Johanesburgo - A demissão, no dia 15, de Jacob Zuma (presidente da África do Sul desde maio de 2009) pôs termo à época mais infeliz da nação que é considerada o país modelo em África. No final da presidência Zuma, as sondagens Ipsos Khayabus indicam que o nível de desconfiança na governação e no partido maioritário, o ANC, abrange dois terços da população sul-africana, provocando instabilidade e violência a todos os níveis de governação. E uma grande ansiedade sobre o possível desfecho das próximas eleições gerais em 2019.

Fonte: DN

Em 2018, a África do Sul é o país dos máximos negativos: tem a pior média a nível global na habilitação dos alunos que concluem o ensino secundário, com mais de 40% desses alunos desqualificados antes das provas finais; os níveis relativamente mais baixos do mundo de produtividade industrial; a percentagem populacional mais elevada de crimes violentos no mundo, o pior coeficiente de Gini de desigualdade social e económica do mundo (duas vezes pior do que no Brasil), o ranking mais baixo dos índices de liberdade económica no grupo dos 40 países mais industrializados e dos 60 países mais semi-industrializados do mundo, e finalmente, como se não bastasse, uma taxa real de desemprego (incluindo o "setor informal") acima de 50% da população adulta.

Zuma, no seu discurso de despedida, defendeu-se dizendo que durante a sua presidência teria conseguido aumentar o número de beneficiários de apoios sociais, para um total acima de 17 milhões, ou seja, 52% da população adulta. Isso ilustra a irracionalidade de que sofria já no fim do seu mandato.

Talvez a única intervenção positiva de Zuma tenha sido o seu desempenho em facultar o tratamento gratuito em todo o território e sem exclusões dos doentes do VIH/sida. Foi a teimosia do seu predecessor, Thabo Mbeki, em recusar - e mesmo proibir - a assistência a esses doentes, que representam aproximadamente 15% da população, que no fundo motivou o afastamento de Mbeki em 2008. Mbeki até ao dia de hoje insiste que o VIH/sida não seria uma doença, mas sim o efeito de uma arma biológica produzida pela CIA e pelos EUA, com um objetivo genocida dirigido contra a raça negra.

Não é encorajador que o novo presidente, Cyril Ramaphosa, ainda antes da sua eleição pelo Parlamento (no mesmo dia da demissão de Zuma), tenha nomeado Mbeki seu conselheiro especial. Fê-lo pela necessidade de formar alianças contra Zuma. Entre os seus novos aliados encontram-se também o chefe do executivo provincial da província de Mpumalanga, com fama de mandar assassinar quem o contradiz. Mas também Paul Mashatile, acusado de ter avançado a sua carreira política com o apoio do temido "gangue Alex", grupo de crime organizado especializado no highjacking de automóveis em circulação, normalmente com morte a tiro e sem compaixão dos seus ocupantes. Ou ainda "Ace" Magashule, chefe do executivo da província do Free State, tragicamente ligado e comprometido com o enriquecimento grosseiro dos três irmãos Gupta, imigrantes da Índia que conseguiram lesar em milhões as empresas públicas da África do Sul.

Zuma deixa todas as grandes empresas públicas tecnicamente na bancarrota. O monopólio da energia Eskom, a indústria de armamento DENEL, a companhia área nacional SAA e os caminhos-de-ferro acumulam milhares de milhões em dívida. A isto acresce o prejuízo da compra de locomotivas a Espanha, que não podem ser utilizadas na África do Sul por terem uma altura muito superior à altura máxima permitida pelos cabos de alimentação elétrica dos comboios sul-africanos. O escândalo foi mais um resultado das conspirações corruptas dos Guptas, sempre protegidos pelo seu sócio e parceiro Edward, filho de Zuma, e da sua ex-mulher Nkosazana Dlamini-Zuma, escolhida por Zuma como sua sucessora pretendida.

No próprio dia da demissão de Zuma, dois dos irmãos Gupta foram presos e o terceiro, Ajay Gupta, está a ser procurado. Não há dúvida de que o novo presidente Ramaphosa está a dar prioridade à sua promessa de combater o crime económico organizado. Tal como o presidente da China, Xi Jinping, vai assim procurar reforçar a sua autoridade e a fraca maioria de apenas 2% de margem que obteve no Congresso do ANC (realizado entre 16 a 20 de dezembro 2017).

Na África do Sul, ao contrário da China, a independência dos tribunais e a força real do Estado de direito não vão permitir obter sucessos rápidos e visíveis nesta guerra contra a corrupção. Guerra essa que também é a guerra pela ressurreição de um país quase falhado, após anos de governação por quem, no exílio, não passou de interrogador da contrainteligência do ANC, organizada nos moldes do neoestalinismo.

Foi graças à força do constitucionalismo moderno da África do Sul que o afastamento de Zuma (com os seus hábitos e ares de régulo tribalista) se completou sem que tenha havido derramamento de sangue. No seu primeiro discurso de novo presidente, Ramaphosa salientou que quer ser presidente de todos os sul-africanos, incluindo os que apoiam os partidos da oposição. Vai, sem dúvida, esforçar-se para dar a volta aos ratings negativos da economia. O seu sucesso pessoal como empresário valeu-lhe a alcunha de "búfalo". Ramaphosa é a promessa de uma nova modernidade e abertura em África.

Professor da Universidade da África do Sul