Luanda - Entre os muitos calendários que como angolanos nos são úteis, creio que vai agora passar a fazer parte da conversa comum, mais um calendário. O do ano agrícola, cujo o novo deu inicio ontem no município do Catchiungo província do Huambo.

Fonte: Club-k.net

E como é normal, para qualquer estudante de economia atento e que tenha no agronegócio o seu foco, este é um evento que não pode passar por despercebido, pois as economias têm na agricultura não apenas a sua coluna vertebral, mas também é importante porque é da agricultura onde saí o pão-de-cada-dia que nos mantêm todos de pé. Sem comida não podemos sequer pensar, nada em nós funciona.

A minha esperança no entanto, é que este ano agrícola seja o melhor de todos que já tivemos, pois o país começa a experimentar ventos novos que nos deixam a todos com cada vez mais vontade de participar no engrandecimento da nossa nação.

Enfim… porque para me informar sobre estas coisas, dependo actualmente das matérias que são postas a disposição por orgãos informativos de respeito como o Jornal de Angola e a Angop, acabei devorando o que estes actores do jornalismo divulgaram acerca do assunto em causa, nomeadamente a abertura do ano agrícola 2017/18, e fiquei preocupado com alguns dados que espero não passem de meros erros e que as verificações aconteçam.

O Jornal de Angola, noticia na sua edição on-line de ontem 11.10.2017 um modelo de agricultura familiar, segundo este jornal, que se pretende para o país. Não pude verificar que modelo é este, mas espero que seja um modelo criado com base em consultas com os agricultores e técnicos que trabalham directamente no campo nas mais variadas latitudes do país, nos mais variados relevos, nos mais variados solos, nas mais variadas condições edafoclimáticas, nas mais variadas tradições, espero que tenha havido conversa suficiente e como é claro, que seja um modelo com o qual o agricultor possa viver auto-suficiente e ainda possa obter lucro. No final, esperamos todos que não se trate de uma proposta-imposição.

A mesma noticia faz referência a uma afirmação do director provincial do Huambo para Agricultura e Florestas, onde este diz que a província tem disponíveis 7 500 hectares para este ano agrícola. Neste ponto temos que entender que o país ainda se debate com a falta de mecanização suficiente para fazer disponível mais terra agrícola, mas não podemos esquecer que o Huambo tem mais de 3 milhões e quinhentos hectares de extensão onde vivem em volta 58 habitantes em cada 100 hectares (equivalente a aprox. 58 habitantes/Km2) e com esta densidade populacional será possível dispor muito mais hectares para a agricultura.

O ponto que me preocupa nas afirmações do director, é quando ele diz que das 24 mil famílias rurais que habitam o Catchiungo, 12 600 (metade) receberão assistência para trabalhar nos 7 500 hectares. Aqui fiquei sem saber se os 7 500 hectares afinal são da província de forma geral, ou do município em causa apenas, porque a meu ver se se vai dar assistência, tem que se dar aos habitantes dos 11 municípios da província, e depois esta assistência que se estenda então para o resto do país de maneiras a levarmos a agricultura a funcionar em todo o país.

Na mesma noticia do Jornal de Angola, também retomada fielmente pelo portal Angonoticias, se faz referências a produção de 5 mil toneladas de milho e 32 toneladas de batata rena em 4 mil hectares, ainda em palavras atribuídas ao responsável pela agricultura no Huambo. Ficando nós sem saber quantos hectares vão produzir milho e quantos vão produzir batata. Mas, para nos situarmos podemos olhar para as referências de alguns países, quanto ao milho o Brasil já chegou a 16 toneladas/hectares, os EUA 11 toneladas/hectares, Portugal passa das 7 toneladas /hectares, só pra referência. Se o milho citado pelo director for cultivado nos 4 mil hectares, estaríamos apenas a tirar 1,2 tonelada/hectare, deixando claro que temos ainda um longo caminho a seguir.

Com relação a batata rena, num trabalho de campo em que participamos recentemente, verificamos a produção de 500 toneladas de batata num espaço de 20 hectares (equivalendo a 25 toneladas/hectare e em média 21 tubérculos por rama), sendo que a capacidade real constatada foi da possibilidade de se poder chegar as 40 toneladas por hectare. E para isso não foi necessário técnicas de outros mundos, apenas uma boa gradação da terra e o uso de fertilização baseada em dejectos de gado bovino antes e depois da plantação, seguido de irrigação devidamente controlada num espaço onde a rotação de cultivos é absolutamente respeitada.

Na noticia a que vimos nos referindo, tivemos dificuldades em enquadrar as 32 toneladas de batata nos 4 mil hectares de terra citados pelo exímio director, por se tratar de quantidades muito pequenas para tanta terra.

No portal da Angop onde vários artigos fizeram referências a abertura do ano agrícola, um deles citava dados da campanha 2015/2016 dizendo que o país tem uma disponibilidade de 35 milhões de hectares de terra arável, quando outros dados já nos mostraram que a disponibilidade de terra arável em Angola era de 58 milhões de hectares o equivalente 47% do território (vide Relatório Económico de Angola 2013 da UCAN citando dados do MINADER de 2011; MINAGRI 2012/13 e relatórios do IDA) pode-se também encontrar esta informação no video “Angola Rumo ao Futuro” exibido recentemente pela Euronews sobre a agricultura em Angola.

Esta confusão nos dados agrícolas do país, mostra que existe uma necessidade de um censo agropecuário que vai ajudar a todos a actualizar os dados existentes e a conhecer as reais capacidades e necessidades do país, e deixarmos assim de fazer o primeiro sector da economia baseando-nos em alarmes e especulações que no fundo só prejudicam.

Como disse o presidente, “vamos arregaçar as mangas produzir comida”, mas temos que fazer isso sabendo exactamente o que estamos a fazer, onde estamos a fazer, como estamos a fazer e quando vamos fazer.