Lisboa - É impossível ficar -se indiferente aos bons ventos que marcam os primeiros 90 dias do consulado de Sua Exea.,o Presidente da República de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, no leme dos destinos do país. Avaliar os primeiros dias de governação do Presidente João Lourenço não é o propósito da nossa abordagem, o que não nos coíbe, no entanto, de afirmar que vivemos momentos de enorme ansiedade e que a desesperança cedeu lugar à esperança. Afinal, as promessas públicas feitas ao longo da campanha, e reiteradas aquando da tomada de posse e na abertura da IV legislatura, foram mais do que simples discursos cheios de grandiosas proclamações, antes pelo contrário, são mesmo para serem levadas à serio (o sublinhando é um extracto da comunicação proferida em alusão à comemoração do dia 11 de Novembro pelo Presidente da República). É caso para dizer que o Rei já não vai nu.

Fonte: Club-k.net

Juntamos a nossa voz à de milhares de angolanos que almejam normalidade política, institucional e social na implementação das medidas que compõem as reformas multissectoriais em curso. A título emergencial, foi aprovado, a 10 de Outubro do ano corrente, na primeira reunião do conselho de ministros da presente legislatura, o plano intercalar do executivo de seis meses ( de Outubro a Março) contendo medidas tendentes a minorar, a curto prazo, a situação económica e social do País. Destas, pelo eco que teve ao nível dos mass media, quer intra muros, quer extra muros, bem como, pela leitura de supetão que fizemos ao aludido documento, destacamos a intenção de o governo pretender proibir as transferências para os paraísos fiscais (off-shores).

Embora, compreendemos a nobreza de tais pretensões, até porque, grandes realizações envolvem sempre grandes riscos, é preciso que não caiamos num ambiente de histeria colectiva que nos torne incapazes de analisar na substância as virtudes e os pecados de algumas medidas ora anunciadas. È neste contexto que, nas linhas seguintes, procederemos, numa linguagem simplificada e evitando o recurso excessivo a chavões técnicos, ao enquadramento jurídico-doutrinal da realidade dos off shores e o impacto negativo que pode decorrer, para a economia nacional, em caso de uma eventual futura proibição de transferência de numerários para paraísos fiscais( off -shores).

Paraísos fiscais - conceptualização.

Os offshores  cuja tradução para o vernáculo consagrou a expressão “paraísos fiscais” são territórios de baixa tributação, caracterizados pela ausência de impostos ou pela existência meramente nominal destes, pela existência de um quadro jurídico-administrativo que adstringe a troca de informações para efeitos fiscais e, finalmente, pelo não desenvolvimento de uma actividade económica substancial por parte dos beneficiários das contas. Em síntese, os paraísos fiscais resumem-se em:

- A inexistência de impostos nominais.

- A Falta de transparência e de troca de informações ( sigilo bancário).

-A ocultação da identidade dos beneficiários das contas.

Em propriedade, o elixir dos paraísos fiscais é a circunstância de proporcionar a ocultação da identidade dos beneficiários das contas, bem como o respectivo sigilo bancário. Estes dois elementos estão invariavelmente presentes no planeamento fiscal de que resulta a transferência de valores para os paraísos fiscais. Não se trata de menorizar a importância que o baixo nível de tributação tem na decisão de transferir valores, paras estes territórios de baixa tributação.

Acontece, porém, que, perante a simplicidade e opacidade da máquina jurídico-administrativa vigente nos países considerados pela OCDE como paraísos fiscais, que se manifesta, a título de exemplo pela irrelevância atribuída ao modo como os fundos aí depositados são obtidos no país da fonte, tal levou a que fossem transformados, já nos primórdios da sua existência, em verdadeiras lavandarias de dinheiro.

Na ressaca da crise financeira de 2007, a OCDE criou o Fórum Global sobre Transparência e Troca de informações para fins fiscais, visando, nomeadamente, prevenir e detectar situações de evasão fiscal e elisão fiscal, combater crimes de branqueamento de capitais e a tributação efectiva de rendimentos plurilocalizados pelos Estados de residência. Este organismo é integrado pelos Estados- Membros da OCDE e não- membros, profundamente empenhados na erradicação dos paraísos fiscais, mediante mecanismos que promovam a transparência e troca de informações entre, nomeadamente; ex-paraísos fiscais entre si (constantes da lista negra da OCDE e da lista recentemente elaborada pela União Europeia) ou entres estes e Estados de tributação normal.

Deste esforço, resultou a criação de vários mecanismos de troca de informação, ancorados em tratados de dupla tributação internacional ou, na ausência destes, em acordos celebrados entre Estados, tendentes à troca de informações para fins fiscais. Até 2013, o padrão internacional de troca de informações correspondia à troca de informações a pedido. Em termos simplificados, o padrão internacional significava que o sigilo bancário já não podia ser invocado para recusar a troca de informações. Quanto aos procedimentos a observar, o artigo 26.o do modelo de dupla tributação internacional da OCDE bem como o artigo 1.o dos acordos de troca de informação, parametrizam os seus termos. Hodiernamente, o mecanismo de troca de informações a pedido coexiste com o mecanismo de troca automática de informações. Nos termos deste, os organismos financeiros mundiais são obrigados a participar, semestralmente, às administrações tributárias nacionais sobre os movimentos avultados e suspeitos dos seus concidadãos. De contrário, as informações acerca dos movimentos financeiros supostamente protagonizados pelos arguidos da Operação Marquês, dificilmente chegariam à superfície. Críticas não faltam a este mecanismo, em virtude de promover um ataque desmesurado a direitos fundamentais, designadamente; o direito a reserva da vida privada (privacidade) e o direito à proteção de dados (confidencialidade). Deixemos, entretanto, para uma outra ocasião a análise desta vexata quaestio.

Proibição de transferência de valores para os offshores, uma medida acertada?

A proibição de transferência de valores para paraísos fiscais é uma medida que se consubstancia na limitação à livre circulação de capitais. Angola, por não estar vinculada a nenhum acordo regional ou global que estabeleça a livre de circulação de capitais, pode, no âmbito da sua soberania proceder a limitações no que tange à livre circulação de capitais por razões de política monetária e por outras de variada índole.

Não se sabe ao certo, os fundamentos que estão (ou estarão) na base de uma eventual futura proibição de transferências para offshores. Sendo certo que, por razões óbvias, não são os relacionados com as limitações de moeda estrangeira que infesta actualmente o nosso sistema financeiro, como resultado da desgovernação da banca angolana.

Convém notar que esta limitação à livre circulação de capitais, nos termos em que consta do plano retro mencionado, é específica para os paraísos fiscais, vigorando, por conseguinte, para os territórios de tributação normal, a livre circulação de capitais com as limitações que o contexto actual impõe (escassez de divisas).

A proibição, por si só, de transferências para paraísos fiscais é uma mão-cheia de nada. Na prática, temos mais a perder do que a ganhar. Há mecanismos mais expeditos para combater(controlar) a fuga de capitais, designadamente:

Em primeiro lugar, urge o estabelecimento de um quadro jurídico - legal que imponha aos bancos e demais organismos financeiros, à semelhança do que ocorre no mundo afora em decorrência das concertações no seio do Fórum Global de Troca de Informações, o dever de reporte à AGT( Autoridade Geral Tributária) sobre todas as operações avultadas de montantes para o estrangeiro, máxime, paraísos fiscais, aliás no espírito do acordo facta (foreign account tax compliance act) aprovado pelo Decreto Legislativo Presidencial n. 1/17 de 20 de junho, celebrado entre o governo angolano e a administração norte americana, mau grado o sentido unidireccional deste.

Em segundo lugar, constituir a AGT na dupla obrigação de, por um lado, publicar as referidas transferências e, por outro lado, dar tratamento aos dados inerentes às aludidas transferências, no sentido de se apurar a entidade e o ofício do ordenante, a proveniência das respectivas verbas e, a que título estas transferências são feitas, isto é, se consistem no repatriamento de lucros ou de fundos obtidos de modos lícitos ou se, ao invés disso, elas escamoteiam ilícitos como o branqueamento de capitais. Por exemplo, basta pensar-se na simulação de pagamentos no exterior por serviços que, na verdade, nunca foram prestados tanto no país como no estrangeiro, encobrindo-se, deste modo, a transferência de fundos obtidos como resultado da delapidação do erário público, e não só, ou crimes de evasão fiscal nas circunstâncias em que as actividades nas quais se funda a obtenção de tais valores não tenham sido objecto de declaração à Administração Geral Tributária.

Em terceiro lugar, uma medida como esta é facilmente contornável, visto que, os proprietários sempre poderão fazê-lo (transferência para os paraísos fiscais) utilizando para o efeito um terceiro veículo (Estado). Ou seja, transferindo inicialmente para um Estado de tributação normal a título de exemplo a um dos Estados -Membros da União Europeia, procedendo-se, acto contínuo, ao reencaminhamento dos referidos valores para os paraísos fiscais em virtude da livre circulação de capitais vigente na União Europeia.

Em quarto lugar, tal medida, a aplicar- se a um não-residente fiscal, constituiria um óbice à atração de investimento estrangeiro na lógica de que a facilidade de repatriamento de capital é um dos elementos em que se alicerça a decisão de realizar tais investimentos.

Em quinto lugar, relativamente a residentes fiscais, o agravamento da tributação destas transferências permitiria não só o alargamento da base tributária, como também, proporcionaria aumento de arrecadação.

Em sexto lugar, tal proibição revelar-se-ia contraproducente, na medida em que os referidos valores poderão permanecer em território nacional na forma de activos imobilizados, isto é, a restrição da sua movimentação para paraísos fiscais não significará, necessariamente, que estes recursos serão afectados à criação de empregos. Por outro lado, poderá redundar também em perdas de receitas que, de outra forma,

entrariam nos cofres do Estado,( imposto sobre a aplicação de capitais), bastando pensar-se, a título exemplificativo, na circunstância de, uma vez retidos em solo nacional, tais recursos não serem objecto de nenhuma aplicação financeira, nomeadamente depósitos a prazos, aquisição de obrigações e de títulos do tesouro, compra de acções no mercado accionistas, contratos de futuros, swaps,etc.

Em resumo, o combate à fuga de capitais passa, inexoravelmente, pela adesão de Angola ao Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações, pelo robustecimento do quadro jurídico-legal que imponha deveres específicos aos organismos financeiros, máxime, os bancos, como a obrigação de reporte à Administração Geral tributária das operações reputadas como suspeitas, melhoria do ambiente de negócio e, pela promoção e dinamização dos mercados de valores mobiliários( Bolsa de Valores) e não com medidas restritivas à livre circulação de capitais, tendo em conta, as implicações que elas originam, mormente, no que toca à atração de investimento estrangeiro, vital para o relançamento da actividade económica angolana, com reflexos directos ao nível da criação de emprego e consequente promoção do bem-estar social dos cidadãos.

* Jurista e Consultor financeiro.