Luanda - Mais um sinal de que JES aposta agora todas as fichas no partido que dirige. A filha está a caminho do “Kremlin”, onde já tem, inclusive, um gabinete de trabalho preparado. O que ela vai fazer? A conjectura mais verosímil é aquela que indica que vai comandar a GEFI, a tentacular holding de negócios do maior partido do país. Na passada, também poderá servir de “bengala” a Norberto Garcia no estratégico pelouro da Informação. Pelo meio, o sacrificado deverá ser Mário António.


* Severino Carlos
Fonte: Correio Angolense

O que irá Isabel dos Santos fazer ao ‘’Kremlin’’?

É uma informação ainda bastante fechada, mas é a mais recente tacada de José Eduardo dos Santos no desígnio de fazer do MPLA o seu último reduto de poder. O Correio Angolense está em posse de dados que indicam que o líder do MPLA, José Eduardo dos Santos, pretende levar a que a filha predilecta, Isabel dos Santos, venha a desempenhar um papel relevante nas estruturas do partido que suporta o Governo em Angola.


E esse cenário pode se tornar realidade num timming, pelos vistos, bastante próximo. Mais próximo do que se espera. De acordo com informação confidencial obtida por este jornal junto de uma fonte desse partido, recentemente José Eduardo dos Santos deu ordens expressas para que seja preparado no “Kremlin”, o edifício-sede do partido, um gabinete que deverá albergar, com exclusividade, uma “inquilina” de luxo. Ela mesma, a sua filha Isabel dos Santos.


E a questão intrigante que tudo isso suscita é exactamente saber o que raio teria, nesta altura do campeonato, Isabel dos Santos para fazer na sede dos “camaradas” – ela que nunca teve predilecção para assumir desafios político-partidários em sentido estrito? Ao contrário dos irmãos José Filomeno dos Santos “Zenu” e Welwitchia dos Santos “Tchizé”, a primogénita de José Eduardo dos Santos sempre esteve umbilicalmente focada nos negócios. Já Tchizé tem sido mais capaz de misturar negócios com política. Por alguma razão, de resto, é que ela é hoje deputada na Assembleia Nacional. Reconheça-se, também, que ultimamente tem tido algum papel no apêndice juvenil do partido, JMPLA. Quanto a Zenu, sabe-se que, a determinada altura, também por via da “Jota”, ele quase chegou a ser “artificialmente” cooptado para os órgãos de direcção do MPLA.


De modo que as conjecturas que agora são feitas, partindo de um dado aparentemente trivial como é o facto de Isabel dos Santos vir a dispor de um gabinete perto daquele que o pai ocupa na sede do MPLA, não é mera banalidade e tem muito que se lhe diga. Nesta matéria, pode dizer-se que o passado deixou rastos que quase falam por si.


Antes de Zenu dos Santos ter sido transformado em presidente do Conselho de Administração do Fundo Soberano de Angola, também lhe havia sido atribuído como que do nada, isto é, sem que ninguém soubesse para o que era exactamente, um gabinete na sede da Sonangol. Hoje pode concluir-se afinal que ele estava ali a fazer o seu tirocínio para as tarefas que assumiria futuramente no Fundo Soberano.


Outro tanto ocorreu com a própria Isabel dos Santos. Antes de ter sido indicada a assumir a liderança da Sonangol, ela dispôs de um gabinete pessoal no edifício-sede da petrolífera. Os colegas circunstanciais, com os quais se cruzava pelos corredores da Sonangol, também não sabiam o que ela lá andaria a fazer, até chegar o dia em que saiu o despacho do pai-Presidente nomeando-a PCA da maior companhia do país.


Assim, a história pode estar a repetir-se. Do que todos devemos desde já estar cônscios é que Isabel dos Santos não vai dispor de um gabinete “turístico” na sede do MPLA. Ou seja, não irá simplesmente ficar refastelada no sofá, perto do gabinete do pai, nas suas idas e vindas de Londres, onde tem praticamente instalada a sua residência principal e onde, consequentemente, passa longas temporadas. 


Então o que vai Isabel dos Santos fazer ao Kremlin? De acordo com a fonte que prestou essa informação ao Correio Angolense, o cenário mais verosímil é aquele que indica que, agora que o centro de gravidade do antigo Presidente da República desviou-se literalmente para o MPLA, José Eduardo dos Santos tenciona confiar à sua primogénita a tarefa de o auxiliar na verificação e controlo dos fundos financeiros do partido, que não são poucos.


É a função que mais está no seu DNA. E neste caso o pelouro mais à mão apenas pode ser a GEFI, a holding de negócios do MPLA, que tem sido o pilar financeiro sobre o qual se firma o maior partido do país. Não é segredo para ninguém que o MPLA está longe de sustentar-se simplesmente pelos recursos públicos provenientes do sistema nacional de financiamento dos partidos políticos, a cuja parte de leão tem direito como partido que suporta o Governo.


Aliás, para o MPLA, isso de depender apenas de dinheiros públicos é coisa que ficou lá bem longe no passado. Com o termo da era de partido único, o MPLA viu também fechar-se a torneira que lhe permitia beneficiar de verbas do erário. Ao tempo do “mono” foi criado um esquema que lhe dava direito a 1 lwei por cada litro de combustível posto no mercado. Depois disso o MPLA resolveu construir a sua autossuficiência financeira criando as suas próprias empresas, por processos, diga-se, muito questionáveis.


Calcula-se que entre detidas e participadas, o número de empresas ligadas ao MPLA ascenda à quase meia centena. Um império cuja opacidade não permite ver o seu limite. Mas cujos tentáculos abarcam os mais diversos negócios e mercados, que vão dos transportes aéreos e rodoviários, passam pela indústria hoteleira e cervejeira e desembocam no mundo da publicidade e imprensa.


A holding do MPLA tem neste momento como gestor máximo o dirigente do partido Mário António, membro do Bureau Político. Será ele o sacrificado caso José Eduardo dos Santos concretize a nomeação da filha à frente da GEFI.


De resto, a queda de Mário António tem condimentos de crónica anunciada desde que o líder do MPLA começou uma limpeza de balneários nos órgãos de direcção do partido, procurando adequá-los aos seus actuais interesses. Conhecido pela sua proximidade ao novo Presidente da República, João Lourenço, Mário António tinha praticamente os dias contados à frente frente do influente pelouro da Informação no secretariado do Bureau Político. E assim foi. Acabou por ser trocado pelo recém-chegado Norberto Garcia.


A Mário António coube chefiar os Assuntos Sociais, que em boa verdade é qualquer coisa como uma “despromoção” tácita. Mas a queda, pelos vistos, ainda não se consumou totalmente, tudo indicando que também pode vir a ser despojado da GEFI, naquela que seria a machadada final contra si.


Não é tudo. De acordo com os outlooks existentes, Isabel dos Santos também poderá assumir o controlo do sector da informação, conduzindo-se atrás de Norberto Garcia, que na realidade não passa de um pau-mandado de JES, a voz do dono. O líder do MPLA atribui enorme importância a área informativa como arma de arremesso contra o Executivo de JLo. Norberto Garcia tem lábia, mas pouco mais do que isto, numa área em que se exige mais proficiência técnica e científica. Isabel dos Santos não tem propriamente lastro científico, mas sempre tem os amigos expatriados portugueses nos quais confia e aos quais, indubitavelmente, recorrerá.


Mas este é o grande senão da chegada de Isabel dos Santos para reforçar os intentos do pai no MPLA. O problema, está visto, é que tudo isso levará ao risco da “portugalização” do maior partido do país, tal como aconteceu durante o período em que Isabel esteve à testa da Sonangol. É óbvio que atrelada a ela aterrará no “Kremlin” uma caterva de expatriados portugueses.


E à semelhança ainda do que sucedeu com a Sonangol, o maior risco associado à invasão lusitana seria novamente a exposição a estrangeiros de informação classificada e de carácter estratégico sobre o país que o MPLA certamente detém, na sua condição privilegiada de partido-Estado ao longo de todos estes anos.