Luanda - A falta de medicamentos, materiais de desgaste e mesmo sangue nos hospitais públicos de Luanda leva familiares de pacientes a pernoitarem durante vários dias perto das instituições, à espera de qualquer solicitação dos enfermeiros.

Fonte: Lusa

O cenário envolve dezenas de pessoas, durante o dia e a noite, no exterior dos hospitais da capital angolana, conforme facilmente se constata um pouco por toda Luanda, onde as pessoas, na sua maioria mulheres, afirma passar por este sacrifício para o bem-estar do seu paciente.

 

O papelão que de noite é usado para cama, serve durante o dia como banco. E é sentadas nele que familiares aguardam ansiosos por qualquer informação sobre o evoluir da paciente. A falta de dinheiro inviabiliza o regresso a casa para descansar, restando a rua para dormir algumas horas.

 

"Não temos como ir dormir em casa porque os médicos e enfermeiro solicitam a qualquer momento os familiares para darem medicamentos ou uma outra informação. E é por isso que estamos aqui", contou à Lusa Conceição Paulo, de 48 anos.


Esta doméstica, que há três dias pernoita ao relento nos arredores da Maternidade Ngangula, em Luanda, onde tem a tem a filha internada após uma cirurgia, disse ainda que apesar do perigo a que se sujeita, dormindo ao relento, a preocupação de saber o evoluir da filha ultrapassa qualquer receio.

 

"Essa preocupação já é nossa, porque deixar aqui a doente e ir para casa, o coração não fica descansado. Já dormíamos mesmo bem defronte ao hospital, mas devido à enchente, a segurança nos retirou, porque havia muito lixo que se fazia e agora estamos aqui, um pouco distantes", contou.

 

Na mesma condição está Isabel Jeremias, de 66 anos, que há três dias dorme nos arredores Maternidade Ngangula.

 

"O meu neto nasceu por cesariana e ainda estão aqui internados. Este é o terceiro dia que vou dormir aqui mesmo, não tenho dinheiro para diariamente vir ao hospital e regressar à casa, vivo em Cacuaco, norte de Luanda. São muitos gastos para ir de táxi", afirmou.

 

Questionada como é passar a noite e o dia ao relento, a aposentada admite os receios, apesar de reconhecer que o dever moral de saber como está a filha e o neto a motiva não arredar o pé.

 

"Sem condições sou obrigada mesmo a estar aqui. Durante o dia a higiene é apenas lavar a cara e a boca, compramos aqui algo para comer e aguardamos também outros familiares, que trazem sempre algo para comer", acrescentou.

 

Argentina António vive em Viana, arredores de Luanda, e há quatro dias fixou residência nos arredores da Maternidade Ngangula, para um acompanhamento próximo da sua paciente, quando solicitados pela equipa médica.

 

"Eles, os médicos e enfermeiros, não obrigam ninguém a ficar aqui, mas quando eles chamam pedindo sangue, descartáveis, uma receita para comprar medicamentos ou uma outra situação temos que ficar próximo para responder", observou.

 

Essa é a nossa obrigação e preocupação referiu de "sairmos daqui já com o nosso paciente para casa".

 

Situação semelhante foi constatada defronte a Maternidade Lucrécia Paim, centro da cidade de Luanda, onde os argumentos dos familiares de pacientes convergem na necessidade de responderem ao chamamento dos médicos para qualquer "eventualidade".

 

"Estamos a dormir aqui fora porque as nossas filhas estão internadas na maternidade e como não podemos ficar aí no pátio hospital solução é dormir aqui no papelão e sem condições alguma", disse Paulina Eduardo, de 51 anos.

 

Há cinco dias a dormir defronte ao hospital, Paulina Eduardo revelou os seus receios e anseios lamentando igualmente a falta de condições financeiras para melhor acompanhamento da filha.

 

"É claro que há sempre medo, aqui circulam os carros e muita gente há sempre perigo mas Deus tem ajudado. Eu por exemplo vivo no Benfica e só mesmo o dinheiro de táxi para ida e volta não tenho", lamentou.

 

Os médicos e as enfermeiras "estão a todo tempo" a solicitar pelos familiares, "daí a nossa presença aqui e não dá para ficar em casa".

 

Apesar do perigo devido a exposição a que estão submetidos, Constância Pancho diz-se obrigada a pernoitar defronte à Maternidade Lucrécia Paim, para apoiar a todo instante o seu familiar.

 

"Este é o segundo dia na rua e somos obrigados a ficar aqui para não deixarmos o paciente sem apoio, apesar do frio, mosquito e alguns doentes mentais que por aqui também dormem. Estamos só a aguentar", atirou.