Luanda - A (I)CONSTITUCIONALIDADE DO DESPACHO N.º 635/17, DE 15 SETEMBRO, QUE ARQUIVA TODOS OS PROCESSOS DA ACTIVIDADE INSPECTIVA DESENVOLVIDA PELA INSPENCÇÃO GERAL DA ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO- DE 1/01/2013 A 30/8/ 2017.

Fonte: Club-k.net

Estrutura da breve reflexão.

1. Breves considerações sobre os meios de controlo da, possível, inconstitucionalidade do referido despacho;


2. Inspencção Geral da Administração do Estado (IGAE).

2. 1. Noção, Finalidades e Competências;

3.Exposição do problema;

4. Alguns “prováveis” vícios do sobredito DESPACHO: (i) falta de fundamentação; (ii) violação do princípio da igualdade; (iii) incompetência do IGE para o referido despacho de arquivamento, (iv) violação dos seus deveres legais por omissão; (v) inconstitucionalidade (…).

5. Conclusão.

6. Sugestões.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS POSSÍVES MEIOS DE CONTROLO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO DESPACHO.


Previamente, achamos oportuno aclarar que o controlo da inconstitucionalidade dos actos dos entes públicos não pode reduzir-se à fiscalização efectuada pelos TRIBUNAIS, devendo considerar-se também as formas de defesa da legalidade a cargo dos ÓRGÃOS POLÍTICOS ao dispor dos próprios cidadãos;


1. Neste sentido, o PRESIDENTE DA REPÚBLICA, ao tomar posse, jura “cumprir e fazer cumprir a constituição” – cf. artigos 115.º e 108.º n. º5 da LC), e à ASSEMBLEIA NACIONAL compete, no exercício das suas funções de fiscalização, “vigiar pelo cumprimento da constituição” - cf. artigo 162.º alínea a) -;

2. Logo, os cidadãos, por sua vez, podem exercer o seu direito de petição perante os órgãos de SOBERANIA em defesa dos seus direitos ou do PATRIMÓNIO PÚBLICO, entre outros- cf. artigo 74.º), podendo ainda apresentar ao PROVEDOR DE JUSTIÇA queixas por acções ou omissões dos poderes públicos, que violem a lei, direitos (…).

2. INSPENCÇÃO GERAL DA ADMNISTRAÇÃO DO ESTADO (IGAE).


(i) Quanto à sua natureza - É um órgão auxiliar do Titular do Poder Executivo (PR), equiparado aos Departamentos Ministeriais, hierarquicamente depende do mesmo, mediante a mediação do Ministro do Estado e chefe da Casa Civil (cf. artigos 1.º; 2.º e 3.º do Decreto Presidencial n.º 215/13, 16 dezembro, Estatuto Orgânico da “IGAE”.

(ii) Em relação aos seus poderes funcionais e finalidade – A IGAE, sem grandes pormenores, por não ser determinante para a nossa reflexão, existe para inspecionar, auditar, controlar a actividade dos órgãos, organismos e serviços da Administração directa e indirecta do Estado, bem como das Administrações autónomas e independente. Também, na sua qualidade de coordenador do sistema de controlo interno da Administração do Estado, superintende todos os órgãos de Inspencção existentes;

(iii) E assim, visa promover uma governação mais eficiente e eficaz, da actividade administrativa do Estado e a boa gestão dos recursos financeiros e patrimoniais públicos (v.g. diminuição da burocracia e da corrupção);

(iv) Do ponto de vista organizacional – Tem como titular máximo da função executiva o Inspector Geral do Estado(IGE), cujas competências estão previstas no artigo 11.º do referido diploma, destacando-se, como é lógico, a direcção da actividade e acção inspectiva do sobredito órgão, que compreende, entre outros, o direito de ser informado sobre a actividade dos órgãos da administração do Estado; determinar a realização de inquéritos, sindicâncias, averiguações, exames (…).


3.EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA.


Por DESPACHO n.º 635/17, de 15 de setembro, o Inspector Geral do Estado, fundamentando-se, unicamente, no n. º1 do artigo 30.ºdo Regulamento do Procedimento de “IGAE” e na alínea a) do n. º2 do artigo 11.º do Estatuto Orgânico da “IGAE”, determinou o seguinte:

(…) “São arquivados todos os processos da actividade inspectiva desenvolvida pela Inspeção Geral da Administração do Estado de 1 de Janeiro de 2013 a 30 de Agosto de 2017”

Ora, o despacho em análise, ARQUIVA toda inspecção realizada nos últimos cinco anos.
Eis a questão legítima e urgente, que tem atormentado muitos dos nossos concidadãos:

- O DESPACHO EM CAUSA É LEGAL?

Antes de emitirmos a nossa opinião quanto à i(legalidade) do sobredito despacho, por ser logicamente recomendável, optaremos por identificar, previamente, alguns dos possíveis vícios que julgamos afectar gravemente o acto em causa.

3. ALGUNS PROVAVEIS VÍCIOS DO SOBREDITO DESPACHO.


Ei-los:

3.1. VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DOS ACTOS ADMNISTRATIVOS.

Tendo em conta à equiparação da IGAE aos departamentos Ministeriais, o referido despacho é um ACTO ADMINISTRATIVO- conforme se afere inequivocamente dos artigos 2.ºdo Estatuto Orgânico da IGAE, bem como dos artigos 63.º do Dec.- Lei n.º 16-A/ 95, e 1.ºda Lei n.º 2/94 (...), da Impugnação dos Actos Administrativos, entre outros.


Logo, por este motivo, carece de justificação, ou seja, para a legalidade de um acto administrativo, como refere FREITAS DO AMARAL “A fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explicita das razões que levaram o seu autor a praticar este acto ou a dotá-lo de certo conteúdo” – cf. Curso de Direito Administrativo, VolI, pág.352, Almedina, 2001. Dito de outro modo, não sendo um acto político, é necessário que o Órgão que o pratique exteriorize as motivações da sua decisão (cf. art. 67.º do Dec. 16-A/ 95 (…), entre outros.

Pois, este dever de fundamentação da decisão e pela sua importância que na estruturação do Estado democrático, é elevado a direito fundamental - cf. artigo 200.º n.º3 da LC-.


Isto dito, basta uma breve análise ao referido despacho, para constatarmos que o mesmo não exterioriza as razões que o motivaram. Logo, a nosso olho, violou o dever de fundamentação constitucional consagrado. Por outras palavras, ESTÁ VICIADO!


3.2. VIOLAÇÃO DO PRÍCIPIO DA IGUALDADE.

O princípio da igualdade é um dos imperativos constitucionalmente consagrados que deve nortear toda actividade dos entes públicos – cf. artigo 198, n.º1 da LC-.
Ora, atentos ao seu conteúdo, sucintamente, podemos aclarar que um dos seus reflexos pode ser exteriorizado na velha fórmula aristotélica “aquilo que é igual deve ser tratado de forma igual e aquilo que é diferente deve receber tratamento desigual.”

Em boa verdade, no referido despacho, o Inspector “GE” DETERMINA o ARQUIVAMENTO de TODOS os processos – dos últimos cinco anos- sob sua responsabilidade inspectiva. Como se constata, estes processos abrangidos pelo despacho em questão, foram alvos de IGUAL decisão, apesar de serem DIFERENTES, a julgar pelos agentes que os praticaram, o nível e o estado de inspecção já desenvolvida em cada um deles pela IGAE, os valores envolvidos – tratando-se de questões financeiras-, (…). Assim sendo, para nós e salvo melhor opinião, o despacho em causa conferiu tratamento IGUAL para situações DISIGUAIS. Logo, VIOLOU O PRÍNCIPIO DA IGUALDADE constitucionalmente consagrado no referido artigo!

3.3. VIOLAÇÃO DOS SEUS DEVERES LEGAIS POR OMISSÃO.

Como se afere do quadro legal, que regula toda a actividade da IGAE e os princípios constitucionalmente consagrados, com vista a satisfação do interesse público- cf. artigo 198.º da LC-, os poderes funcionais que são conferidos ao Inspector Geral do Estado são para AGIR (acção) neste sentido. Só assim, poderá auxiliar o Chefe do Executivo no que tange à BOA GOVERNAÇÃO.

Do ponto de vista do Direito, “OMITIR significa não fazer algo que era esperado fazer, porque era juridicamente devido ou imposto” (cf. JORGE P. da SILVA, Dever de legislar (…) pág. 11)”.

Nesta lógica, atentos ao referido despacho, o arquivamento de todos os processos sobre a égide da IGAE, dos últimos cinco anos, para nós, contradiz o que é de esperar juridicamente do Órgão em causa. Porquanto, arquivar todos os processos sem que tenha sido concluída a devida inspecção, para daí se aferir se existe boa ou má administração, não defende o interesse público. Logo, o referido despacho VIOLOU A LEI POR OMISSÃO, nos termos fixados no n.º 1 do artigo 198.º da LC, pormenorizado em legislação ordinária.

3.4. INCOMPETÊNCIA DO INSPECTOR “GE” PARA O REFERIDO ARQUIVAMENTO.

Para fundamentar o Despacho em causa, o IGE fundamentou a sua decisão, nos termos do n. º1 do artigo 30.º do Regulamento (…) da IGAE, aprovado pelo Dec. Executivo n.º 334/17, de 5 de julho e no seu Estatuto Orgânico – alínea a) do n. º2 do artigo 11.º.

Será que os artigos referidos sustentam a legalidade do Despacho em causa?

Eis o artigo 30.º(arquivamento do processo) do Regulamento (…) IGAE:

“1. O processo é arquivado por despacho do Inspector Geral da Administração do Estado, após a realização de todas as diligencias que nele devam ser efectuadas (…).

Ora, por um lado, com base no próprio texto legal (elemento gramatical) facilmente se constata que ao Inspector é lhe conferido poder para arquivar O PROCESSO, sob sua inspecção. Ou seja, vistos individualmente e não os PROCESSOS abstratamente considerados, como o fez no despacho em questão.

Por outro, este poder de determinar o arquivamento das inspecções despoletadas por si ou por orientação do Titular do Executivo não é discricionário. Pelo contrário, está condicionado pelo culminar de todas as diligencias legalmente impostas – cf. parte final do n. º1 do artigo 30.º do sobredito diploma.

Logo, para nós, pelo dito nos parágrafos anteriores, o Despacho é ILEGAL. Pois, violou a proibição de arquivamentos genéricos dos actos que podem lesar o interesse público, bem como o facto de tal arquivamento só poder ser determinado, após esgotadas todas as diligencias legalmente exigidas, para aferir se o mesmo é “fasto” ou “nefasto”.

Acrescenta-se que, do ponto de vista legal, as entidades nomeadas pelo Chefe do Executivo, não podem ser objecto de Inspecção da IGAE sem a sua prévia autorização (cf. artigo 6.º n.º4, do Estatuto orgânico da IGAE).

Assim sendo, por maioria de razão, também o arquivamento dos processos destas entidades, só podem ser finalizados pelo referido titular ou por delegação - de poderes específicos e devidamente fundamentado - deste ao Inspector do Estado. Atentos ao referido despacho, o mesmo não faz menção desta devida autorização
prévia por parte do Titular do Executivo para decidir em relação aos mesmos.


Logo, entendemos que o despacho também está viciado por incompetência, “quiçá” ferido de usurpação de poderes. Porquanto, tratando-se processos que, também, podem ser alvos de investigação criminal, tal arquivamento só pode ser feito pelas autoridades legalmente competentes (PGR ou os Tribunais).

5. CONCLUSÃO.


Cônscios de que não detemos o monopólio da verdade jurídica, a nosso olho, face ao exposto, o referido DESPACHO É INCONSTITUCIONAL, pois, é ferido de vários vícios, a saber: (i) falta de fundamentação; (ii) violação do princípio da igualdade; (iii) incompetência do IGE para o referido arquivamento, (iv) violação dos seus deveres legais por omissão;(v) inconstitucionalidade (…).

Por último e não menos importantes, os vícios e os fundamentos por nós identificados e partilhados, não esgotam todas as patologias graves que afectam o despacho em causa, mas são suficientes para considerá-lo INCONSTITUCIONAL.

6. A NOSSA SUGESTÃO.

1. Tendo em conta os Órgãos judiciais e políticos referidos, que devem fiscalizar constitucionalidade dos actos administrativos, o mesmo é impugnável por ser inconstitucional.

2. Para o efeito e exemplificativamente, por intermédio de: a) reclamação dirigida ao agente que o praticou; b) recurso hierárquico ao Titular do executivo, nos termos da Lei para impugnação dos actos administrativos e da LC; c) impugnação contenciosa junto dos Tribunais e ainda, por denúncia aos órgãos de Soberania ou estadual, competentes. V.g. Assembleia Nacional e/ ou ao provedor de justiça.