Luanda - A Utopia, no sentido lato, é quando um sujeito querer acreditar numa coisa irreal, que não existe na prática, que é apenas uma reflexão abstracta do pensamento. Ou seja, a Utopia é idêntica à ingenuidade infantil, como produto da imaturidade ou da ignorância que resulta-se da incapacidade de percepção dos fenómenos, embora a sua identidade seja evidente.

Fonte: Club-k.net

A ingenuidade, na sua manifestação prática, induz a pessoa na credulidade excessiva, na inocência dos factos, que estejam alheios aos procedimentos científicos. Noutras palavras, a Utopia é um sujeito abstracto que existe só no domínio das ideias e sem base material, que é o fundamento da alma, em que assenta um sistema conceptual.

 

Sendo assim, a Utopia induz-nos no idealismo metafisico, que dá primazia ao ideal sobre o real, sem análise objectiva dos fenómenos sociais e de natureza. Criando, deste modo, o sentido de incredibilidade, de ilegitimidade e de pessimismo. Na doutrina, o pessimismo afirma que, o mal prevalece sobre o bem. Este pensamento pessimista, que dá primazia ao mal, está ganhar raízes profundas na sociedade angolana.

 

Pois que, a medida em que os processos eleitorais são manchados pela manipulação, a credibilidade e a legitimidade das instituições e da classe politica têm estado a sofrer uma erosão enorme. Os cidadãos olham para os políticos como sendo uma cambada dos mentirosos, dos oportunistas, dos gatunos, dos corruptos, dos burgueses, dos mafiosos e dos opressores, que apenas preocupam-se com as suas vidas pessoais. Esquecendo-se absolutamente do povo que se encontra na penúria.

 

Quando uma sociedade atingir este nível de indigência, de repulsa e de descredito, tanto pode mergulhar-se no conformismo ou na ruptura. O conformismo é um instrumento psicológico poderoso, que permite a ditadura enraizar-se, e consolidar o seu domínio absoluto sobre a sociedade. Ao passo que, a ruptura é por natureza sucedida por uma revolução, como factor-catalisador de mudança do pensamento e de acção. Parece-me que, a classe política angolana tem estado distraída desta evolução gradual e continua, em que a sociedade está mergulhada no desespero e na incerteza. Sem saber o potencial das formações políticas da Oposição e das Organizações da Sociedade Civil. A Igreja Angolana, na sua diversidade doutrinária, tem sido alvo mais mole da manipulação política do poder autoritário.

 

Logo, a distracção que se verifica no seio da classe política angolana baseia-se na postura utópica, de acreditar no ideal em detrimento do real. Ter-se induzido o povo em acreditar numa coisa que é irreal, que é apenas uma fantasia da alma, sem que tenha matéria. Na teoria, dá-se a percepção de que, estejamos a encaminhar para a consolidação da democracia. Enquanto, de facto, estamos no caminho da afirmação da ditadura.

 

Uma maioria qualificada não é sinonimo da democracia. Mas sim, é um factor- determinante da sustentação da ditadura. Porque, na realidade, a ditadura não partilha o «poder-de-decisão» com ninguém. Ela impõe as suas decisões sobre a sociedade. E esta, só submete-se à ela, e cumpre na íntegra a vontade deste, sem que haja o juízo-de- valor, do bom senso, e do senso-comum, por parte da sociedade e de outras correntes políticas.

 

Num Estado de direito e democrático as decisões são tomadas a nível do Governo, do Parlamento e dos Tribunais. O equilíbrio é exercido aos níveis acima referidos, em forma de separação dos poderes, capazes de funcionar o mecanismo de «checks and balances», numa engrenagem complexa, como uma teia de aranha, independente e interdependente, cada uma com sua esfera de influencia.

 

O Eixo-Central deste mecanismo complexo é o Parlamento onde convergem todos os «poderes-de-decisão», em que determina a representatividade, a participação, a definição e a distribuição dos poderes legislativo, executivo e judicial. O modo de governação e da administração da justiça é determinado, regulado e decidido pelo Parlamento, que aprova as leis e legitima o exercício do poder politico e da administração da justiça. Por isso, o Parlamento é o Centro do Poder do Estado. Quando este Centro do Poder estiver desequilibrado, sem contrapoderes autónomos, torna-se impossível a partilha do «poder-de-decisão».

 

O Estado, nessas condições, fica refém de um Partido Politico que se apodera do «poder-de-decisão» e exercê-lo de modo arbitrário. É nesta base que surge o Conceito da «maioria qualificada» de modo a assegurar o Poder Unipessoal, que concentra todos os podres numa pessoa e num partido político, que se coloca acima do Estado, acima de todos e acima de tudo. A partidarização do poder judicial viabiliza a manutenção da hegemonia politica por via do sufrágio universal, que fica sujeito à manipulação institucional dos Órgãos do Estado. Os Órgãos em referência, funcionam numa engrenagem complexa, tendo uma tarefa específica por cada Órgão, previamente definida, em busca de um objectivo estratégico – que é a «maioria qualificada» – como sendo o factor determinante do exercício absoluto do «poder-de-decisão».

 

Nas Eleições Gerais de 23 de Agosto de 2017, foi evidente como estes mecanismos funcionaram, em engrenagem, protegendo-se e executando tarefas específicas que concorriam ao mesmo fim – da «maioria qualificada». A titulo de exemplo, o Ministério da Administração do Território (MAT) chefiado por Bornito de Sousa, tinha a responsabilidade de preparar minuciosamente o processo eleitoral, através do sistema informático, previamente configurado e programado. Logo, os dados eleitorais eram processados das Assembleias de Voto ao «Super Computador» do MAT, manejado por Quadros do MPLA, assessorados por técnicos estrangeiros.

 

O Ministério da Defesa Nacional, chefiado por João Lourenço, assegurou a Logística das Forças Armadas Angolanas (FAA) para apoiar a campanha eleitoral do MPLA, na movimentação das populações para os locais dos comícios. Fazendo uma pressão psicológica enorme sobre os eleitores, com a presença forte da polícia, em todas localidades.

 

O Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPSS), chefiado por Pitra Neto, encarregou-se do controlo da Função Pública, pressionando todos funcionários públicos para engajar-se nas actividades políticas da campanha eleitoral do MPLA. Caso contrario, os implicados ficam despedidos dos seus postos de trabalho, como esteja acontecer agora, em todo o País.

 

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) tinha a tarefa de executar a estratégia, já montada por MAT, no processo da votação, do escrutínio electrónico e do processamento de dados, das Assembleias de Voto ao «Super Computador» do MAT, em ligação directa com a Cidade Alta e com a Sede do MPLA.

 

O Tribunal Constitucional, nas vestes do Tribunal Eleitoral, tinha a tarefa formal de validar os resultados forjados, condenar as forças politicas concorrentes de Oposição, e proclamar injustamente a maioria qualificada, como sendo «factor-determinante» da manutenção do poder-de-decisão.

 

Por isso mesmo, todas as Instituições do Estado, sem excepção, são partidarizadas, sob o «partido-estado dominante», a quem devem obediência absoluta. Razão pela qual, a escolha do pessoal técnico e de funcionários dos Órgãos e das Instituições Públicas e Privadas são escolhidos na base de militância partidária. Mesmo o CNE, as suas estruturas técnicas e administrativas, são de carácter partidário. Os cargos de chefias, a todos os níveis, são de reserva absoluta dos militantes do MPLA. Os Comissários, das Formações Politicas da Oposição, são apenas figuras decorativas, sem poderes nenhuns, e sem acesso às estruturas administrativas e técnicas do Conselho Nacional Eleitoral. O que torna utopia ou ingenuidade politica acreditar na idoneidade, na imparcialidade, na transparência e na credibilidade desta Instituição Administrativa das Eleições.

 

Numa outra perspectiva, importa destacar o papel preponderante do poder financeiro na manutenção das ditaduras. É intricado observar que, quem é detentor do poder financeiro, é igualmente detentor do poder politico. Em função disso, na conjuntura actual do Mundo, os governos sujeitam-se ao poder financeiro, que determina, de grosso modo, a vida económica de um país.

 

Nesta lógica, cresce a tese segundo a qual, o desenvolvimento económico, de um país em desenvolvimento, não depende necessariamente da liberalização política, que esteja assente nos princípios da democracia plural. O Modelo Chinês, do Partido Único, está sendo projectado como prova desta teoria, devido aos níveis mais elevados do desenvolvimento alcançados pela China, num curto espaço de tempo. Por ter conseguido, deste modo, ultrapassar a Rússia, colocando-se ao lado dos Estados Unidos da América, como a segunda maior economia do Mundo. Quanto a esta questão, do desenvolvimento acelerado da China, há uma evolução gradual no Ocidente, em certos círculos liberais, que aceitam implicitamente a teoria do desenvolvimento, sem que haja a liberalização politica, nos moldes do sistema capitalista ocidental.

 

Verifica-se, por isso, o surgimento de Ditaduras em Africa, apoiadas firmemente pela China, na base desta Doutrina, do Partido Único. Levanto esta questão, com contundência, na perspectiva de mostrar que a Classe Politica Angolana tem estado a escamotear os factos, tapando o sol com a peneira. Pois, o MPLA não preconiza um Estado Democrático de Direito, mas sim, busca uma Democracia de fachada, que sirva apenas de instrumento para a consolidação do sistema partido-estado, sob o capitalismo selvagem, com uma minoria burguesa, altamente rica.

 

As teses (do combate à corrupção e de corrigir o que está mal e de melhorar o que está bem) propaladas na campanha eleitoral do MPLA, visavam apenas adormecer a sociedade, na medida em que se adapta à nova conjuntura e aos novos desafios do período transitório – Pós-Zédu. Se olhar bem para Angola de hoje, tornar-se-á evidente a estratégia da consolidação do partido-dominante, sob uma democracia dirigida – multipartidário – mas sem capacidade de alternância ao status quo presente. Procurando, na teoria, adoptar o Modelo Chinês, fazendo abertura ao Mercado Internacional, com algumas adaptações superficiais ao Capitalismo Ocidental.

 

Só que, o Modelo Chinês baseia-se essencialmente na cultura da Boa Governação; assumindo-se integralmente o combate veemente à corrupção. Fazendo investimentos avultados nas comunidades locais pobres, na base de cidadania, e da distribuição equilibrada do rendimento nacional, sem exclusão politica e sem segregação social, racial e étnico-cultural.

 

Na China, por exemplo, se alguém for apanhado em flagrante delito, envolvendo-se nos actos de corrupção, é punido severamente. Nos casos mais graves, chega-se mesmo a aplicação da Pena Capital. Em Angola, pelo contrário, a corrupção é impune. Dando o facto de que, os Órgãos competentes do Estado, como o Poder Judicial e a Policia, não possuírem autoridade nenhuma para tomar conta da corrupção, e punir severamente os infractores. Alias, esses Órgãos em referência, estão fortemente emaranhados na corrupção. Acima disso, em Angola, o Partido no Poder está acima do Estado. A cidadania sujeita-se à militância partidária, que condiciona a vida de todos os cidadãos – em plenitude.

 

O mais grave é de que, a corrupção em Angola situa-se a nível da superestrutura do Estado, descendo para as bases, de uma forma generalizada. O que não coaduna com Modelo Chinês. Alias, o princípio da acumulação primitiva do capital é adoptado pelo MPLA como parte integrante da sua Doutrina, que serve como factor-principal da sustentação e da manutenção do poder politico.

 

Em função disso, os Governantes Angolanos têm estado mais atrapalhados com o enriquecimento ilícito individual – pilhando os Cofres do Estado, sem responsabilização nenhuma. Ao passo que, a elite política da China investe massivamente no seu povo, sobretudo nas comunidades locais pobres. Aplicando, na sua gestão orçamental, as práticas de Boa Governação, assente na fiscalização escrupulosa e na prestação de contas. Este é o contraste existente entre o Governo Chinês e o Executivo Angolano.

 

Repare que, a pobreza não liberta a consciência do homem, de modo a reflectir-se no essencial, para poder atingir os patamares mais elevados da vida. Pelo contrário, a pobreza escraviza o homem e reduz-lhe ao estado de inferioridade, de pequenez, de pessimismo e de subalternização. Este estado de desgaste, de stress, de pressão psicológica e de trauma, só favorece a Ditadura, em busca de supremacia, de opressão e de grandeza do poder absoluto.

Em síntese, sou de opinião de que, o poder financeiro concentrado nalgumas famílias do MPLA ainda ditará as regras do jogo nos próximos tempos e servirá de sustentáculo do poder político em Angola. Enquanto este factor manter-se inalterado será difícil fazer reformas profundas do sistema político vigente. Pois que, a sociedade angolana é bastante vulnerável à manipulação política e é dócil à corrupção institucional, como veículo do tráfico de influências.

O equilíbrio politico no Parlamento deve constituir-se numa meta estratégica das Forças Politicas e da Sociedade Civil. Só que, este desiderato estratégico não deve basear-se em preconceitos abstractos e utópicos. Com efeito, isso exigirá uma boa estruturação institucional, planificação, programação, execução e consciencialização profunda e extensiva dos cidadãos angolanos, sobretudo da Juventude intelectual, que deve assumir-se integralmente como «vanguarda» da Revolução Democrática. Note que, estamos numa sociedade menos avançada, cujo povo vive o trauma da guerra prolongada, que devastara a alma humana.

Acima disso, a Igreja Angolana, na sua diversidade doutrinária, que devia assumir-se como a «reserva moral» da sociedade, deixou de ser espiritual, tornou-se materialista, entregue à corrupção e à instrumentalização politica do poder estabelecido.

Logo, o Conceito da acumulação primitiva do capital deve ser combatido energicamente. Mas, isso passará necessariamente por via das Reformas da Constituição e do Pacote Eleitoral. Só assim poderá reduzir os níveis da manipulação dos processos eleitorais, que têm estado na base da sustentação artificial da maioria qualificada.

Por outro lado, o rapprochement entre a UNITA e a CASA-CE constitui um factor- fundamental, um baluarte, no sentido de desenvolver as sinergias, dinamizar e vitalizar a acção política de mobilizar massiva dos eleitores. Criando um ambiente são de credibilidade e de legitimidade politica, capaz de cativar as vontades dos eleitores indecisos e flutuantes. Por isso, o Conceito da «Bipolarização» da Sociedade Angolana não fortalece a UNITA.

Pelo contrário, levará a UNITA ao estado de estagnação, sem capacidade suficiente de superar o MPLA, que domina as instituições públicas e privadas; o poder político; o poder militar; a média, e o poder económico-financeiro. A não ser que, a UNITA esteja na lógica de subalternização definitiva ao MPLA, como força secundária ou suplementar para a manutenção do status quo presente. A título de exemplo, nas eleições gerais deste ano, os resultados da UNITA e da CASA-CE, em conjunto, superam o MPLA – fazendo uma maioria.

 

Por isso, os advogados da «bipolarização política» do país incorrem-se em erros graves de cálculo, de análise e de realismo politico. Pois que, na sociedade angolana existe uma «base social intermédia» bastante considerável que não alinha-se nem com MPLA nem com a UNITA. Esta base social intermédia tem o potencial imenso de estabelecer o equilíbrio entre as duas matrizes politico-ideológicas do nacionalismo angolano.

Esta base social intermédia, em abordagem, reflecte-se nos números reais da votação em Luanda, em que a UNITA ganhou nos bairros semiurbanos, da periferia. Enquanto, a CASA-CE tomou conta do espaço urbano, com números assustadores, em cada Mesa das Assembleias do Voto. Interessa ressaltar o facto de que, apesar de algumas debilidades, que são óbvias de uma organização emergente, a CASA-CE tem o potencial humano e intelectual fenomenal, que arrasta consigo muita gente, de todos os estratos sociais do País.

Se os dados eleitorais têm sido fiáveis, notarás que, a CASA-CE e a UNITA têm estado a crescer quase na mesma proporção percentual. Alias, a UNITA ainda se encontra na fase de recuperação gradual da sua cifra, de 70 Deputados, obtida nas eleições legislativas de 1992. Observando, neste respeito, uma tendência de descida contínua, de dez dígitos, ao MPLA, desde as eleições gerais de 2008.

Por outro lado, o papel das Potências Ocidentais na promoção da democracia multipartidária ficou inibido pela instabilidade global, sem uma liderança credível no Mundo; sem rapprochement estável entre as três Potências Mundiais; e sem uma plataforma sólida para fazer face aos desafios actuais, e buscar soluções viáveis aos problemas que afectam a Humanidade. Esta é a realidade concreta do Mundo contemporâneo sobre o qual deve assentar a nossa visão politica e a nossa estratégia da conquista do equilíbrio politico e da mudança politica.

Enfim, o «equilíbrio político» deve constituir-se numa «meta estratégica» da «alteração da maioria qualificada», incuti-lo na mente dos eleitores, como «factor- determinante», da «transformação politica», e da «modificação do status quo» prevalecente. Repare que, nas democracias modernas, do mundo ocidental, funcionam na base do equilíbrio político, da partilha do poder público, através de coligações, pós- eleições.

Luanda, 24 de Setembro de 2017