Lisboa - Importa aqui observar alguns elementos presentes na obra artística de Kiluanji Kia Henda que tivemos o prazer de assistir no espaço Hangar cuja o título reporta para o “Estado Gendarme feminicida ” incorporado diariamente pelas instituições públicas angolanas. O “ Túmulo da Zungueira Desconhecida” vai além de um simples exposição que retrata um quadro dramático da sociedade angolana, especialmente boa parte da população cerceada pelas desfiliações sócio económicas e urbanas.

Fonte: Club-k.net

O corpo da zungueira representado pelos produtos que vende e pelos materiais que utiliza para transportar seus produtos nos remete a redução da humanidade da mesma dentro da esfera social, e aos processos de “coisificação” aos quais as pessoas subalternizadas estão submetidas. O rosto coberto pela cera de vela, nos dá a possibilidade de reconhecer a escala maior do processo de aniquilação social dos cidadãos que estão à “margem da zona do ser” estabelecida pelo poder económico, e permite uma abertura ao nosso imaginário para ver muitos outros rostos que se encontram em condições similares, naquele corpo caído ao chão.

O formato de pirâmide nos transporta para a reflexão sobre a concentração de renda, bem como a condição de vulnerabilidade que permeia os “não sujeito de direitos”, e a dimensão dessa forma na obra, revela e a estrutura vertical da violência proveniente do Estado, contra a qual o “cidadão comum” não possui qualquer possibilidade de defesa. No entanto , a obra perde suas forças de comunicação ao tratar da questão de género quando é habitada pelo texto de Luandino Vieira , que faz referencias a certo saudosismo da cidade de Luanda , perdida pelas cinzas do passado colonial , distante da condição da mulher em questão .

O feminício é uma das categorias de violência do poder patriarcal cuja presença se espelha por completo no Estado Moderno, no qual certos direitos são ignorados quando se está em causa o corpo da mulher , especialmente mulheres negras que são submetidas as terríveis territorialidades da violência do Estado. Uma vez que a educação da sociedade luandina é calcada no ideário machista ocidental de herança colonial, é necessário se tomar algumas precauções para abordar uma questão tão complexa, pois a mesma envolve muito mais do que um jogo de ideias ou imagens. Sendo assim a obra se trai no momento em que é dinamizada pela performance onde um corpo masculino recita um texto masculino que não estabelece relação com a condição social da mulher zungueira ou sequer procura cita-la, outra vez , fomos convidados assistir a banalização da morte daquela Mãe que percorreu as ruas de Luanda como fonte única de sustento para os seus kandengues.

 

É de se reconhecer o interesse do autor em abordar questões que geralmente passam despercebidas no ciclo artístico angolano, porém, é necessário salientar que quando a performance entra como signo para compor com a obra sua função deveria ser co-criar as possibilidades de significação das imagens criadas por Henda, ou seja, complementar as significações possíveis, potencializando o universo proposto pelo autor, porém o que assistimos acabou por se desviar da obra transformando-a em cenário para um texto desconexo.

 

Por fim, torna-se necessário pautar que o processo de criação sígnica em arte é indomável e que a disposição e conjunção de diversos elementos pode encadear diversos significantes, porém, quando a arte se propõe a estabelecer relação com determinados fatos sociais há que tomar os devidos cuidados com a seleção de signos utilizados pois “detalhes” em primeira instância visto como pequenos, podem contradizer todo um discurso.

Escrito ,
Lubanzadyo Mpemba e Rose Mara Silva