Luanda - Ao longo de quase um ano e meio como presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Isabel dos Santos transferiu mais de 135 milhões de dólares da petrolífera nacional para quatro empresas suas, usando o seu banco em Portugal, Banco BIC.

*Rafael Marques de Morais
Fonte: Maka Angola

SAQUE DE 135 MILHÕES DE DÓLARES NA SONANGOL

De acordo com investigações feitas pelo Maka Angola, após ter sido exonerada, a 15 de Novembro passado, no mesmo dia Isabel dos Santos assinou uma ordem de pagamento no valor de 60 milhões de dólares a favor da Matter Business Solutions DMCC, uma empresa sua sedeada no Dubai.

 

Entretanto, esta ordem de pagamento chegou ao Banco BIC Portugal no dia seguinte, 16 de Novembro. Consta que o banco manifestou reservas em efectuar a transferência, uma vez que Isabel dos Santos já tinha sido demitida. A gerência do banco sugeriu então a assinatura retroactiva da ordem de pagamento para 14 de Novembro, e assim procedeu com a transferência. Para o efeito, a ordem de pagamento foi assinada por Isabel dos Santos e pelo então administrador financeiro Sarju Raikundala, sem que tivessem cumprido os procedimentos financeiros em curso na Sonangol, não tendo havido tramitação de documentos.

 

Como suporte para a realização da transferência, foi alegada a necessidade de pagamento de facturação em atraso referente ao processo de diagnóstico e reestruturação da Sonangol, em atraso de 2015.

 

Já durante a gestão de Isabel dos Santos, a administração da Sonangol abriu uma conta no Banco BIC, em Portugal, do qual é a principal accionista, detendo 42.5 porcento, num valor correspondente a mais de 100 milhões de dólares. Após a sua exoneração, procedeu à transferência de 60 milhões de dólares a favor das suas empresas, tendo zerado a conta.

 

Fonte ligada à teia isabelina de negócios garante que a Matter Business Solutions foi estabelecida devido às dificuldades que Isabel dos Santos experimentava no desvio de fundos da Sonangol para a Wise Solutions, como já o Maka Angola havia denunciado. Servindo de fachada, a Wise Solutions prestava serviços de consultoria no âmbito da reestruturação da Sonangol e suporte operacional nas áreas administrativa, financeira, de sistemas e de tecnologias de informação. A Matter Business Solutions, com ficha limpa nos bancos para poder receber transferências da Sonangol sem levantar suspeitas, substituiu a Wise Solutions.

 

Uma outra empresa de Isabel dos Santos que beneficiou do pote de 135 milhões de dólares da Sonangol foi a Ucall, responsável pela consultoria ao nível dos recursos humanos e testes psicotécnicos e identificação de talentos. Inicialmente, a Wise Solutions também recebeu fundos da Sonangol. A Born Angola, a empresa que prestava serviços de imagem à Sonangol, também fez parte do “pé de meia”.

Direito à cadeia

Os factos aqui relatados indiciam o cometimento de vários crimes de peculato. Trata-se de um crime que configura uma espécie de abuso de confiança e apropriação por uma pessoa de dinheiro que não lhe pertence, quando realizado por empregados públicos. O crime está previsto e é punido nos termos do artigo 313.º do Código Penal. De notar que o conceito de empregado público é abrangente, envolvendo nos termos do n.º 3 deste artigo quaisquer pessoas que forem constituídas pelas autoridades públicas como recebedoras e pagadoras de dinheiros do Estado, como é o caso de Isabel dos Santos enquanto presidente do Conselho de Administração de uma empresa pública (a Sonangol), cujos dinheiros pertencem ao Estado. As penas de prisão para este crime estão previstas no artigo 437.º, de onde deriva um pena que, em geral, pode ir até aos 12 anos de cadeia, mas em certos termos até aos 20 anos.

Porque é que estes factos indiciam o cometimento do crime de peculato?

Temos Isabel dos Santos enquanto presidente do Conselho de Administração da Sonangol a transferir dinheiro para Isabel dos Santos enquanto dona de outras empresas. Tal indicia o desvio de dinheiro público para o bolso privado (peculato).


Poder-se-ão justificar essas transferências como correspondendo ao pagamento de serviços. Essa justificação terá de obedecer a quatro requisitos:

 

a) A contratação dos serviços por parte da Sonangol deve ter sido feita sem a participação de Isabel dos Santos enquanto PCA da Sonangol;

b) Os serviços serem necessários para a Sonangol;

c) O valor dos serviços corresponder ao valor normal de mercado;

d) Os serviços terem sido efectivamente realizados.

Não basta haver facturas ou simples declarações para não haver crime. Tem de existir substância, materialidade, e essa substância obedece às regras que acabámos de mencionar.

Dos factos conhecidos até agora, não surge qualquer justificação real para a existência de serviços que justifiquem os pagamentos.

 

Por isso, antes de tudo, competirá à Procuradoria-Geral da República abrir um inquérito criminal e investigar. Investigar como foi feita a adjudicação dos contratos, como foi estabelecido o valor e se os serviços foram efectivamente prestados.

 

Os montantes envolvidos – mais de 100 milhões de dólares – causam grande alarme social. Soma-se o perigo de fuga. Esta investigação implica, nos termos da habitual prática jurisprudencial, a decretação de prisão preventiva para Isabel dos Santos, enquanto corre o processo.

 

Relativamente ao facto de Isabel dos Santos ter ordenado transferências depois de exonerada, em termos formais ainda o poderia fazer até à tomada de posse de Carlos Saturnino. Contudo, em termos substantivos, levanta mais suspeitas do que certezas, e constitui uma circunstância agravante nesta história toda.