Lisboa - Circulam por aí uns papéis, que aliás tiveram destaque na edição do Jornal de Angola de 4 de Maio de 2018, acerca do processo do procurador português Orlando Figueira, em que Manuel Vicente é apontado como corruptor. Muitos destes papéis têm data de 2016 ou 2017, e devem ter sido vistos pelo Ministério Público de Portugal antes da acusação, pelo que o relevo que lhe querem dar não é assim tão importante. Será aquele que os juízes no processo em Lisboa derem.

*Pedro Malembe & Paulo Alves
Fonte: Club-k.net

Esquema para abafar processos  judiciais  em Portugal

Aquilo que não tem sido falado é de uma troca de emails entre o então procurador-geral da República (PGR) de Angola João Maria de Sousa e o advogado português Paulo Amaral Blanco, também acusado nesse processo. Por esses emails vê-se que o general-procurador em vez de adoptar as regras do cargo, e ter uma posição institucional, actua como intermediário, comissionista e advogado privado dos generais e dirigentes angolanos.


Por exemplo, num email de 12 de Março de 2012, Blanco escreve a João Maria de Sousa agradecendo-lhe por ter passado determinadas percentagens a alguns interessados. Vê-se que Sousa recebeu uns dinheiros que passou a terceiros. Pelo meio aparece uma D.a Luísa que trata pessoalmente dos assuntos com o procurador. Estranhamente, ou não, o email tem a epígrafe LUÍSA-DCIAP/Lisboa. Em linguagem críptica também se fala de um português mais velho, pagamentos, e apartamentos no Estoril. Convenhamos que não são assuntos para um PGR angolano tratar com um advogado português, e na realidade, no mínimo indicia a prática de crimes de tráfico de influências.


Os clientes angolanos – membros do governo e da elite dirigente – estavam relutantes em aceitar as propostas de honorários de Paulo Blanco. Este perguntou a João Maria de Sousa a origem de tais propostas porque as mesmas não tinham sido de sua criação. Noutro email, Paulo Blanco é claro sobre a intermediação do então PGR João Maria de Sousa: “Caro amigo, apresso-me a relatar-lhe o seguinte: O português mais velho acaba de me informar, via telefone, que a D. Luísa estará amanhã em Lisboa, onde vem expressamente para falar comigo e entregar-me a resolução do assunto/ apartamentos / Estoril Sol. Ficou de me voltar a ligar ao final da tarde para ajustarmos a hora.


“Assim, e na sequência dos email trocados a semana passada sobre o tema e que infra reencaminho, solicito o obséquio de informar se conversou com as pessoas sobre a questão dos honorários ou não? E se lhes deu a listagem dos documentos necessários? Com efeito, desejo evitar mais quaisquer maus entendidos. O que me diz? O que acha?”


João Maria de Sousa revelou a sua qualidade de intermediário privado de dirigentes angolanos – a contas com a justiça portuguesa. Tais dirigentes levantaram suspeitas de branqueamento de capitais por terem adquirido cada vários apartamentos no Estoril Sol Residence, em Lisboa, e que deram origem a vários processos judiciais, incluindo o de Manuel Vicente.


“Respondendo à sua pergunta devo dizer que passei para o pessoal interessado nos seus préstimos, as percentagens e suas incidências, bem como a relação de documentos necessários. Acho muito bem a Sra. Dona Luísa deslocar-se para tratar pessoalmente comigo. Abraço, JM [João Maria]”.


Num email anterior de 6 de Março, o PGR informa o advogado português que já tinha tratado do caso 230/11, que embora estivesse demorado se iria resolver. Há aqui outro indício de tráfico de influências. Aliás, pelo meio dos emails há sempre muitas conversas sobre valores. É claro que pelo menos João Maria de Sousa e Paulo Blanco tinham alguns negócios em comum, em que intervinha também uma D.a Luísa, e que haveria ligação ao DCIAP português. Uma investigação? Uma cumplicidade?


Os emails trocados também abordam assuntos dos generais Kopelipa, Dino do Nascimento, Higino Carneiro assim como de José Pedro Morais, entre outros.


“Recebi mandato verbal dos meus amigos para tratar consigo todos pendentes deles. Estou a falar do GKope [General Kopelipa] e esposa, GDino [General Dino] e GHigino Carneiro [General Higino] e José Pedro”, comunicou João Maria de Sousa ao seu amigo, o advogado português Paulo Blanco.


Expedito, o então PGR transmitiu mais: “Também recomendei o [Manuel] Rabelais [então porta-voz presidencial] com quem o meu amigo já manteve contacto. Gostaria que me enviasse um resumo do que há para fazer relativamente a cada um deles, visando o encerramento dos respectivos expedients processuais. E em função de tudo, apresentar-me propostas individualizadas de honorários, especificicadas, para eu discuti-las com os interessados que não deixaram de me referenciar o facto de terem havido anteriores tentativas de entendimento que só falharam devido aos elevados valores a cobrar (...)”

O PGR surge como uma espécie de advogado privado e defensor dos interesses particulares dos Kopelipas e outros dirigentes. É tudo uma confusão.


Se no caso de Manuel Vicente, João Maria de Sousa tivesse adoptado desde início um papel de Estado, imparcial, técnico e diligente, teria, certamente, evitado as trapalhadas judiciais que hoje existem. Muito do problema do processo de Manuel Vicente liga-se à falta de distinção entre público e privado na cabeça do ex-PGR.

João Maria de Sousa, Paulo Blanco e o então procurador Orlando Figueira acabaram por formar um triunvirato que facilitava o corrupto esquema de encerramento dos processos judiciais dos angolanos em Portugal por este último.