Luanda - 1. Nota Prévia: Nos termos do artigo 118º da Constituição da República de Angola, o Presidente da República deve dirigir um Discurso Sobre o Estado da Nação aos Deputados na Assembleia Nacional.

Fonte: Facebook

ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS

Esta imposição legal tem a sua relevância jurídico-constitucional por três ordens de razões: a primeira, permite, que o Titular do Poder Executivo possa informar aos representantes do Povo, sobre situação económica, social, política e de segurança nacional do país. Sendo um discurso obrigatório, o Chefe de Estado tem que, anualmente, apresentar um "relatório" ao país sobre todos aos aspectos da vida nacional; em segundo lugar, proporciona uma oportunidade única de. encontro entre os dois poderes que formam o sistema de Governo - o Executivo e o Legislativo; em terceiro lugar, confere ao Chefe de Estado, uma oportunidade de dirigir-se formalmente ao cidadãos e dar-lhes a conhecer o andamento do seu programa de governação.


Contudo, o que assistimos na segunda feira 16 ? Vou, de seguida, comentar sob o ponto de vista jurídico, o primeiro Discurso Sobre o Estado da Nação, do novo Presidente da República, João Lourenço, dividindo a minha abordagem em dois grandes aspectos: os positivos e negativos.


ASPECTOS POSITIVOS


2. Aspectos positivos do Discurso à Nação do Presidente da República, João Lourenço.


Sob o ponto de vista jurídico, destacamos, do discurso do Presidente da República, os seguintes aspectos positivos:


2.1. Implementação das Autarquias Locais no presente mandato (2017-2022)


O Presidente da República, João Lourenço, anunciou no discurso que fez à Nação, que as Autarquias Locais serão uma realidade em breve trecho. Este anúncio representa um boa notícia, pois a concretização desta promessa, trará benefícios tangíveis às populações. Como sabemos, as Autarquias Locais, são entidades administrativas que vão propiciar maior eficiência e eficácia dos serviços públicos, conferindo maior proximidade entre governados e governantes. Esperemos que esta entidade constitucional saia do papel para realidade, como afirmou o Presidente da República no seu discurso! Ficamos a aguardar.

2.2. Reforma e reforço do sistema de justiça


O Presidente da República, disse alto e bom som, que vai continuar o processo da reforma da justiça angolana em curso, fazendo aprovar o novo Código Penal e demais leis do sistema que necessitam de actualização. Prometeu, e bem,e espero a sua concretização de bom grado, a criação do Tribunal da Relação de Luanda, que servirá de tampão ao fluxo intenso de processos dirigidos ao Tribunal Supremo. A ser implementada, esta solução será uma mais valia para o sistema judiciário angolano.

2.3. O Presidente da República deu ênfase ao combate à corrupção, com a criação de mecanismos jurídicos mais eficazes e actuais.


2.4. O Chefe de Estado, afirmou que vai melhorar os recursos humanos no sector da justiça, não só com o aumento de número de magistrados, que considerou insuficientes mas, como também, prometeu melhorias nos demais órgãos Auxiliares da Justiça, tais como os serviços de investigação criminal, oficiais de justiça, entre outros profissionais da área que merecerão atenção da nova governação.


2.5. Ainda na área da justiça, vale aplaudir as medidas que, embora sendo transversais , ajudarão imenso o Sector da Justiça, refiro-me ao melhoramento prometido no sistema de ensino (que anda débil), e a reforma da administração pública (lenta e burocrática). Estes dois aspectos da governação vão melhorar a justiça angolana, e esta, seguramente, dará passos significativos no seu desempenho.


2.6. Aprovação de uma nova lei da concorrência e o fim do monopólio em alguns sectores, destacando as telecomunicações e a indústria pesada (sector do cimento), foram bem acolhidas.

ASPECTOS NEGATIVOS


3. Aspectos Negativos do Discurso Sobre o Estado da Nação proferido Presidente da República, João Lourenço


O Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro Discurso Sobre o Estado da Nação , sob o ponto de vista jurídico, deixou de fora matérias relevantes que deveriam merecer tratamento. Consideramos, por isso, aspectos negativos desta sua estreia no discurso que anualmente tem que dirigir aos representantes do Povo na Casa das Leis. E, de seguida, passo a enlencar e explicar telegraficamente estes aspectos negativos.

3.1. Direito Costumeiro e Autoridades Tradicionais


O Presidente da República, João Lourenço, deixou de fora, no seu discurso, a problemática do Direito Costumeiro e consequentemente a abordagem sobre a inserção Jurídico-legal das Instituições do Poder Tradicional (também designadas Autoridades Tradicionais). O Presidente da República, João Lourenço, esqueceu-se de informar aos deputados como vai tratar esta realidade.Temos que saber o que o Chefe de Estado pensa fazer, pois a institucionalização Jurídico-formal das Autarquias Locais está intimamente ligada a esta problemática. Não podemos tratar as Autarquias Locais, sem resolver a questão da coexistência entre o Direito Costumeiro e o Direito Estadual e a coabitação entre as entidades estaduais (e entidades autárquicas) e as Autoridades Tradicionais. As Autarquias Locais e as Autoridades tradicionais são temas do meu âmbito de investigação. Tenho uma obra publicada em 2009 sobre este dois temas do Poder Local, fruto de um aturado trabalho de estudos de casos ( levado acabo em todo território nacional por uma ONG em que participei como consultor Jurídico), sendo por isso matérias do meu domínio. Desse modo, faço questão de assinalar a sua relevância para a inclusão social anunciada pelo Presidente da República, João Lourenço.

3.2. A Problemática da terra


No Discurso Sobre o Estado da Nação, não vimos referências sobre como vai o Titular do Poder Executivo resolver os conflitos de terras que assistimos em todo país. Sabemos que o combate à pobreza (que o Presidente da República enfatizou) e o Programa Nacional de Habitação (que o Chefe de Estado reafirmou a sua continuidade), não terão êxito se a questão da distribuição da terra não for devidamente tratada. Como sabemos, a Lei de Terras e a Lei do Ordenamento do Território, aprovadas depois do término do conflito armado, não tem correspondido à demanda, nem tem ajudado a solucionar os desafios que a ocupação de terras apresenta. Urge, Senhor Presidente da República, um novo tratamento a legal a terra e consequentemente a sua distribuição a quem precisa e dá utilidade efectiva à mesma.

3.3. Posicionamento do Papel do Estado na Economia

Embora conheçamos o programa do Partido MPLA, e o que diz a Constituição da República de Angola, não ouvimos no primeiro Discurso Sobre o Estado da Nação, qual será o papel do Estado na economia. O Presidente da República não disse aos angolanos, o que o seu governo vai fazer com a máquina administrativa e empresarial enorme, pesada e pouco eficiente. Não bastou ouvir que haverá reforma administrativa. É uma expressão indeterminada. Precisávamos ouvir do Presidente da República se teremos um Estado excessivamente intervencionista ou derivaremos para um mais liberal ! Ou dito de outro modo, o Estado há de ser providencial como tem sido até agora, ou vamos ter um Estado mais regulador e policial, deixando outros actores económicos protagonizarem o cenário económico? O Senhor Presidente da República não foi claro neste ponto.

3.4. Parcerias Público-Privadas


A diversificação da economia passou a ser um chavão na linguagem política desde que a crise se instalou em Angola no segundo semestre de 2014. Contudo, para alcançar a desejada diversificação, são necessários vários instrumentos jurídicos de governação. Alguns foram apontados no discurso, mas as Parcerias Público-Privadas ( adiante designada PPP's) foram ignoradas. Aproveitamos para recordar ao Senhor Presidente da República que há uma lei aprovada pela Assembleia Nacional desde 2011, sobre as PPP´s, e, por razões que desconhecemos, não está a ser implementada. Talvez porque o Ministro da Coordenação Económica de então, tenha sido demitido logo após a sua aprovação. Coincidentemente o Senhor Presidente da República nomeou-o de novo nas mesmas funções. Posto isto, façam ( Presidente da República e Ministro da Coordenação Económica e Desenvolvimento Social) com que as PPP's sejam uma realidade.Tendo sido eu o cordenador da comissão técnica que elaborou a Lei das PPP's e tendo publicado um livro sobre o tema em questão, sinto-me à vontade para me prenunciar a respeito. Por isso, considero que a Lei das PPP's é um instrumento importante que o Presidente da República não pode prescindir na sua governação, pois permitirá, seguramente, uma forte captação de investimento estrangeiro necessário ao desenvolvimento do país. As PPP's vão ajudar o Estado a libertar-se de muitas tarefas e concentrar-se nas mais importantes. Hoje assistimos, por exemplo, um péssimo programa rodoviário do país. As PPP's trariam melhorias substanciais neste sector. E mais: são inúmeras as áreas onde as PPP's podem jogar um papel importante na governação, tais como na habitação, saúde, obras públicas, turismo ( matéria que o foi devidamente tratada no discurso) e até no sistema de justiça poderia ser implementada. Fica, aqui e agora, o apelo.


3.5. Privatizações e o Sector Privado

No seu discurso sobre o Estado da Nação, o Presidente da República não falou do programa de privatizações , na senda de não informar qual o papel do Estado na Economia. E, como sabemos, há várias empresas do sector empresarial público que necessitam urgentemente de passar para o sector privado. E essa migração é fundamental, não só para diminuir as elevadas despesas do Estado, mas também para racionalizar recursos e permitir que privados desenvolvam actividades que possam ser lucrativas para ambos sectores (Público e Privado). O Sector Privado não foi destacado. Registamos apenas, pequenas referências e não vimos uma preocupação em incentivá-lo, nem foi tratado como um verdadeiro parceiro do Estado, no seu anunciado programa de diversificação da economia, e, por isso, não ocupará um lugar de destaque no processo de desenvolvimento do País.


Aqui chegado, vale a pena concluir dizendo que não cuidei dos aspectos económicos propriamente ditos, apenas aqueles que entroncam com o Direito. Os aspectos sociais também não são objecto da nossa investigação, por este facto, não mereceram tratamento no presente comentário jurídico. Todavia, no cômputo geral, o discurso foi bom. De 0 a 20 atribuo 14.

E com isto termino.