Luanda - Foi bastante conturbado o período anterior à independência de Angola e o investigador brasileiro José Francisco dos Santos, no seu livro «Angola: política externa brasileira para África, no olhar de Ovídio de Andrade Melo», destaca a difícil missão daquele representante especial brasileiro em Angola, através dos contactos oficiais que manteve com o seu país.

Fonte: JA

No telegrama nº 186, de 24 de Julho de 1975, classificado como urgente e confidencial, com o título “Atentado à bomba contra o “Província de Angola”, inferia, deste modo, as consequências que, à época, os orgãos públicos e privados poderiam estar sujeitos, face ao clima de elevada conflitualidade prevalecente em Luanda:


“(…) De qualquer forma, podia-se supor que a sobrevivência do «Jornal de Angola» seria condicionada à linha que passasse a adoptar. Se a tomada de direcção pelos trabalhadores verdadeiramente interessasse ao MPLA, se o jornal passasse a ser um órgão do Poder Popular, poderia sobreviver. Se, ao contrário, a tomada de direcção pelos trabalhadores fosse uma simples manobra táctica da directoria foragida, se o jornal estava apenas procurando ganhar tempo, para recomeçar sua militância em favor da FNLA – estaria condenado. No primeiro caso, a FNLA estaria interessada em extinguir o jornal.

 

No segundo caso, o MPLA nada mais teria feito do que concluir uma obra já iniciada. Eis que, em uma semana apenas, desde que a directoria do jornal mudou, uma nova linha política não chegou a se caracterizar, de maneira que possamos definir a quem, em primeira mão, interessaria um atentado contra o jornal. A Polícia que investigue, que apure a autoria, justiça que julgue e condene os seus autores, não há no país. Todas as inculpações serão, pois, políticas e o atentado será mais um caso de mútuas acusações entre os dois principais partidos. O MPLA dirá que a FNLA tendo perdido o «Província de Angola», destruiu-o. A FNLA dirá que o MPLA destruiu o «Jornal de Angola» como arrasou as sedes e quartéis da Frente em Luanda. De qualquer forma, atentados à bomba são inéditos e absolutamente desnecessários em Luanda, quando há sempre morteiros e bazucas disponíveis.”


Num outro telegrama do mesmo teor, com o nº 189, também dirigido à Secretaria de Estado, o Representante Especial do Brasil em Angola, acrescenta: “Em aditamento a meu ofício número 186, de 24 de Junho corrente, remeto os anexos recortes do «Jornal de Angola», que, não tendo tido as máquinas atingidas, conseguiu hoje novamente sair à rua. O atentado, como era previsível, ainda não está policialmente esclarecido. O principal suspeito é um funcionário do próprio jornal, que se encontra detido. Mas os Movimentos já começam a acusar-se mutuamente, como se pode verificar pelos comunicados emitidos e publicados nestes mesmos recortes.”


Ovídio de Andrade Melo também se referiu aos periódicos «O Globo», «Manchete» e o «Estado de São Paulo», como jornais, à época, “ligados a sectores conservadores da sociedade brasileira, que apoiaram o golpe militar ditatorial brasileiro.” Contudo, José Francisco dos Santos, não deixa de sublinhar, que «O Estado de São Paulo” havia anteriormente apoiado o MPLA, através do Movimento Afro-Brasileiro de Libertação de Angola – MABLA – através de Miguel Urbano Rodrigues e Fernando Augusto Mourão de Albuquerque, que, na década de 60, trabalhavam naquele jornal e denunciavam as atrocidades da administração colonial em África. Mas, na década de 70, «O Estado de São Paulo», mudou de postura, ao procurar manter o Brasil em posição de “neutralidade” face aos conflitos que se foram registando em Angola. Daqui que, as preocupações do Representante Especial do Brasil em Angola, apostado em passar uma imagem de “equilíbrio e equidistância”, se confronta com os posicionamentos do jornalista brasileiro Fernando Câmara Cascudo, comprometido em influenciar o governo brasileiro a favor da FNLA. Num outro telegrama para a Secretaria de Estado, a propósito da visita do ministro da Saúde do Governo de Transição, Samuel Abrigada, datado de 27 de Maio de 1975, Ovídio de Melo relata o seguinte:


“Foi longa e amável a conversa que tive com Câmara Cascudo, ainda mais porque agora está ele sob a impressão de que o Brasil se aproxima da FNLA. Contou-me que está vindo de Kinshasa onde longamente conversou com Holden. Salientou a proeminência que vai ganhando nos círculos dirigentes da FNLA, graças ao sucesso da máquina publicitária que, com experiência e savoir faire brasileiro, vai montando para Holden, que já considera um ‘irmão de sangue’. E que por isso, entram em considerações políticas, trocam, com maior franqueza.”

* Membro do Conselho Científico da Academia Angolana de Letras (AAL)