Luanda - Estas e outras irregularidades do universo jurídico do país são destapadas pelo jurista Benja Satula, numa reflexão tornada pública recentemente. Decorridos 100 dias da nova governação saída das últimas eleições, a análise é bastante pertinente e reveladora de como estamos nesta matéria.

 

Fonte: Correio Angolense

“Volvidos cem dias chegamos a lugar nenhum do ponto de vista da fortificação das instituições da justiça e do controlo e asseguramento da credibilidade, transparência e boa governação”, escreve Satula. advogado integrante da nova vaga de penalistas no país.

 
Quero desde logo desejar a todos votos de um excelente início de ano e fazer votos de que, a medida de cada um, a quadra festiva tenha sido digna. Por falar em quadra festiva, quero dizer que assisti com bastante entusiasmo o “seminário contra a corrupção” promovido pela bancada parlamentar do MPLA e toda a euforia e discussão que se lhe seguiu.

 
Longe de voltar ao tema, vou apenas expor aqui a síntese de uma análise feita por um jovem investigador em direito e depois dizer sobre os receios, as angústias e as dúvidas que pairam sobre a minha cabeça e tentar perceber o que se vai dizer amanhã na Conferência [de imprensa do Presidente da República]:
 
 
Analisando os discursos de abertura e de encerramento do seminário acima mencionado, o jovem investigador científico, procedeu a uma análise comparativa dos termos usados no discurso de abertura (doravante D1) e o de encerramento (D2) identificou termos comuns e as vezes em que foram mencionados assim: corrupção (D1 -3x e D2 – 7x, branqueamento de capitais (D1 – 1 e D2-3x), boa governação (D1 – 0 e D2-0), Lei (D1 – x e D2-2x), Transparência (D1 – 1 e D2-2x), impunidade (D1 – 0 e D2-1), justiça (D1 – 0 e D2-0) e credibilidade (D1 – 0 e D2-1), ora,

2. É justamente o que não foi dito ou dito sem a enfâse necessária que preocupa qualquer um que em concreto se interessa pela credibilidade, justiça, boa governação, impunidade, etc. A partir da análise feita juntei-lhe decisões simples e percebe-se claramente que volvidos cem dias chegamos a lugar nenhum do ponto de vista da fortificação das instituições da justiça e do controlo e asseguramento da credibilidade, transparência e boa governação, por óbvias razões:
 

i. Fez-se uma dança das cadeiras, sendo que um magistrado em exercício de mandato, que não concluiria decerto pelo limite de idade, interrompeu-o e foi indicado para outro igual pelo Presidente da República (credibilidade e transparência zero). Terá sido pela qualidade do trabalho realizado? Ao que consta não…
 

ii. Foi aberto concurso público para preenchimento de vagas no Tribunal Supremo e Tribunal de Contas e vê-se nas candidaturas: um juiz do Constitucional com mandato em curso a candidatar-se ao Tribunal de Contas; gestores públicos, cujos actos devem ser escrutinados pelo Tribunal de Contas, candidatos ao mesmo Tribunal e já rotulado, um deles, como preferido à cadeira de Presidente;

 
iii. Dois juízes” jubilados” do Tribunal Constitucional a concorrerem ambos para as vagas ao Tribunal Supremo e um deles simultaneamente para preenchimento de vagas no Tribunal de Contas. Ora, a jubilação acarreta consigo as necessárias incompatibilidades para exercício de quaisquer outros cargos remunerados excepto à docência e a investigação científica. Então, como é que são admitidos ao concurso? Vão renunciar à remuneração e ao estatuto de jubilado? Primeiro, dizer que não é comum que juristas de mérito jubilem; o normal seria regressarem à sua profissão anterior, ora tendo jubilado é necessário que se faça cumprir a lei! (Lei, credibilidade e transparência postas, gravemente, em causa aqui);
 
 
iv. Na recente nomeação de inspectores-gerais Adjuntos na IGAE foram nomeados, pelo Presidente da República, dois/duas inspectoras ao arrepio da lei (transparência, legalidade e credibilidade inexistente), assim, como disse um amigo, também investigador científico;
 

v. Magistrados judiciais que tendo concorrido à vagas de funções públicas outras no Estado, sem nenhuma previsão normativa, perdem efectivamente os anos de serviço para efeitos de progressão na carreira por conta disto? A ser afirmativa seria um verdadeiro contrassenso e uma flagrante violação dos direitos adquiridos, da segurança e certeza jurídicas! (transparência zero neste acto, credibilidade nula).

 
vi. Magistrados do MP com anos de carreira e dedicação comprovadas por intervenções nos processos não admitidos ao concurso por falta de requisitos e ainda censurados por reclamarem por um direito legítimo? Como é possível ser-se e garantir-se a tutela da legalidade, da justiça e boa governação se nos concursos internos na própria estrutura isto é inexistente? Podemos confiar a justiça a uma pessoa injusta? Sei não!
 

3. Afinal que consequência tem o limite constitucional de exercício de mandatos na Constituição? Pode um magistrado que tenha chegado a esta função como jurista de mérito andar a suspender mandatos judiciais, para concorrer a outras vagas no âmbito da magistratura judicial comum ou especializada? Pode um magistrado de carreira ou não jubilado habilitar-se a um concurso na magistratura? Seria como se um professor jubilar-se numa Universidade e continuar titular da cadeira noutra. Seria peixe ou carne?
 
 
4. A provedoria de justiça em tese é para ser entregue a “juristas de mérito”, é o que se chama uma “magistratura de influências“. Ora, para além de ter passado completamente omissa ao longo da sua existência, foram indicados os novos titulares, à parte a competência técnica e profissional dos mesmos, sempre estiveram colados a estruturas do partido, sendo que o titular, perdoem-me o erro, foi mais conhecido como mandatário das listas do MPLA às eleições em 2012 e 2017 e a sua adjunta esteve “sempre” ao serviço da Presidência da República e “patrocinou” muitos actos que possam vir a ser “impugnáveis” junto da Provedoria de Justiça! Essas indicações/eleições garantem credibilidade, transparência e justiça? Cá para mim, a resposta é negativa. Que tal “extinguirmos” a Provedoria de Justiça e alocarmos o edifício, funcionários e orçamento à UIF e/ou a reabilitação da Alta Autoridade Contra a Corrupção ou a refundação da Direcção Nacional de Combate à Corrupção da PGR?
 
 
Nada mais havendo, por enquanto, para observar continuamos firmes no “Observatório da Justiça e das instituições”, A BEM DA PÁTRIA. VIVA ANGOLA, VIVA O POVO ANGOLANO!»