Luanda - Faz tempo que estou para te escrever meu eterno amigo, mas a vida por aqui não está fácil. Se quase tudo era complicado antes, depois de partires, alguém decidiu tirar o ‘quase’ e deixou ficar só o complicado. Mas, hoje, provavelmente contagiado pela profundidade da carga emocional que transmite a voz e a imagem serena de Andrea Bocelli (La voce del silenzio, dueto com Elisa em Vivere – Live in Tuscani), voltei a sentir uma saudade profunda. E passou pelos meus olhos aquela imagem sempre presente a entrares em minha casa, manhã cedo ou no início da noite, pezinhos de lã, sem me dares tempo para ‘esconder’ o bolo fresco que a tua mana tem sempre sobre a bancada da marquise, e retirar também da geleira a gasosa acastanhada que tem fama de ser prejudicial a saúde, que no entanto era a tua preferida, mesmo tendo consciência que o açúcar era teu inimigo.

Fonte: Facebook

Confesso, meu amigo, que quase não dei conta que já passaram quase seis anos, desde que te acompanhamos naquela derradeira despedida e não contive as minhas lágrimas. Chorei sim meu amigo e continuo a sentir saudades da tua presença inconfundível. E como eu, de certeza todos os que tiveram o grato privilégio de te conhecer e contigo conviver.


Daí de cima, de certeza que já viste que a tua Benguela, aos poucos, perde o brilho e a dignidade recuperada em 2010. Montanhas de lixo, até ao lado das escolas, voltaram a tomar conta da cidade. As palmeiras reais do Estádio Nacional de Ombaka, secaram por falta de rega. Estou entristecido. Quase todo o investimento realizado para dignificar esta faixa litoral, está a ir para o ralo por falta de trabalho de continuidade, mas, sobretudo, porque se pensou mais na satisfação do umbigo do que, no bem comum, embora nos digam que não há dinheiro. Mas onde saiu então o que os tornou milionários?


Elegemos um novo Presidente da República, faz pouco tempo, e há nova governação nesta tua terra. Mas, meu mano, todos tardam em baixar a alavanca que prende o travão de mão, para pôr o carro em movimento. Até o comboio do CFB só circula à velocidade de 30 km/hora. Amigo Tanaka, é demais, nada dá certo, continuamos com dificuldade de identificar o que está bem e é preciso melhorar.

 

Finalmente, fala-se em realização das autárquicas antes de 2022. E como governantes e partido no poder continuam os mesmos, unha e carne, é só vê-los de reunião em reunião de “preparação das bases”, esquecidos da resolução dos nossos problemas, e que será o desempenho e não a militância que ditará vencedores e derrotados.


Eterno amigo: foi uma pena teres partido tão cedo, pois acredito, darias num bom autarca, porque foste um grande exemplo de bondade e de solidariedade, exercício cada vez mais raro entre nós. Por cá, as notícias de maior destaque giram em torno da corrupção, do desvio de fundos públicos, do enriquecimento ilícito, da falta de escolas, do mau funcionamento dos hospitais, neste país tão rico mas que não tem dinheiro sequer para garantir um merenda escolar, nem uma fralda descartável para tapar o rabinho de uma criança recém-nascida nas maternidades.


Enfim... meu mano. Estranho mas é verdade. Temos tudo para ser um povo feliz, podíamos e devíamos estar melhor, mas escolhemos o pior que havia para dirigir. Espero que, um dia, quando implementarem a nova toponímia, os donos de tudo ou de quase tudo não se esqueçam que também foste um patriota, filho de Benguela (gerado por outra grande referência desportiva nacional, o mais-velho PACASSA, adoptado por esta terra) e que os teus restos mortais repousam na Camunda. Duvido que algum deles venha a ser brindado com a homenagem de que foste merecedor da parte da sociedade de toda a província de Benguela e arredores, de vários cantos de Angola e do mundo, apenas porque todos eles juntos, transmitem-nos pouco para que se possa nutrir tão elevado respeito, estima e simpatia.

 

Por teu intermédio, estendo um abraço a todos os nossos que todos os dias vão chegando aí, embora não saiba propriamente onde fica esse aí.


Aquele abraço, meu mano Tanaka! Com a tua simplicidade, foste para mim o exemplo de que para se ser grande e feliz, não é necessário ter muito. Conseguiste distribuir o teu pouco por muitos que não tinham nada. De forma natural, confortaste corações dilacerados pela dor e gente de todos os extratos sociais; espalhaste o teu amor ao próximo, fazendo o bem sem olhar a quem. Se não foste um santo, também não estás longe de o ser!

Deste teu amigo, com saudade.

Ramiro Aleixo

*Mário Rui Severino de Vasconcelos
Nascido aos 23 de Janeiro de 1959
Faleceu aos 13 de Julho de 2012