Lisboa - Como é formado o Governo nos termos da Constituição e quais as Consequências jurídico-constitucionais, se os partidos da Oposição não tomarem posse na Assembleia Nacional ?

Fonte: Club-k.net

1. Nota Prévia

Após a divulgação de ontem, dos resultados definitivos das eleições gerais em Angola, ocorridas a 23 de Agosto e, depois de alguns Partidos da Oposição, contestarem os resultados das mesmas, nos órgãos competentes, nomeadamente, junto da Comissão Nacional Eleitoral e do Tribunal Constitucional, fui questionado, em vários círculos, sobre estas duas questões do momento: Como é formado o Governo nos termos da Constituição e da Lei? E se os Partidos da Oposição não tomarem posse na Assembleia Nacional, que consequências jurídico-constitucionais terá este acto?


Como é de domínio público, não me debruço sobre questões estritamente políticas. Enquanto cultor do direito, preocupo-me, somente com os aspectos jurídicos dos temas que me proponho a abordar. E nestes dois temas, não será diferente. Deixo as questões estritamente políticas para os políticos profissionais e analistas afins.


Posto isto, creio termos condições para navegarmos mais um pouco nas águas do direito.

2. Governo ou Executivo

2.1. Conceito

Entende-se por Governo ou Executivo, o órgão de Soberania encarregue, no termos da Constituição e da Lei, de desempenhar funções administrativas, ou dito de outro modo, aquelas que visam a realização do interesse colectivo. Apesar de ser a principal função do Governo, a executiva, já há muito, que ele exerce funções legislativas. Ao longo da história, tem-se assistido a uma predominância do Executivo, em detrimento do Legislativo. Numa linguagem simples, podemos dizer que o governo tem retirado e partilhado funções legislativas com o Parlamento. Tem funções legislativas próprias e outras autorizadas pelo Parlamento. Contudo, é o principal órgão Executivo do Estado. Nos termos da nossa Constituição, as funções executivas estão confiadas ao Presidente da República. Nos termos do artigo 108º, nº1 : “o Presidente da República é o chefe de Estado, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas”. No nº2 dessa disposição constitucional, consagra que: “o Presidente da República exerce o poder executivo auxiliado por um Vice-Presidente, Ministro de Estado e Ministros”.

2.2. Formação do Governo

Sendo o Presidente da República o Titular do Poder Executivo, significa que ele é o detentor desta função, ou dito de outro modo, o Governo é o Presidente da República, e tem auxiliares, nomeadamente o Vice-Presidente, Ministros de Estado e Ministros. Nos termos da Constituição, a composição ou formação do Governo (Executivo), depende, única e exclusivamente, do Presidente da República. E mais: não é forçoso, sob ponto de vista estritamente legal, que o Presidente da República, delegue os seus poderes de formação do Governo a terceiros. Embora saibamos que, humanamente, o Presidente não poderá exercer as funções sozinho. Contudo, vale dizer, que os demais elementos são apenas auxiliares. Ou seja, não têm poderes próprios, mas sim, delegados. Desse modo, de acordo com o artigo 119º alínea d) “compete ao Presidente da República nomear e exonerar os Ministros de Estado, os Ministros, os Secretários de Estado e os Vice-ministros”.

São várias as competências do Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo e estão elencadas no artigo 120º da Constituição.

2.3 Suposta bi-cefalia na formação e chefia do Governo (Executivo)

Com a eleição do novo Presidente da República, estamos perante uma realidade nova em Angola. O Presidente da República não é o Presidente do Partido que tem a maioria no Parlamento. Com isto, coloca-se a questão de saber quem, efectivamente, tem o poder de facto e de direito, para formar e dirigir o Executivo. E sob o ponto de vista legal, há dois diplomas que devemos analisar para responder a esta questão: a Constituição da República e os Estatutos do MPLA, Partido vencedor das eleições de 2017. No número anterior, tivemos o cuidado de analisar e confirmar que, nos termos da Constituição, o Presidente eleito, não só é, o Titular do Poder Executivo, como é ele, quem nomeia os seus auxiliares, com excepção do Vice-Presidente, que é eleito na mesma lista. Nos termos do artigo 74º alínea m) dos Estatutos do Partido MPLA, compete ao Presidente deste Partido “propor e submeter, ao pronunciamento do Bureau Político, a composição orgânica e nominal do Executivo”. É esta disposição estatutária que, para muitos, significa estar perante uma dupla presidência ou bi-cefalia na chefia do Estado angolano. Para nós, que analisamos única e exclusivamente o direito, entendemos que a norma estatutária, não se sobrepõe à norma constitucional. Quem, de facto, detém a competência exclusiva para formação orgânica e nominal do Governo, é o Presidente eleito. E mais: ele próprio é o Governo (Executivo); os demais, são meros auxiliares da função executiva. Sem querer desvalorizar ou ignorar, a força e influência que o Partido vencedor das eleições tem, mas a Constituição é clara em conferir esses poderes ao Presidente eleito. Desse modo, a proposta do Presidente do Partido para formação do governo, nos termos do estatutos partidários e a própria decisão do Bureau Político, não são vinculativos. Quem decide, é o Presidente eleito. Parece que estamos perante uma despartidarização do Estado, pelo menos, em termos constitucionais. De resto, cabe ao Presidente eleito decidir com quem governa.

3. Consequências jurídico-constitucionais, da não tomada de posse dos deputados dos Partidos da Oposição

3.1 Mandato de Deputados

Nos termos do numero 1 artigo 141º da Lei Constitucional: “o mandato dos deputados inicia com a tomada de posse e a realização da primeira reunião constitutiva da Assembleia Nacional, após as eleições e cessa com a primeira reunião após as eleições subsequentes, sem prejuízo de suspensão ou de cessação individual”. Quer isto dizer que, os deputados eleitos nas eleições de 23 de Agosto, só iniciam o seu mandato quando tomarem posse e, acto contínuo, realizarem a primeira reunião constitutiva da Assembleia. Se assim não ocorrer, os actuais deputados (cessantes), continuam em funções. O legislador constitucional, não quis que houvesse uma descontinuidade ou uma vacatura dos cargos. Saem os antigos quando entram os novos. Mas a questão que não se cala é a seguinte: e se os deputados da oposição não tomarem posse? Nos termos do artigo 158º da Constituição: “a Assembleia Nacional pode funcionar em reuniões plenárias, com um quinto dos deputados em efectividade de funções”. Quer isto dizer, que o Partido que venceu as eleições com maioria, tem quórum suficiente para dar inicio ao mandato dos novos deputados e iniciar a Legislatura 2017-2022, que, nos termos do numero 1, do artigo 157º da Constituição, compreende cinco Sessões Legislativas ou Anos Parlamentes.

3.2. Funcionamento, Quórum e Deliberações

Nesta problemática da eventual recusa de tomada de posse dos Partidos da Oposição, levanta-se a questão de saber, como funcionaria a Assembleia Nacional, com a ausência dos mesmos. Se a Lei Constitucional, diz que as reuniões plenárias podem funcionar com um quinto dos deputados (artigo 158º) “e as deliberações da Assembleia Nacional são tomadas por maioria absoluta dos deputados presentes, desde que superior a mais de metade dos deputados em efectividade de funções, salvo quando a Constituição ou a Lei estabelece outras regras de deliberação”. Isto significa que os deputados eleitos do Partido que venceu as eleições, podem tomar posse e exercerem a função legislativa, sem necessidade dos deputados da oposição.


Se, do ponto de vista constitucional e legal, não há qualquer impedimento do normal funcionamento da Assembleia Nacional, mesmo com a ausência dos deputados da oposição, já do ponto de vista político, levantar-se-iam questões ligadas à legitimidade, ao prestígio e à representatividade deste órgão de soberania. Mas essas questões políticas não são por nós abordadas.

3.3. Não tomada de posse dos deputados

Se os deputados da oposição não tomarem posse, não iniciam os seus mandatos, nos termos do artigo 148º, numero 1 da Constituição. Não iniciando os mandatos, os deputados não têm quaisquer direitos, ou seja, são meros deputados eleitos (não adquirem o estatuto de deputado e respectivas regalias), mas não em funções. Não há na Constituição nem na Lei, qualquer consequência jurídica imediata, na recusa da tomada de posse, a não ser isso mesmo - não adquirir o estatuto de deputado e não exercer a respectiva função na Assembleia Nacional. Também a Constituição e Lei não nos dizem qual o prazo para esses deputados tomarem posse. Imaginemos que a Assembleia Nacional é constituída única e exclusivamente pelo Partido que venceu as eleições e iniciam a Legislatura a 15 de Outubro, poderão os deputados da Oposição, tomar posse a posteriori? A Constituição não responde. No nosso ponto de vista, podem sempre, dentro da Legislatura, tomar posse. Outra hipótese que se pode colocar é, se a Oposição tomar posse e, acto contínuo, participar na primeira reunião constitutiva da Assembleia Nacional e, depois, abandonar, em bloco, este órgão de soberania? Neste caso, estaríamos perante uma situação a que levaria à perda de mandato, nos termos do artigos 152 º da Constituição, do Estatuto dos Deputados e da Lei Orgânica da Assembleia Nacional.

4. Conclusão

Aqui chegados, podemos responder telegráficamente às questões levantadas no inicio :

Como é formado o Governo nos termos da Constituição?

O Governo ou Executivo, é formado pelo Presidente da República eleito, após a sua tomada de posse. Neste domínio, o Presidente não está vinculado a nenhuma lei, nem a nenhum estatuto partidário. Não há bi-cefalia, nem dupla presidência na chefia do Estado angolano.

Quais as Consequências jurídico-constitucionais, se os partidos da Oposição não tomarem posse na Assembleia Nacional ?

Se os Partidos da Oposição não tomarem posse no dia fixado pelos órgão competentes do Estado, o Partido vencedor das eleições, pode dar inicio da Legislatura 2017-2022, a 15 de Outubro nos termos da Constituição. Todavia, os partidos da Oposição podem dentro da legislatura tomar posse e ocupar as suas vagas na Assembleia Nacional.

Tudo isso só é possível

Se Pensar Direito!!

Bibliografia

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