Luanda  - 1. Questões Prévias

Nos últimos dias, instalou-se uma polémica na sociedade angolana a propósito da possível nomeação, para o Conselho da Administração da Sonangol, de pessoal expatriado.


Esta questão trazida a debate em vários círculos aguçou o meu apetite investigativo.


Por se tratar de uma matéria de Direito Administrativo, sinto-me à vontade para me pronunciar, na qualidade de docente deste apaixonante quadrante do Direito.


A questão mais discutida é a de saber se a indicação de um Conselho de Administração integrado por cidadãos estrangeiros não constitui, por si só, passagem de "certificado de incompetência" aos quadros nacionais do sector. E mais: tendo sido uma empresa que, por anos a fio, conheceu somente direcção e gestão angolana, e tendo-se alvitrado falência técnica da mesma, a nomeação de Administradores expatriados aumenta a suspeita da gravidade da situação naquela que é a maior bandeira empresarial de Angola.


Resumindo, a questão é esta: em Angola, os quadros nacionais têm sido valorizados no sector público?

Na busca dos nossos "quadros perdidos", desenhámos o esqueleto da nossa apreciação académica do seguinte modo: num primeiro momento, vamos identificar o problema; num segundo momento, elencaremos dois casos semelhantes (sem prejuízo de outras situações análogas); num terceiro momento, discutiremos o problema; e, por fim, num quarto momento, indicaremos a nossa posição com conclusões e recomendações da praxe.
Estas são as premissas.

Acredito que já estão todos prontos, pois a viagem vai começar!

2. O Problema (Factos)

Foi noticiado por alguns órgãos de empresa, em Angola, que o Sr. Emídio Pinheiro, cidadão português, que durante vários anos foi o Presidente do Conselho de Administração do Banco de Fomento de Angola (BFA), iria integrar o Conselho de Administração da maior empresa angolana – a Sonangol. Vinculou-se, outrossim, que dois outros cidadãos lusos iriam fazer parte do referido Conselho de Administração. A reacção de vários sectores da sociedade, entre debates nos órgãos de informação, academias e até pronunciamentos de distintas figuras públicas nas redes sociais, inclinaram-se, em grande medida, para a rejeição da ideia. É voz corrente que esta não será uma medida acertada, pois coloca em causa o que dispõem as leis nacionais e a política assumida pelo Estado. Por outro lado, numa posição quase de vencida, está uma corrente que defende que o mais importante são os resultados e não a nacionalidade de quem esteja a administrar a referida empresa pública.

São estes os factos. Especulativos ou não, estes factos servirão de pretexto e de hipótese académica para discutirmos em que medida a Constituição, a lei, a doutrina (no fundo, o Direito) tratam os quadros nacionais.

3. Casos Semelhantes
3.1. Razão de Ordem

Na história recente de Angola, encontramos situações análogas ou semelhantes à do actual quadro que se projecta para a Sonangol.


3.2. Caso CROWN AGENTS

No ano 2002, o Governo angolano, confrontado com as fracas receitas arrecadas pelas Alfândegas, contratou a firma britânica CROWN AGENTS para colocar ordem na casa e elevar o nível de receitas para o Estado. Estávamos num período difícil da nossa história, pois ainda decorria, no país, a atroz guerra fratricida que opunha o Governo e o partido UNITA. A referida guerra dividia os angolanos e provocava a destruição em todo o território.

3.3. Caso EMIRATES


A companhia aérea de bandeira dos Emirados Árabes Unidos (EMIRATES), uma das maiores e mais prestigiadas companhias aéreas do mundo, firmou com o Governo angolano um contrato de gestão e exploração da companhia de bandeira nacional, a TAAG. Como é de conhecimento público, a nossa empresa de aviação enfrentou, ao longo da sua história, diversos constrangimentos, quer a nível de gestão (falência técnica), quer a nível operacional (interdição de voar para a Europa e consequente colocação na lista negra das companhias mais desprestigiadas do mundo). Esta associação à Emirates visava resgatar o brilho e o prestígio que, em determinado momento da sua existência, tinha granjeado. Outro objectivo, não menos importante, que se pretendia alcançar com a entrada da Emirates na gestão da TAAG era o de melhorar a performance financeira da empresa. O "casamento" durou pouco: a Emirates rescindiu, unilateralmente, o contrato, alegando falta de pagamentos e outros incumprimentos associados a dificuldades no repatriamento dos capitais arrecadados em Angola. O Governo, não tendo outra saída, nomeou uma nova equipa de nacionais para gestão da nossa TAAG.

EM DEFESA DOS QUADROS ANGOLANOS PERDIDOS


4. Protecção Jurídico-Constitucional e legal dos Quadros Angolanos
4.1. Razão de Ordem


Neste capítulo, iremos analisar como a Constituição e as leis ordinárias tratam o cidadão angolano face ao mercado de trabalho. Ou, dito de outro modo, como as leis nacionais tratam os quadros angolanos. Vamos primeiro analisar o que diz a Constituição, e, de seguida, o que as leis infraconstitucionais dispõem a respeito, sobretudo no sector administrativo e empresarial do Estado.

4.2. Protecção Jurídico-Constitucional


A Constituição da República de Angola (usualmente designada CRA) confere acesso e protecção jurídica aos cidadãos nacionais em matéria de emprego. Se analisarmos o catálogo dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, vamos surpreender a consagração expressa do direito ao emprego, pois, nos termos do artigo 76.º (direito ao trabalho): “1. O trabalho é um direito e um dever de todos. 2. Todo o trabalhador tem direito à formação profissional, justa remuneração, descanso, férias, protecção, higiene e segurança no trabalho, nos termos da Lei. 3. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) a implementação de políticas de emprego: b) a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado por qualquer tipo de discriminação; c) a formação académica e o desenvolvimento científico e tecnológico, bem como a valorização profissional dos trabalhadores. 4. O despedimento sem justa causa é ilegal, constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa indemnização ao trabalho despedido, nos termos da Lei”.


Se, por um lado, observamos neste artigo uma protecção jurídico-constitucional do emprego, no artigo referente às tarefas fundamentais do Estado constatamos que a CRA obriga o Estado a promover o emprego em situação de igualdade. Passo a citar algumas alíneas do artigo 21.º da CRA: “constituem tarefas fundamentais do Estado angolano: (...) h) promover a igualdade de direitos e de oportunidades entre os angolanos, sem preconceitos de origem, raça, filiação partidária, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação; i) efectuar investimentos estratégicos, massivos e permanentes no capital jovem, com destaque para o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens, bem como na educação, saúde, na economia primária e secundária e noutros sectores estruturantes para o desenvolvimento auto-sustentável”.


Com estes dois enunciados constitucionais, podemos constatar que a CRA confere ao cidadão nacional uma proteção jurídico-constitucional que permite não só ter acesso ao trabalho, como protecção enquanto estiver a desempenhar as suas funções, beneficiando também das políticas de formação profissional, remuneração adequada e estabilidade no emprego.


Na prática, a que se tem assistido? Será que o Estado está a cumprir o que diz a CRA?
Vamos, no ponto seguinte, analisar de que modo o legislador ordinário concretizou o disposto na CRA.


4.3. Protecção jurídico-legal


Nesta sede, cumpre-nos analisar qual a legislação que regula matérias ligadas ao emprego e tratamento devido aos quadros nacionais.


No diagnóstico que fizemos, observámos na nossa realidade os seguintes diplomas legais: a Lei Geral do Trabalho; o Estatuto do Gestor Público.

PELA TAAG E PELA SONANGOL


5. A análise do Caso Sonangol


A petrolífera nacional Sonangol teve, nos últimos 6 anos, momentos de grande turbulência interna (três Conselhos de Administração), desde a saída do antigo Presidente do Conselho de Administração, Manuel Vicente. Mergulhada em dívidas e com uma situação financeira débil, a julgar pelos relatórios anuais da companhia, que levaram à criação de Comissões e posterior mudança de Direcção da maior empresa pública angolana. A nomeação polémica da Eng. Isabel dos Santos, por ser filha do Presidente da República de então, e estranha ao sector petrolífero (apesar de ser uma empresária reconhecida no sector privado), veio trazer uma outra postura e visão do sector.


Mas aqui chegados, no que toca à política de quadros seguida pela companhia, a questão que não se quer calar é a de saber se a nova Direcção está a cumprir os desígnios do Estado, consubstanciados em dotar o sector petrolífero de quadros nacionais, plasmados nos últimos diplomas aprovados e em vigor.


Para o efeito, temos que examinar o que diz a legislação afim.

5.1. Decreto-Lei n.º 17/09, de 26 de Junho, Regras, Procedimentos a observar no Recrutamento, Integração, Formação e Desenvolvimento dos Trabalhadores no Sector Petrolífero


O preâmbulo do referido diploma dispõe – e passo a citar – que: “Considerando que a formação de quadros angolanos constitui uma das tarefas que se inscrevem no quadro de prioridades do Governo, e dada a necessidade de dotar a República de Angola de quadros nacionais capazes de assegurar o funcionamento deste sector da economia nacional; Considerando que o Decreto n.º 20/82, de 17 de Abril, desde o seu início de vigência, tem sido o instrumento legal impulsionador do recrutamento, integração, formação e desenvolvimento do pessoal angolano na indústria petrolífera, proporcionando o emprego e capacitação técnico-científica a milhares de angolanos envolvidos actualmente na actividade petrolífera; Considerando que o período de tempo decorrido, a evolução tecnológica verificada na indústria petrolífera, assim como as novas opções políticas de recursos humanos, consubstanciadas na Lei n.º 10/04, de 12 de Novembro, Lei das actividades Petrolíferas, recomendam não só a reformulação do Decreto n.º 20/82, de 17 de Abril, mas também a criação de um novo quadro regulamentador que acolha a actualização e a adequação à nova realidade do desenvolvimento dos recursos humanos no sector petrolífero nacional (…)”.


Para a contratação de pessoal estrangeiro, o diploma legal em análise é categórico na protecção dos quadros nacionais, como podemos observar nos termos do artigo 4.º, número 1: “As empresas referidas no artigo 3.º ficam obrigadas a preencher o seu quadro de pessoal, em todas as categorias e funções, com cidadãos angolanos”; número 2: “Não havendo, comprovadamente, no mercado nacional de trabalho, cidadãos angolanos suficientes e disponíveis com a qualificação e experiência exigidas, a contratação de pessoal estrangeiro pode pode ser feita mediante prévia autorização do Ministério dos Petróleos, a requerimento da empresa interessada, a qual pode ser concedida em bloco ou caso a caso, conforme as particulares situações o aconselhem e justifiquem”; número 3: “A comprovação referida no número anterior deve ser feita mediante apresentação da publicação de anúncios sobre a existência de vagas, da descrição da função a exercer, bem como dos currículos ou provas apresentadas por eventuais candidatos aos cargos a preencher”.


6. Revitalização da Sonangol

A Sonangol E.P. é a principal empresa pública angolana e pertence ao sector que mais contribui para o PIB angolano. Pensamos que ela deve ser gerida por quadros nacionais, pelas seguintes razões:


6.1. Razões de Ordem Política


A gestão de topo das companhias deve ser entregue a quadros nacionais, sem prejuízo de, em áreas técnicas específicas, se recorrer à contratação de estrangeiros, nos termos já definidos na lei, pois é uma empresa de objectivos estratégicos e vitais para a nação angolana. As decisões serão tomadas, as mais das vezes, por razões políticas e não pelas regras de mercado. Sem prejuízo dos princípios de racionalidade económica, a actuação da empresa estará muito motivada por razões de ordem política.


6.2. Razões de Ordem Patriótica


Angola já formou quadros suficientes, em número e em qualidade. Na Direcção da empresa ou na Assessoria Jurídica não há necessidade de recorrer necessariamente a pessoal expatriado. O processo de angolanização do sector petrolífero já começou há muito, e, em termos de quadros para as áreas de Direcção e Jurídica, estes sectores estão bem servidos.

6.3. Companhia Nacional


A Sonangol E.P. tem de se tornar uma companhia nacional exemplar e estratégica, onde os mais altos valores patrióticos e de cultura empresarial devem ser preservados, devendo, por isso, o Presidente da República rever toda a organização do sector, sobretudo a problemática da angolanização do mesmo, que tem levantado celeuma na sociedade angolana.

6. 4. Os quadros nacionais em diferentes sectores no mundo do petróleo


A actividade petrolífera é muito complexa e envolve várias áreas. Em regra, divide-se a operação da indústria petrolífera em três partes: upstream, midstream e downstream.


Por fim, olharemos também para o processo de aproveitamento de gás natural designado LNG. Vamos, de seguida, indicar como deve ser o processo de angolanização nas diversas áreas, a saber:

a) Upstream é a área da indústria petrolífera que engloba as actividades de busca, identificação e localização das fontes de óleo, e ainda o transporte do petróleo bruto extraído até às refinarias onde será processado. Portanto, trata-se da actividade de exploração, perfuração e produção.


Neste segmento da indústria petrolífera, o concurso aos quadros expatriados é muito frequente e desejável. Sendo uma área de alta tecnologia em constante evolução, o processo de angolanização deve ser progressivo e moderado. Não disponho de know-how, nem científico, nem tecnológico para dominar esta área de ponta, nevrálgica da indústria petrolífera. Contudo, é a área mais antiga e que mais trabalhadores nacionais emprega. Devemos continuar a empregar angolanos, a angolanizar este sector.


b) Midstream é o segmento da indústria petrolífera em que as matérias-primas são transformadas em produtos prontos (gasolina, diesel, querosene, GLP, etc.). É o famoso sector da refinação. Neste capítulo, o nosso mercado é limitado, esperemos que, com a expansão do mesmo, haja angolanização nas novas refinarias que surgiram no país.


c) Downstream é a área do sector petrolífero que atende à logística, à distribuição e ao transporte dos produtos refinados até ao consumidor final. Sendo uma área que não requer alta tecnologia como as anteriores, pensamos que deve ser a área com maior incidência na angolanização. Deve-se, por isso, prestar atenção a este sector e dar a autonomia devida aos trabalhadores nacionais.

6.4.1. Projecto de Aproveitamento do Gás LNG

Sendo um projecto que envolve uma forte componente tecnológica, o Projecto LNG em curso tem uma forte presença de quadros expatriados. Até aqui não há qualquer problema. A questão que se coloca é a de saber se os angolanos ficaram somente nas áreas "braçais" ou se estão a evoluir progressivamente para as áreas mais tecnológicas.


Pensamos que em qualquer das áreas do sector petrolífero é possível o processo de angolanização, devendo o Estado conjugar à elevação da presença dos quadros nacionais – em número e qualidade, concorrendo para tal a formação nas mais prestigiosas universidades do mundo – a criação de condições para que as instituições de ensino nacionais se fortaleçam, de modo a contribuírem também com quadros neste processo maior que é o de dignificação dos cidadãos nacionais.

6.5. A separação das actividades: o modelo da Agência de Petróleo

Não é nova a ideia de separação da actividade de concessão e a actividade petrolífera na Sonangol. A concentração destas duas actividades faz da Sonangol árbitro e jogador. Este tipo de concentração raramente é benéfico. No caso do sector petrolífero angolano, há muito que os decisórios políticos dominam o diagnóstico dos malefícios da reunião, na mesma entidade, de duas fusões incompatíveis na dinâmica empresarial.
Aqui chegados, somos de opinião que o novo Executivo deve conseguir, finalmente, separar a actividade de concessão e regulação, supervisão e controlo do sector numa entidade distinta da Sonangol.

Para nós, o modelo da agência aparece como o que oferece maiores garantias para servir o país. Assim nasceria a Agência Nacional de Petróleo, um instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira, que se ocuparia da concessão, regulamentação, supervisão, controlo e fiscalização da actividade de todos os operadores petrolíferos, incluindo a Sonangol. Esta ficaria somente encarregada das actividades inerentes às actividades da indústria petrolífera.

Este modelo de organização do sector iria propiciar uma maior eficiência do sector, e o aproveitamento e enquadramento dos quadros nacionais estaria mais bem assegurado.

7. Análise do Caso TAAG

A companhia aérea de bandeira nacional, a TAAG, enfrenta há anos um processo de reestruturação e de revitalização para ser dotada de condições materiais, financeiras e operacionais, no sentido de se tornar uma companhia moderna, capaz de competir com as outras companhias aéreas no contexto global.


A contratação da Emirates inseriu-se nesta estratégia. Contudo, os últimos desenvolvimentos ocorridos nesta companhia não foram os melhores. Com o rompimento unilateral por parte da companhia árabe, ficou a nu um dos mais graves problemas da companhia – a gestão.


A questão que se coloca nesta sede é a de saber se, atendendo à especificidade do sector aéreo e dos problemas concretos da companhia TAAG, o recurso a parcerias estrangeiras para a gestão da mesma será a melhor solução.


A resposta é positiva. O sector aéreo é muito complexo, envolve variantes que não dependem da vontade política, cujas regras dependem fundamentalmente do mercado, sendo a qualidade dos serviços um dos itens importantes na captação de clientes e, consequentemente, de receitas da empresa. Outros factores operacionais concorrem também para elevar o desempenho da empresa. Podemos, contudo, reunir os argumentos a favor de uma gestão profissional, que pode explicar o recurso à contratação de quadros estrangeiros, ou o estabelecimento de parcerias estrangeiras, para a gestão, com companhias reconhecidas e prestigiadas no mercado, com componentes com maior elevação internacional.

7.1. Razões de Ordem de Mercado


A gestão de uma companhia aérea está condicionada a vários factores de mercado, nomeadamente as receitas da empresa, para além da gestão dos elementos que compõem a estrutura dos custos, a relação básica da oferta e da procura. Uma gestão racional, rigorosa e de alto padrão permite não só minimizar os custos e maximizar os lucros, como pode diminuir as despesas e colocar a companhia numa situação que lhe confira sustentabilidade.

7.2. Razões de Ordem ao Aviamento


A qualidade dos serviços empresta à companhia um prestígio nada despiciendo no mercado internacional da aviação. A TAAG tinha sido colocada na lista negra mundial, e a sua associação a uma companhia com o prestígio da Emirates devolveria um certo crédito internacional, necessário ao programa de expansão da TAAG. Não só em termos operacionais práticos – com o cumprimento de horários, a observação rigorosa de normas e procedimentos internacionais de aviação (com manuais e manutenções actualizados), a melhoria dos serviços a bordo – como pelo facto de passar a estar ligada aos serviços de alto padrão da Emirates, foram acrescidas mais-valias à TAAG.

7.3. Razões de Ordem Económica


Um Acordo de Parceria com a Emirates pode ser um factor de poupança para os cofres do Estado. Como é sabido, a Emirates pauta-se por regras de eficiência e eficácia nos seus serviços, contrárias à gestão pública que acarretou elevados custos ao erário público, bem como permitiu o surgimento e manutenção de pessoal excedentário. A gestão privada de padrões internacionais, apanágio de companhias como a Emirates, utiliza métodos de gestão mais racionais, ligados às regras padronizadas no sector. Ainda que acarretem medidas impopulares, esta gestão levaria a companhia a uma situação financeira mais favorável.

8. Saídas para a TAAG


Para a TAAG, há duas saídas que se vislumbram para o futuro : a) a empresa pública (de gestão pública); b) a privatização.

8.1. Empresa Pública


A TAAG, como empresa pública e tendo direcção e gestão públicas, não tem correspondido aos desafios que se têm imposto, não vai ao encontro dos anseios do sector da aviação e não atende à demanda. A fraca prestação da TAAG, antes da gestão em parceria com a Emirates, era evidente. Não é, pois, aceitável que permaneça como empresa pública com gestão pública, pelas razões já aludidas neste artigo.

8.2. Privatização


O sector da aviação é muito sensível, há vários factores que intervêm na estrutura do custo, imprevisíveis e voláteis, como a procura de clientes, as taxas aduaneiras, a manutenção das aeronaves, etc. As grandes companhias mundiais de bandeira dos Estados permanecem no sector público. A presença do Estado na companhia é um elemento de estabilidade, regulando determinados factores, como os combustíveis e as taxas aduaneiras e aeroportuárias. A gestão deve ser profissional e de padrão universal, se quisermos ter uma companhia moderna, respeitada mundialmente.
Deste modo, proponho um contrato de parceria de gestão da TAAG, no regime de parceria público-privada.

9. Destino dos Quadros Nacionais


O Estado, nos termos dos artigos mencionados da CRA, do Sector Petrolífero e na Lei Geral do Trabalho, protege os quadros nacionais.


A questão que devemos colocar nesta sede é a de saber se vamos construir Angola apenas com quadros nacionais. A resposta é negativa. O que decorre da Constituição, das políticas públicas e da legislação infraconstitucional é que os quadros nacionais devem ser valorizados. As empresas devem dar prioridade e primazia contratual aos nacionais. Só em áreas em que haja, comprovadamente, deficiência, ausência ou insuficiência de quadros é que devemos recorrer aos expatriados.


Despido de xenofobia ou racismo, a valorização do homem angolano deve estar na ordem do dia, nesta nova fase de relançamento da economia angolana. A nova governação, que iniciou funções recentemente, deve colocar este factor na prioridade da sua agenda.

10. Conclusões


Aqui trazidos pela prosa cavaqueira do Direito, resta-nos responder às questões colocadas no início:

a) A escolha de um Conselho de Administração de uma empresa pública com quadros expatriados é sinal de incompetência dos quadros nacionais?

b) Vamos construir Angola somente com uma força de trabalho nacional?


Para a primeira questão, a resposta depende da empresa em concreto. Pensamos que, no caso da Sonangol, sendo uma empresa estratégica para o país, a sua gestão deveria ficar nas mãos dos nacionais, ficando somente as áreas técnicas sujeitas ao concurso de expatriados. Neste sector, a área jurídica deveria ser entregue também aos nacionais, pois há autonomia e competência nacional para o efeito. Neste sector, existe a política de angolanização da força laboral (sem desprimor da angolanização das actividades empresariais a jusante e a montante, que não foram tratadas neste artigo) e um programa que mereceu acolhimento legal. Assim, devem privilegiar-se nas três áreas da indústrias petrolífera os quadros nacionais, com maior incidência em upstream e downstream. No caso da Taag não vemos inconveniente em passar a sua gestão para a gestão privada. Não sendo uma empresa de valor estratégico para a obtenção de receitas fundamentais para o Estado, a Taag tem mais-valia no serviço público que presta e não propriamente nas receitas que eventualmente possa trazer. O que se pretende com a TAAG é que sirva o público e que não seja deficitária! Se for bem gerida, vai conquistar a auto-suficiência e a autonomia desejadas. Neste sector sensível, o Estado ganha mais com a qualidade do serviço do que propriamente com os possíveis lucros.


Para a TAAG: gestão privada; para a Sonangol: gestão pública.

Por fim, vale dizer que defendemos a política de angolanização de todos os sectores, ficando reservados para os expatriados os lugares que não possam ser ocupados por nacionais, por razões técnicas, científicas, ou de outra índole bem justificada.

11. Recomendações


Para o Executivo, fica o apelo para tratar o sector petrolífero com a máxima atenção: angolanizar o sector, introduzir a Agência Angolana de Petróleo, com poderes de concessão, regulação, fiscalização e controlo da indústria petrolífera angolana, e converter a Sonangol numa verdadeira empresa petrolífera nacional.


Para o sector da aviação, colocar a TAAG na gestão privada, mantendo a titularidade pública, e permitir que as empresas low cost actuem no nosso mercado.
Tudo isto só será possível,


Se Pensar Direito!

12. Bibliografia
FREITAS, Fátima – Advogados/ Miranda Correia Amendoeira & Associados (org.) (2010), Colectânea de Legislação Petrolífera Angolana, Luanda: Texto Editores.
AMARAL, Diogo Freitas do (2012), Curso de Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra: Almedina.
FEIJÓ JÚNIOR, António (2017), Petróleo – uma indústria globalizada, Lisboa: Perfil Criativo Edições.
GOMES, José Caramelo/LIMA, Ângela (2013), Lex Petrolea, Petrony Editora.
LONDA, Emir Cláudio (2015), ABC da indústria petrolífera, Lisboa: Plural Editores.
SILVA, Américo Luís Martins da (2006), Direito do meio Ambiente e dos Recursos Naturais, Editora Revista dos Tribunais.
VICENTE, Dário Moura (coord.) (2015), Direito dos Petróleos – uma perspectiva lusófona, Coimbra: Almedina.