Luanda - QUESTÕES PERTINENTES DECORRENTES DA DECISÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM MATÉRIA DE CONTENCIOSO ELEITORAL SOBRE AS ELEIÇÕES GERAIS DE 2017 por Albano Pedro.

Fonte: Facebook

1. O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL APLICOU O DIREITO MAS NÃO FEZ JUSTIÇA


No dia 13 de Setembro de 2017, o Juiz Presidente do Tribunal Constitucional (TC) pronunciou-se sobre a improcedência dos pedidos de impugnação dos actos eleitorais feitos pelos partidos políticos UNITA, FNLA e PRS e pela coligação de partidos políticos CASA-CE, declarou não terem sido registadas irregularidades no processo eleitoral e, em consequência ordenou a publicação dos resultados eleitorais no Diário da República pela CNE e a tomada de posse do novo Presidente da República e dos deputados a Assembleia Nacional, entre outros actos praticáveis na sequência do fim do processo eleitoral. O TC usou das regras jurídicas, por interpretação a letra, consagradas na Lei Orgânica das Eleições Gerais (LOEG) e da Lei do Processo Constitucional (LPC) lançando mãos as normas de carácter processual. Ou seja, usou da falta de observância de pressupostos processuais para não conhecer do mérito da causa que levaria, certamente, a anular as eleições gerais. O que quer dizer que o TC recusou-se a fazer justiça dos factos apresentados pelos partidos políticos. Por um lado, essa situação decorre da própria arquitectura sistema jurídico angolano que assenta apenas nos pressupostos legais, naquilo que a lei diz “a letra” (um defeito congénito importado das famílias jurídicas do sistema romano-germânico de que Angola e a Europa continental são partes) e por outro lado, os juízes recusaram-se a avaliar a situação usando da sua consciência. Isso resvalou na falta de justiça. Como resultado, a maioria das pessoas (sobretudo eleitores) não está convencida da decisão tomada contra os partidos políticos reclamantes e não aplacou a animosidade daqueles que acham que os partidos políticos da oposição foram injustiçados.


2. O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL NÃO É A INSTÂNCIA ADEQUADA PARA REALIZAR A JUSTIÇA ELEITORAL

A justiça eleitoral é uma justiça em que as partes são os cidadãos representados pelos partidos políticos interessados. É uma justiça que deve ser feita no interesse do povo e não dos partido políticos e quando não é adequada tende a incitar a animosidade da sociedade atiçando a instabilidade política em muitos casos. Daí que os juízes devem ter especial atenção ao equilíbrio dos interesses da sociedade, mais do que “despachar” ou humilhar os partidos políticos que solicitam os seu serviços através da impugnação dos actos eleitorais. É essa percepção sociológica os juízes devem ter ao arbitrarem os casos submetidos a sua cognição. Infelizmente, o TC é um tribunal eminentemente político (discute-se a sua natureza judicial) porque é geralmente composto por juízes que não são magistrados de carreira (no caso do TC angolano, a maioria esmagadora dos juízes são advogados de profissão) e, como tal, não têm cultura da imparcialidade e porque a indicação dos juízes é dominada pela hegemonia do partido vencedor e do seu presidente que juntos indicam a maioria dos 11 juízes. O que transpira a falta de imparcialidade desse tribunal. Mais do que isso, devido a sua vocação para a analisar as matérias constitucionais, o TC é uma extensão do Presidente da República, enquanto mais Alto Magistrado do Estado (diz-se erradamente da Nação) a quem cabe garantir o cumprimento da Constituição e das Leis e é um “apêndice natural” do partido político que detém a maioria parlamentar. O que quer dizer que em matéria de justiça eleitoral, as decisões hão-de favorecer sempre o partido (dos deputados e do Presidente da República) que controlou o governo e a legislatura anterior. Essa situação torna inadequada uma justiça eleitoral verdadeiramente imparcial.

3. O SISTEMA DE GOVERNO NÃO TEM QUALQUER INFLUÊNCIA NA REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL

É certo que para um jurista responsável, o sistema de governo consagrado na Lei Constitucional (CRA, para o legislador) não é o mais adequado. Diminui a soberania do povo e inverte a ordem dependência entre o povo e o governante, colocando aquele a mercê deste. Mas, a reforma do sistema de governo não é essencial para a realização da justiça eleitoral. Pensar que a reforma do Governo é necessária para garantir a imparcialidade dos juízes é o mesmo que pretender que a justiça eleitoral continue a ser arbitrada pelo TC com a diferença de contar com juízes indicados por um Presidente da República que seja eleito sem ligação com o partido vencedor das eleições legislativas e que forma o governo (trata-se do Sistema Semi-Presidencialista). O facto é que o TC, pela sua natureza eminentemente, política não serve para realizar a justiça eleitoral. Tenderá sempre a favorecer os interesses directos e imediatos dos partidos políticos representados pela maioria parlamentar e pelo Presidente da República.

4. A COMISSÃO NACIONAL ELEITORAL NÃO É RELEVANTE PARA QUE O PROCESSO ELEITORAL SEJA JUSTO E IMPARCIAL


É falsa a ideia de que a garantia de uma CNE verdadeiramente independente é a solução para uma justiça eleitoral mais consentânea com as aspirações do povo (eleitores). A CNE é um órgão da administração eleitoral e não de justiça eleitoral. Os órgãos administrativos, ainda que independentes (como se pretende com a CNE) cometem erros (irregularidades) e tornam-se parte do contencioso eleitoral que visa realizar a justiça eleitoral. Então a necessidade de imparcialidade não está na CNE, mas no órgão que realiza a justiça (o Tribunal). No nosso entendimento, a administração eleitoral fica muito bem com agentes admitidos pela via concursal (concurso público) e com tendência para serem funcionários de carreira (deve pensar-se numa administração eleitoral como um conjunto de órgãos e serviços permanentes e, como tais, profissionalizantes)

5. O TRIBUNAL ELEITORAL É A MELHOR SOLUÇÃO PARA QUE O PROCESSO ELEITORAL SEJA JUSTO E IMPARCIAL


Uma vez que o TC não garante imparcialidade na realização da justiça (é composto por uma maioria de juízes que representam uma das partes do contencioso eleitoral – o partido vencedor), é necessário que seja institucionalizado o Tribunal Eleitoral com juízes que representam uma base mais alargada da sociedade como factor de garantia da imparcialidade. O Tribunal Eleitoral (TE) deve compreender juízes que representem os interesses da sociedade. Quer dizer que deve contar com juízes em representação proporcional dos partidos com assento parlamentar (um juiz para cada partido político ou coligação de partidos políticos) cujo número deve equilibrar com juízes que representem a sociedade civil, igrejas e individualidade de reconhecida idoneidade moral da sociedade. O Juiz Presidente pode ser eleito entre os pares sendo uma entidade que representam o número impar de que depende a composição adequada do juiz. Portanto, pode falar-se em 11 juízes ou mais. Mas fica de fora, a hipótese do Presidente da República indicar qualquer dos juízes do TE.

6. A JURISDIÇÃO DEFINITIVA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM MATÉRIA ELEITORAL É UM ERRO DO SISTEMA DE JUSTIÇA

A LOEG estabelece que o Plenário do TC é instância de jurisdição definitiva em matéria eleitoral (art.º 160.º). Havendo injustiças clamorosas, a lei limita o requerente e coloca-o na condição de conformar-se com a decisão tomada. Em matéria de jurisdição comum (no caso, jurisdição Penal), quando a decisão é tomada na última instância (Plenário do Tribunal Supremo) nem por isso fica livre de novos recursos. É aqui que valem os chamados recursos extraordinários para atacar as sentenças (ou acórdãos) inquinados de vícios. A LOEG devia prever uma espécie de recurso extraordinários para acudir as partes das injustiças clamorosas para que a justiça seja garantida. O sistema de justiça deve sempre estar aberto a novas impugnações sempre que a justiça esteja ferida e os conflitos que levanta não estejam harmonizados. É a razão pela qual existe hierarquia entre os tribunais. Serve para dar espaço a novas tentativas de compor os conflitos que dividem os membros da sociedade.

7. O INCIDENTE DE FALSIDADE SOBRE O REQUERIMENTO DO PARTIDO PRS

O TC diz que as provas documentais apresentadas pelo PRS são falsas. Foi infeliz ao arguir oficiosamente (ex-oficio) o incidente de falsidade no caso do pedido de impugnação dos actos eleitorais do partido PRS. Só podia fazê-lo se a falsidade dos documentos fosse evidente ao ponto de ser percebida a olho nu (art.º 372.º - Código Civil – doravante CC). Pelo contrário, o próprio TC admite estar em presenças de meros “indícios” de falsidade, o que obrigaria a notificar a contraparte (no caso a CNE) que teria a faculdade de arguir a falsidade (art.º 360.º e SS - Código de Processo Civil – Doravante CPC). Mais do que isso, tratou de influenciar o Ministério Público a indiciar criminalmente esta formação política, quando a titularidade da acção penal é deste órgão. Nesse caso, o TC assumiu-se claramente como parte do processo ferindo o princípio da imparcialidade dos juízes. No final, a decisão levanta um problema: Como é que o TC prova que os documentos são falsos, se fala apenas em indícios?

8. CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Não está certo que o PRS, enquanto partido político, seja indiciado em crime de falsificação de documentos, tal como pareceu ser a posição tomada pelo TC. As sociedades ou pessoas jurídicas não cometem crimes (os latinos diziam societas delinquere non potest). O PRS é uma pessoa jurídica e não tem vontade própria. Se há “indícios” de falsificação de documentos, o crime deve ser imputado as pessoas concretas (os militantes ou agentes do PRS que falsificaram) e não cabe ao TC conhecer desses crimes. Os crimes são julgados em tribunais comuns, mais concretamente nas salas dos crimes da jurisdição territorial competente. Mais uma vez: Se não cabe ao TC conhecer dos crimes (no caso, o crime de falsificação de documentos) como é que prova a falsidade dos documentos?

9. QUEM PODE SER CONDENADO AO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS

Provado que seja o crime de falsificação de documentos no tribunal competente (Sala de Crimes de um tribunal comum), o seu autor pode ser condenado numa pena de prisão que vai de 2 a 8 anos (art.º 216.º - Código Penal – doravante CP). Se o agente for candidato a Deputado a Assembleia Nacional verificam-se duas consequências. No primeiro momento pode dar lugar a suspensão do mandato parlamentar em caso de ser pronunciado pelo tribunal pelo crime de falsificação (art.º 151.º. n.º1 alínea d) – CRA) e é substituído temporariamente por um outro deputado. No segundo momento pode dar lugar a perda de mandato e substituição definitiva por um outro deputado em caso de ser condenado. Essas consequências derivam do facto de o crime de falsificação importar uma pena de prisão maior, i.é, uma pena superior a 2 anos. Se o juiz condenar o agente nos exactos 2 anos de prisão, não há lugar a suspensão ou perda de mandato.


10. O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ESTAVA EM CONDIÇÕES DE ORDENAR A REALIZAÇÃO DE NOVA CONTAGEM OU DE NOVAS ELEIÇÕES


O Contencioso Eleitoral decorre da realização de justiça de natureza administrativa. É um processo de justiça administrativa especial adoptado pelo TC em que uma das partes é a CNE enquanto órgão da administração pública independente. Por isso, a sua tramitação assenta numa espécie de processo denominada RECURSO DE ANULAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO. Com base nesta espécie de processo, o requerente solicita a anulação do acto eleitoral oferecendo as provas com a condição de ter previamente reclamado junto da CNE sem sucesso (art.º 155.º - LOEG). Trata-se da regra da precedência obrigatória do recurso gracioso (a doutrina prefere a denominação RECURSO NECESSÁRIO). Se o Tribunal dar provimento do pedido (aceitar os factos invocados pelo requerente) pode decidir pela anulação do acto (ou actos) eleitoral e, em consequência ordenar a prática dos actos devidos pela parte condenada, no caso a CNE. Quer dizer que a CNE fica obrigada a fazer o que não fez de acordo com a lei. Ou seja, se se trata de uma impugnação visando a anulação dos resultados eleitorais, fica obrigada a proceder uma recontagem dos votos com estrita observância da lei. Se a anulação for vertida ao processo eleitoral como um todo, a CNE fica obrigada a realizar novas eleições.