação científica, a cultura, o desporto, as artes, a formação técnico-profissional e fomentou a formação de adultos para a erradicação do analfabetismo e a formação à distância, enquanto desenvolvia uma ampla campanha social dirigida para atenuar o sofrimento dos deslocados de guerra. Mas uma das medidas de maior alcance dos seus mandatos como Presidente da República de Angola foi, sem dúvida, definir estratégias e programas para a reinserção social dos antigos combatentes, viúvas e órfãos de guerra.

Uma equipa competente

“Foi notável o trabalho permanente que José Eduardo dos Santos realizava com a equipa negocial e a rapidez com que se correspondia com ela mesmo no exterior, tendo criado um modo de operar quase militar:

Reuniões exaustivas com a equipa negocial para estudar a próxima ronda e discutir a agenda feita pelo medianeiro;
Ligação ininterrupta com a equipa negocial quando esta estivesse fora do País;

Reunião com a equipa negocial logo que chegasse a Luanda, saindo directamente do Aeroporto 4 de Fevereiro para o Futungo de Belas;


Elaboração da informação para os Países da Linha da Frente e para orientar os contactos à volta das negociações;
Nos intervalos das rondas, aproveitados pelo medianeiro para aproximar as partes, o Presidente desenvolvia trabalho de esclarecimento e “lobbies” junto dos que reforçavam a posição angolana;


Nada era improvisado, tudo previa, ao ponto de incrementar a capacidade negocial da equipa com especialistas de Direito (França Van-Dúnem, Pitra Neto, simbiose de veterania e juventude), com personalidades da super-estrutura político-partidária (Mbinda, Loy, Venâncio de Moura, Pedro Pacavira e Nvunda), embaixadores de craveira, Elísio de Figueiredo e Luís de Almeida;


Ao lado do EMG das FA e do EM Negocial, emparceirava o seu Gabinete, que executava a manobra política, diplomática, económica e militar do Presidente. Nisso tiveram papel importante Assunção dos Anjos, José Leitão, Madeira Torres, Carlos Fernandes, Elisabeth Simbrão, Victor Lima, Maria Judite Macedo dos Santos, Aldemiro Vaz da Conceição, José Patrício, Mena Abrantes, Lopo do Nascimento, Kopelipa. Apesar da engrenagem laboriosa do Gabinete, surpreendia-nos, muitas vezes, com documentos já assinados, elaborados e dactilografados por ele próprio, durante a madrugada.”